19 de novembro de 2008
O Oriente Médio tem se caracterizado nas últimas décadas pela instabilidade política e pelos conflitos bélicos [1]. Por isso mesmo, não são poucos os analistas que levantam dúvidas sobre a presença humana na região: por que palestinos e israelenses vivem em conflito há tantos anos? Transcorridos 60 anos desde a criação do estado de Israel (1948), por que ainda não há um estado da Palestina igualmente reconhecido? É viável manter populações humanas auto-sustentadas e não-belicosas na região? É factível trabalhar em prol de uma sociedade transnacional no Oriente Médio, na qual cidadãos de origens, etnias e crenças religiosas diferentes possam conviver de modo civilizado?
A imprensa costuma oferecer 'explicações' para os conflitos no Oriente Médio com base em argumentos de natureza religiosa ou étnica. Argumentos desse tipo podem ser fáceis de vender para o grande público, mas não parecem ser apropriados a ponto de sustentar uma explicação consistente. Quer dizer, ainda que os conflitos intergrupais tenham uma carga ideológica própria, por si só a ideologia não é suficiente para explicar a origem e manutenção de conflitos bélicos dessa magnitude. Deve haver algo mais substantivo por trás dos adjetivos que israelenses e palestinos vivem a lançar uns contra os outros.
Uma possível explicação para a origem dos conflitos no Oriente Médio tem a ver com o uso e exploração dos recursos naturais [2]. A exploração das reservas de petróleo existentes na região seria um exemplo. Um outro recurso, cuja importância é particularmente crucial naquela região, são as fontes de água. A esse respeito, cabe registrar aqui os comentários de um observador [3]:
"Veja o conflito na bacia do rio Jordão. Em 1990, o rei Hussein declarou que a água era a única questão que o levaria à guerra com Israel. A retórica é recíproca: o antigo ministro da agricultura de Israel, Ben-Meir, disse basicamente a mesma coisa. Não é difícil entender o porquê. Já com seus tamanhos populacionais atuais, Israel, Jordânia e Síria são importadores de cereais. Os três países têm um crescimento populacional explosivo. Israel está tentando abrigar um milhão de imigrantes vindos da antiga União Soviética. A população da Jordânia vai dobrar em 20 anos e a da Síria em 18.
"Israel e a Jordânia têm quantidades semelhantes de terras cultivadas (cerca de 4.000 km2) e de população (cerca de 5,5 milhões de habitantes). Israel irriga 42 por cento de suas terras cultivadas, enquanto a Jordânia irriga, com metade do mesmo volume de água, apenas 16 por cento. As expectativas de um maior crescimento econômico da Jordânia teriam um grande impacto no uso da água, mesmo se a população não estivesse crescendo; o consumo de Israel já excede o seu suprimento de água doce renovável.
"O sonho palestino de uma Cisjordânia independente já seria difícil o bastante se fosse apenas uma questão de terras, idioma e religião. Cerca de 25 a 40 por cento do abastecimento de água doce de Israel vem de um aqüífero localizado em subsolo da Cisjordânia - as terras ocupadas por Israel após a Guerra de 1967. Durante sua ocupação, Israel tem feito sérias restrições ao volume de água que os árabes da Cisjordânia podem bombear. Todavia, Israel tem superutilizado o aqüífero para uso próprio.
"Israel também ocupa as Colinas de Golan, uma parte da Síria. O controle dessa área dá a Israel acesso às encostas que drenam água para o rio Yarmük. Esse é o último rio inalterado que deságua no mar da Galiléia, definindo a fronteira entre Síria e Jordânia. O mar da Galiléia é a principal fonte de águas superficiais de Israel e dele parte uma rede de canais e dutos, o aqueduto Kinneret-Negev, levando água para o sul. A Síria e a Jordânia têm planos de represar o Yarmük, em Maqarin. Israel já anunciou que destruirá o reservatório, caso seja construído, temendo que ele reduza o volume de água que Israel pode extrair do mar da Galiléia. O belicoso Comitê dos Moradores de Golan, armado com brochuras em inglês e endereço eletrônico, deixa clara sua posição em relação ao território ocupado: 'Não há lugar para negociação territorial... Golan controla 30 por cento dos recursos hídricos de Israel'." -Stuart Pimm (2005, p. 129-130).-
Trocando em miúdos, os conflitos no Oriente Médio - como, de resto, em qualquer lugar do mundo - têm causas materiais. Nesse caso, as causas são, ao menos em parte, ecológicas. Na verdade, em função da deterioração crescente do estado dos recursos naturais, há quem imagine que esses conflitos serão ainda mais comuns em futuro próximo.
Além da perda absurda de vidas humanas, o legado das guerras é insano também por outros motivos. Há, por exemplo, doses elevadas de desperdício e deterioração de recursos naturais. Desse modo, os sobreviventes que após o conflito voltam a morar em zonas de guerra herdam uma paisagem degradada, hostil e quase sempre perigosa.
A Segunda Guerra (1939-1945), por exemplo, terminou há mais de 60 anos. Ainda hoje, no entanto, há riscos para a população. Esse é o caso do legado que uma parcela expressiva da população alemã herdou, de acordo com matéria recentemente publicada [4]. Tal legado inclui uma infinidade de artefatos bélicos (bombas, minas etc.) não-detonados que continuam encravados, enterrados ou de algum outro modo escondidos em áreas habitadas daquele país. Em resumo, trata-se de um legado não só potencialmente letal, mas de uma ameaça que se torna mais perigosa a cada dia, pois com a deterioração dos artefatos os riscos de acidente aumentam.
Além disso, há, em algumas regiões da antiga Alemanha Oriental, uma herança macabra adicional: restos de artefatos usados em seções de treinamento pelas tropas da antiga União Soviética. Na partilha pós-guerra, a ex-URSS ficou com a parte oriental do território alemão, que foi ocupado por tropas soviéticas até a queda histórica do Muro de Berlim, em novembro de 1989. As autoridades alemãs têm dedicado esforços para localizar e neutralizar esses artefatos, mas isso ainda não foi suficiente para acabar com o problema. Em todo caso, a Alemanha é um país rico e dinheiro e pessoal deverão continuar sendo alocados até que um nível zero de risco - ou ao menos algo socialmente aceitável - seja alcançado [5].
Algo bem diferente ocorre em países pobres. Esse é o caso, por exemplo, do Vietnã, um país igualmente populoso e que também foi palco de guerra. Os danos ambientais causados entre 1964 e 1973 pelas forças americanas durante a chamada Guerra do Vietnã ainda não foram devidamente reparados ou sanados. Durante a guerra, mais de 20 milhões de galões de herbicidas - incluindo os famigerados 'agente laranja' e 'agente azul' - foram despejados pelos norte-americanos. O objetivo era não só revelar a posição de alvos militares, mas também destruir as áreas utilizadas para cultivo de alimentos - isto é, 'semear' a fome, tentando inclusive jogar os camponeses contra o governo.
A aplicação repetida de venenos químicos sobre uma área limitada terminou erradicando por completo a vegetação local. Com o tempo, certos hábitats foram tomados por plantas invasoras, algumas das quais prosperaram e se estabeleceram, tendo se convertido em espécies dominantes, facilmente encontradas ainda hoje. Em muitos lugares, a vegetação arbórea nativa ainda não conseguiu se restabelecer.
Além de efeitos diretos e indiretos dos desfolhantes químicos, cerca de 14 milhões de toneladas de bombas foram despejadas sobre o Vietnã e países vizinhos (Laos e Camboja), produzindo entre 10 e 15 milhões de crateras de médio e grande porte [6]. Assim, embora os norte-americanos tenham batido em retirada há mais de 30 anos, os efeitos dos desfolhantes químicos e das bombas despejadas por eles podem ser vistos ainda hoje.
O Vietnã tem um rico e expressivo patrimônio biológico. Com aproximadamente 332 mil quilômetros quadrados de área territorial (pouco menor que o Maranhão), o país abriga comunidades biológicas particularmente valiosas, incluindo uma mistura incomum de espécies de regiões tropicais e temperadas. Toda essa biodiversidade, no entanto, só começou a ser estudada em detalhes nos últimos anos. Na década de 1990, por exemplo, um gênero inteiramente novo de mamífero ungulado (Pseudoryx) foi encontrado em florestas de uma região montanhosa do país. Ao contrário do que se passa na Alemanha, porém, um eventual processo de restauração plena do Vietnã terá pela frente limitações financeiras muito mais severas e, portanto, um futuro muito mais incerto.