Portada de La Insignia

9 de janeiro de 2009

enviar imprimir Navegación

 

 

Cyt

Três antídotos contra a zoofobia


Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, janeiro de 2009.

 

O ensino de zoologia nas escolas brasileiras ainda tem um acentuado viés antropocêntrico. Fixando nossa espécie no centro de todas as preocupações, costumamos dividir o reino animal em duas partes: os animais benéficos e os animais nocivos. Submetidos a essa visão distorcida - de um lado, 'abelhas que nos dão mel' e 'animais domésticos que nos dão carne, leite, lã e ovos'; de outro, parasitas, vetores de doenças e animais peçonhentos -, não é de estranhar que os estudantes saiam das escolas com a impressão de que o mundo natural é um lugar hostil e perigoso, habitado por criaturas sinistras e ameaçadoras. (Excetuando-se, claro, as regiões que foram 'civilizadas' pelos seres humanos.)

Ao invés de promover uma cultura científica crítica e respeitosa, o ensino de tal 'zoologia sanitária' tem contribuído para disseminar e cultivar entre nós um sentimento generalizado de zoofobia - uma aversão crônica aos animais selvagens e a tudo o que eles representam [Nota 1]. É possível que uma parte desse comportamento seja inata; grande parte, porém, parece ser cultural. Aranhas, insetos e lagartos estão entre os animais que mais amedrontam seres humanos, quase sempre por motivos fantasiosos e absolutamente improcedentes. Deveríamos, por isso mesmo, conhecer um pouco mais da vida desses animais. No que segue, apresento três obras voltadas para o público universitário, mas que exemplificam bem o significado da expressão 'antídotos contra a zoofobia'.

Primeiro: Gonzaga, M. O.; Santos, A. J. & Japyassú, H. F., orgs. 2007. Ecologia e comportamento de aranhas. RJ, Interciência. xii + 400 p. (Preço: R$ 91,00.)

Esse livro é uma compilação de artigos escritos por 13 aracnólogos. Trata-se de uma obra pioneira: talvez seja o primeiro livro sobre aranhas publicado no país que fala desses animais como seres intrigantes, merecedores de atenção e cuidados, e não apenas como fonte de preocupação e problemas ou como 'acúleos que matam'. Em 14 capítulos, os autores discutem uma quantidade expressiva de dados e informações, muitos dos quais foram obtidos ou gerados por eles próprios. A ênfase recai sobre aspectos de auto-ecologia (e.g., forrageio, interações macho-fêmea, cuidado parental, territorialidade) e do estudo de comunidades (e.g., interações multitróficas, predação intraguilda, mimetismo). O livro é bem diagramado e ilustrado.

Cabem ainda dois comentários. Em primeiro lugar, admitindo que os temas abordados representem uma amostra balanceada do tipo de pesquisa que tem sido conduzida nos últimos anos, fica claro que necessitamos de mais estudos populacionais. Com exceção talvez do último capítulo, que trata do uso de aranhas como agentes de controle biológico, a biologia de populações (demografia, dinâmica populacional, especiação etc.) não aparece como tema principal em nenhum capítulo. Ao que parece, essa área tem sido pouco explorada pelos estudiosos brasileiros. Em segundo lugar, senti falta de um quadro que resumisse a classificação da ordem Araneae, o que talvez ajudasse o leitor - principalmente os leigos, como eu - a entender melhor o grau de parentesco entre as várias famílias mencionadas no livro. De resto, embora a obra não tenha sido organizada com o propósito de funcionar como livro-texto, ela deverá daqui por diante ser consultada como leitura complementar em diversas disciplinas (e.g., comportamento animal, ecologia, zoologia de invertebrados etc.).

Segundo: Gullan, P. J. & Cranston, P. S. 2007. Os insetos: um resumo de entomologia, 3ª edição. SP, Roca. xvi + 440 p. (Preço: R$ 116,00.)

Esse livro - tradução da terceira edição inglesa, publicada em 2005 - é uma agradabilíssima novidade bibliográfica, daquelas que cabe saudar com um sonoro 'alvíssaras, até que enfim'! A obra vem preencher uma laguna de muitos anos: desde a década de 1970, estudantes brasileiros estavam órfãos de um bom livro-texto de entomologia. O que é impressionante, dada a importância e a onipresença dos insetos. Existem, a rigor, dois tipos de livro-texto: os compêndios taxonômicos, com ênfase na diversidade e classificação dos insetos, e os tratados biológicos, com destaque para aspectos de morfologia, fisiologia, comportamento e assim por diante. Os autores tentaram conciliar esses dois enfoques em um único volume e, até certo ponto, eu diria que eles foram bem-sucedidos. (A abordagem taxonômica ficou um tanto aquém do necessário para alunos de graduação que precisam cursar um semestre de entomologia.) De resto, o livro é bem diagramado e muito bem ilustrado, rico em desenhos e esquemas grandes e didáticos.

Terceiro: Silva, V. N. & Araújo, A. F. B. 2008. Ecologia dos lagartos brasileiros. RJ, Technical Books. xiv + 271 p. (Preço: R$ 55,00.)

A publicação desse livro foi outro sopro de pioneirismo. Embora não seja exatamente a primeira obra publicada no país a tratar de um grupo de répteis, nunca antes uma obra tão ampla e detalhada sobre lagartos havia aparecido entre nós. A idéia original era ambiciosa: fazer um inventário de tudo o que até então havia sido publicado sobre a ecologia de lagartos brasileiros. Os autores compilaram quase 300 trabalhos originais, bibliografia essa que serviu de base para os nove capítulos do livro. A ênfase recai sobre aspectos de auto-ecologia (e.g., forrageio, termorregulação, seleção de hábitat, ecologia reprodutiva) e do estudo de comunidades (e.g., estruturação de guildas, similaridade limitante, empacotamento de espécies, teias alimentares). A diagramação é limpa e o livro traz um encarte final com fotos coloridas de espécies mencionadas no texto. Cabe ainda um comentário: o capítulo que trata de ecologia de populações ocupa apenas sete páginas do livro. Ao que parece, portanto, o estudo de populações também tem sido pouco explorado pelos herpetólogos brasileiros - os próprios autores, alias, alertam para a necessidade de estudos adicionais nessa área. De resto, embora a obra não tenha sido organizada com o propósito de servir como livro-texto, ela deverá daqui por diante ser consultada como leitura complementar em várias disciplinas universitárias (e.g., ecologia, zoologia de vertebrados, biologia evolutiva etc.).

Nota

Biólogo meiterer@hotmail.com, autor de Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003) e A curva de Keeling e outros processos invisíveis que afetam a vida na Terra (2006).

1. Ver artigo 'Zoofobia' (acesso em janeiro de 2009).

 

Portada | Mapa del sitio | La Insignia | Colaboraciones | Proyecto | Buscador | RSS | Correo | Enlaces