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9 de setembro de 2007

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Cultura

Entrevista com Renato Rezende

«Ímpar é um livro totalmente anti-literário»


Maria João Cantinho
Storm / La Insignia, setembro de 2007.

 

Nascido em 1964, Renato Rezende abandonou seus estudos na USP o início da década de 1980 para viajar, tendo percorrido toda a Europa e parte da América do Norte. Recebeu o diploma summa cum laude de Bachelor of Arts pela Universidade de Massachusetts, com dissertação sobre a poeta porto-riquenha Julia de Burgos. Estudou também em Espanha e na Índia. Como poeta publicou, entre outros, Aura (2AB, 1997), Asa (Velocípede, 1999), Passeio (Record, 2001), com o qual recebeu a Bolsa da Fundação Biblioteca Nacional para obra em formação e Ímpar (Lamparina, 2005), ganhador do Prêmio Alphonsus de Guimaraens da Biblioteca Nacional. Também é autor de Memórias e curiosidades do bairro de Laranjeiras (Amazon, 1999), Parques do Rio de Janeiro: um olhar poético (Eco-Rio, 2000), Avenida Rio Branco: um projeto de futuro (Usina das artes, 2002), e Praça Tiradentes. Do império às origens da cultura popular (Usina das artes, 2003). Tradutor de dezenas de livros e artigos de filosofia, história e arte contemporânea, além de poetas de língua inglesa e espanhola. Entre as principais traduções estão As Duas Culturas e uma segunda leitura (C.P. Snow) (Edusp, 1995); Caos: Terrorismo Poético & Outros Crimes (Hackin Bey) (Conrad, 2003); Sobre a História e outros ensaios (Michael Oakeshott) (Topbooks, 2003); Puentes/ Pontes. Poesia argentina e brasileira contemporânea (vários autores) (Fondo de Cultura Econômica, bilíngüe 2003) e Brasil experimental: arte/vida: proposições e paradoxos. (Guy Brett) (Contracapa, 2005). Colaborador do caderno Prosa & Verso (jornal OGlobo) como crítico literário.

- Ao olhar para o teu percurso, vejo que há em ti um artista polifacetado: pintor, poeta, ensaísta e crítico. Como te definirias melhor entre esses campos?

Renato Rezende - Eu com certeza não sou um pintor, nem um ensaísta, nem um crítico. De todos esses rótulos, o que menos me incomoda, o que eu aceitaria com maior honestidade, é o de poeta. Sinto-me um poeta, não no sentido de ser alguém que é um virtuoso da palavra, que tem como instrumento o idioma, o que eu estou longe de ser, embora me situe no campo vocacional da literatura, trabalhando como poeta, escritor e tradutor, mas no sentido mais originário, o Poeta com P maiúsculo, alguém que produz a passagem do não-ente ao ente, algo que apenas pode se dar através de e no seio da linguagem. Partindo desta perspectiva, e compreendendo a poesia como um campo ampliado, poderia então afirmar que sou um poeta-pintor, etc. Tenho um profundo interesse e apreciação pelas artes visuais e seus circuitos, gosto de fazer os meus desenhos de vez em quando, e não descarto a possibilidade de fazer incursões poéticas fora do suporte livro, mas sempre dentro da esfera da linguagem, que é meu campo de ação.

- Escrever é, além de um acto de escuta do mistério, uma actividade profundamente solitária, às vezes dolorosa, mesmo. Concordas com isso?

R.R. - Ultimamente não tenho sentido nenhum prazer especial em escrever os meus poemas, muito embora sentisse grande orgulho deles no começo da minha carreira, e esse orgulho era uma espécie de satisfação. Sim, essa satisfação existe; a satisfação de conseguir colocar-se do lado de fora, de exteriorizar-se, traduzir-se, de dar cabo da inquietação interior que exigiu a feitura do poema, da obra de arte. Mas freqüentemente escrever é um processo doloroso. Tenho sentido muito mais prazer em escrever resenhas e, mais recentemente, pensar alguns ensaios mais longos sobre poesia, concatenar idéias, refletir, levantar hipóteses e pesquisar. Tal prazer por esse tipo de escritura, que surgiu mais como exercício de uma possibilidade profissional, é recente e ainda algo novo para mim, e quero levar essa atividade adiante na medida justa da extensão desse prazer, sem forçar nada; não tenho ambições como ensaísta ou crítico. Mas é curioso como escrever sobre a obra de outro é muito mais gostoso do que ler o que outros escreveram sobre minha própria obra, mesmo quando acertada e elogiosamente. Enfim, escrever poesia é um processo doloroso, sim, pois em última análise, o não-ente que vem a ser através do trabalho artístico sou eu mesmo, e nascer dói. Os poemas, para mim, são espécies de resíduos deste processo - e que eles possam transmitir algo e comover outros é prova do insondável mistério da poesia.

- Lembras-te como entrou em ti esse "vício" da poesia?

R.R. - Essas vocações e tendências se manifestam em nós desde a infância, e é curioso como cada um tem seus interesses e inclinações tão próprias. Quem tem filhos vê isso claramente nas crianças. Desde sempre eu gostei de livros, e de palavras. Uma das minhas brincadeiras preferidas era ficar circulando as palavras do jornal do meu pai com caneta. Sempre gostei de colecionar palavras, saber de onde elas vêm, conhecer línguas. Um dia eu li um poema. Não entendi muito bem e fui procurar umas palavras no dicionário. Quando reli, com as palavras já iluminadas pelo seu significado, surgiu imediatamente na minha mente a imagem que o poema construía: uma flor que flutuava no oceano, com uma raiz profunda e longíssima que a prendia no fundo. Foi um assombro. Eu vi a flor de baixo para cima, como se eu estivesse no fundo do mar, vendo-a boiar por entre alguns raios de sol filtrados pela água. Acho que aí nasceu, pelo menos simbolicamente, a minha relação profunda com a poesia. Durante minha adolescência e parte da minha juventude eu li muito, e praticamente toda prosa que li na vida foi lida durante esse período. E, claro, comecei a escrever. Sempre mantive diários, cadernos de reflexões e pensamentos. E algumas histórias e poemas. É interessante você ter usado a palavra "vício" na sua pergunta. De certa forma, sim, a literatura para mim era um vício, e eu detesto vícios. Acabei livrando-me. Cansei de ler tantas histórias, e fui viver as minhas, e depois cansei-me com o peso das minhas próprias histórias. Durante uns dez anos eu praticamente só li poesia e escrituras; hoje leio principalmente filosofia e teoria. Mas sou um leitor seletivo e lento, sinto-me instrumentalizado o suficiente para saber onde estão as coisas que me interessam, e leio apenas o que me interessa, movido por questões e reflexões íntimas, às vezes por curiosidade. Um dia tive uma sensação estranha, que pode parecer soberba ou pura tolice. Ao dar as costas para minha biblioteca, depois de guardar um livro, senti que nenhum daqueles livros ainda tinha valor para mim, nada daquilo poderia me ajudar dali pra frente. Nas minhas perambulações pelo mundo, essa biblioteca já foi destruída e reconstruída, perdi o apego que tinha aos livros. Mas não totalmente, hoje amo-os por escolha. Sinto que poderia tranqüilamente passar o resto da vida sem ler ou escrever uma única linha. Essa liberdade conquistada gera em mim um sentimento amoroso pela literatura, pela escrita. Desse abismo habitado eu posso ser poeta.

- O que dissestes atrás lembra-me Borges, ao dizer que escrevia para criar histórias que lhe dessem mais prazer do que as que lia. Concordas com ele? Ou a leitura dá-te tanto prazer como a escrita? Será que a afirmação de Borges define a visceralidade do escritor?

R.R. - Borges é um dos meus escritores preferidos, embora em sua expressão a minha poesia pareça ser bem pouco borgiana (mas o é, eu diria, no sentido de uma formação de uma identidade pessoal através da literatura, uma identidade toda ela tecida com o fio da linguagem - mas isto é um outro assunto). No entanto, não me lembrava desta citação dele. Ela pareceria-me artificial, tão distante tal sentimento é distante de mim, não fosse um outro poeta, que eu muito admiro e conheço pessoalmente, o Vicente Franz Cecim, ter dito recentemente em uma entrevista exatamente a mesma coisa: que escreve "para ler os livros que gostaria que algum escritor escrevesse para mim". E eu sei que o Cecim é sempre sincero. Então não, eu não concordo com eles. Não me sinto de forma alguma insatisfeito com a literatura que existe, e o que me leva a escrever não tem nada a ver com o fato de pretender dizer algo que alguém nunca disse, algo de novo e, muito menos, algo de imprescindível. Escrevo para existir - essa é a visceralidade do escritor; o resto é literatura.

- É curioso que fales de visceralidade, do acto da escrita como respiração essencial. Mas durante muito tempo existiu na poesia brasileira um formalismo que negava essa visceralidade da poesia, a sua intensidade. Como te posicionas perante esse paradoxo?

R.R. - Agamben coloca este paradoxo-que é uma situação bastante contemporânea-de forma muito clara em seu O homem sem conteúdo, ao analisar o dilema da arte ocidental depois do Iluminismo, do advento da "estética". Segundo ele, há os retóricos, que fazem da forma a única lei da literatura, e os terroristas, que se recusam a obedecer esta lei, procurando, ao contrário, uma linguagem que consuma todo signo, produzindo obras de arte que estão no mundo como coisas estão no mundo. É claro que o terrorista logo caí em seu próprio paradoxo: quando mais ele procura eliminar a forma, mais precisa concentrar-se nela, para que se torne permeável ao conteúdo inexprimível que quer expressar, que quer trazer para a linguagem, ou seja, para a consciência. Evidentemente, nestes termos, eu sou um terrorista. Mas não desprezo de forma alguma os retóricos. O problema no Brasil, onde, na verdade, o formalismo continua sendo a força dominante na poesia, é a falta de convívio com a pluralidade, no fundo, com o jogo democrático, com a aceitação do outro. O país continua a pensar de forma hierárquica, excludente, e isso ainda é muito presente na academia. Está mudando, mas continua sendo o modus operandis da nossa sociedade, que é apenas falsamente aberta e plural, com uma elite muito mal preparada, insegura (e ao mesmo tempo arrogante) e inculta. Num instigante ensaio sobre o modernismo brasileiro ("O imaginário do desmanche"), Teixeira Coelho nota que no Brasil o moderno reivindica apenas um dos pólos da modernidade, a inovação, desprezando sempre o pólo da tradição, sem o qual uma genuína modernidade não é possível. Ao contrário do que aconteceu em Portugal, por exemplo, toda uma rica literatura simbolista foi recalcada no Brasil. As orientações formalistas (construtivistas e concretistas) que ganharam força no país a partir da década de 1950 se percebem, especialmente no caso da literatura, mais provinciana talvez porque restrita pelo idioma, como vanguardas. Ora, como Antônio Cícero já provou, de forma cabal, em vários ensaios (ver, por exemplo, "Poesia e filosofia") as vanguardas já morreram, porque lograram seu objetivo, desmontando tudo aquilo que limitava a extensão do campo da poesia, e, se continuam a existir, é apenas como experimentalismo, o que é, sem dúvida, importante e louvável. Esse experimentalismo contemporâneo, essa inovação, não é vanguarda porque já não abre caminho algum, são apenas experimentos possíveis, que caminham juntos com todas as outras maneiras de se fazer poesia. Sou um admirador do trabalho dos poetas concretistas e creio que eles contribuíram de forma cabal para a literatura brasileira, tanto na área de criação quanto nas de teoria e tradução. No entanto, a insistência em colocarem-se (e serem colocados) como 'vanguarda' e, portanto, de algum modo superiores, que os epígonos da corrente concretista-e eles são muitos-herdaram dos irmãos Campos é algo patético e extremamente provinciano. Essa tendência formalista, que gera inúmeros poetas, alguns de inquestionável qualidade, mas que escrevem todos de uma forma muito parecida e freqüentemente desnecessariamente hermética, ao meu ver continua a predominar na poesia brasileira como "a" maneira contemporânea de se escrever poesia. Tal mentalidade e incapacidade de se abrir para a pluralidade de vozes que, isso sim, caracteriza o pós-modernismo e a experiência do contemporâneo, me parece de grande pobreza. Tal situação excludente, no entanto, não deve durar muito. A poesia contemporânea brasileira, num todo, é de grande vigor, e essa riqueza múltipla aos poucos vem à tona e encontra sua ressonância.

- Dizes num poema de Ímpar: " A linguagem é tudo/para o homem, não há mundo/fora dela, a linguagem". É desse abismo que falas, o da linguagem?

R.R. - Se o homem é constituído pela linguagem, se ele só existe dentro da linguagem, e a linguagem tem seus contornos, seus limites, então, o além destes limites é o abismo. Em sua Aula, Roland Barthes faz duas afirmações fundamentais sobre a linguagem: " a língua, como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária nem progressista; ela é simplesmente: fascista", e, logo depois, "não pode então haver liberdade senão fora da linguagem". A língua é fascista porque nela está inserido, inevitável e intrinsecamente, o Poder: todas as forças culturais, psicológicas, políticas e sociais que forjam cada ser humano enquanto pessoa: integrante de uma sociedade humana, ou seja, usuário de uma moeda de troca e ferramenta sine qua non: a língua; pois não há humano, não há humanidade possível, sem linguagem. Desta forma, Lacan pode afirmar: "Infelizmente, a linguagem humana é sem exterior: é um lugar fechado". Se a linguagem é um lugar fechado, mesmo que não tenha exterior, tem um limite, um perímetro, um ponto a partir do qual ela deixa de ser linguagem, e passa a ser uma outra coisa, ou uma não-coisa, passa a não existir: um ponto a partir do qual entramos, por assim dizer, em território não-humano: deixamos de ser (saímos). Esse abismo me fascina e eu me acostumei a viver à sua borda. Sim, é deste abismo que eu falo.

- Parece-me bem que as tuas viagens influenciaram muito a sua escrita. Mas de que modo definirias essa influência?

R.R. - Viajei muito durante a minha juventude, e essas viagens foram motivadas não por um motivo turístico burguês, que não passa de uma bobagem, mas por uma necessidade interna de transformação e autoconhecimento. Neste sentido, viajar para mim ganhou um sentido mais profundo, evocando os mitos de herói, os contos de fada, as aventuras através das quais o mendigo, metaforicamente, se descobre o rei, o príncipe conquista sua princesa, etc. Hoje em dia eu viajo muito menos, e pelo prazer turístico mesmo, essas urgências já passaram, mas durante minha juventude viajar foi empreender um caminho de realização interior. Foi assim que larguei meus estudos aos 20 anos e sai sem rumo pelo mundo, só retornando de fato ao Brasil doze anos depois. Da mesma forma, a escrita para mim faz parte desse processo, e cada vez mais, uma vez que a viagem hoje está completamente interiorizada. Mas a minha escrita quase nunca está interessada no que se passa do lado de fora, ou seja, não é uma escrita que descreve as paisagens, os tipos, a cultura do local, etc, ao menos não antes desses elementos serem filtrados, e muito filtrados, por mim, se tornarem totalmente eu. Acho muito curioso, por exemplo, que de toda uma longa viagem que fiz para a Índia recentemente, uma viagem importante para mim (na qual, aliás, mantive um meticuloso diário), apenas este poema, totalmente "negativo" tenha sido escrito, e inserido no Ímpar: "São bem piores do que as de Minas, essas latrinas de Uttar Pradesh. A câmera digital estava presa no cinto, me esqueci, e quando me abaixei ela deslizou para dentro da privada, inacreditavelmente suja, deixando apenas uma pontinha de alça para fora. Precisei pensar se puxava ou não. As fotos de toda a viagem, a minha câmera... Puxei... A mão toda suja, a máquina toda suja; a luz vazando por todos os lados!"

- Insisto nesta ideia: a de que escrever é um acto de auto-conhecimento, tal como as viagens físicas se inscrevem no nosso olhar e na nossa alma desse modo. Toda a metáfora da errância ganha o seu fulgor nesse paralelismo entre ambas: escrita e viagem. Concordas?

R.R. - Sim, concordo. Concordo plenamente.

- E há também o lado do encantamento, da suspensão do olhar sobre a realidade para mergulhar no detalhe, nas coisas que apelam à nossa atenção. A tua poesia é de errância, de fragmento?

R.R. - Comigo acontece uma coisa curiosa, em cada livro eu pareço ser um poeta totalmente diferente do anterior. É claro que há um fio condutor profundo, é evidente que há apenas uma obra, e uma obra bastante orgânica, se formando. Mas essa unidade não é muito visível na superfície, na pele do poema, e muitos não conseguem percebê-la de imediato. De livro a livro eu perco alguns leitores, que não conseguem acompanhar a viagem, ou deixo outros um pouco intrigados com minhas supostas mudanças de trajetória. Não me sinto particularmente orgulhoso desta característica, mas ela é genuína, faz parte de um processo singular. E, na verdade, eu caminho é em linha reta, retíssima, pois não sou de digressões: para frente e para cima. No prefácio de Passeio (2001), Alexei Bueno começa dizendo que em Aura (1997) "Renato Rezende se revelava um indiscutível mestre do poema curto" e termina notando que o poeta "parece atingir, neste Passeio, e sem nenhum choque com a sua maneira anterior, uma alteração de registro. Em poemas mais longos, mais diretamente entroncados na realidade física e social que nos cerca, o poeta constrói uma espécie de diário, de onde o elemento diretamente biográfico, confessional, não está ausente, antes serve de base para o exercício da mesma visão em profundidade que reconhecemos nos livros anteriores". A mesma 'alteração de registro', como coloca Alexei, foi mencionada por críticos que escreveram tanto sobre Passeio quanto sobre Ímpar (2005). Astier Basílio, por exemplo, escreveu no Jornal da Paraíba: "O poeta carioca Renato Rezende no seu quarto livro de poemas, Ímpar, deu uma guinada de 180 graus em relação ao que o seu estilo se afigurava em trabalhos anteriores. A poesia simples, fluida, reflexiva, que brotava do chão como água límpida, segundo observação de Ferreira Gullar, foi sacudida em forma, fundo e conteúdo, como se o livro marcasse o surgimento de um novo poeta, de um outro autor". Sinto que o mesmo acontecerá quando Noiva, o livro no qual estou trabalhando agora, for publicado. Tudo isso para dizer que se há uma visão que permanece uma constante na minha poesia é uma 'visão de dentro', e esse 'olhar' pode se fazer valer de diversos outros olhares (por trás dos quais ele sempre está) para lograr se manifestar, para se insinuar na superfície, para se tornar, ele próprio, visível e para fazer ver o invisível. Não sei se estou sendo claro, mas a poesia (a boa poesia) é justamente a iluminação de uma coisa muito difícil de ser explicada. Deste modo, em Aura, de fato, houve ou pareceu haver um interesse pelo detalhe, pela errância e pelo fragmento. Em Passeio, uma ênfase maior no discurso e no cinético, o eu aleatório se confundindo com o 'eu' universal. Em Ímpar, ao contrário, o que interessa é a cegueira. Considero Ímpar um livro totalmente anti-literário. Na verdade, não estou interessado em metáforas, em literatura, em sofisticação. Até hoje tenho estado interessado em desnudamento, em desmistificação, em experiência - experiência transformadora. Escrever para mim é um processo alquímico.

- Ao longo da tua vida, como achas que se definiram as várias influências na tua poesia?

R.R. - Quanto às minhas influências, acho que elas são variadas. Meus primeiros escritos tinham muito de Oswald de Andrade, não o dos poemas-piada, mas de Serafim Ponte Grande e Memórias Sentimentais de João Miramar, que considero obras fundamentais. E Passagem, meu primeiro livro de poemas, pelo menos em parte, foi concebido sob a luz de João Cabral de Melo Neto e algo dos poetas concretistas paulistas, muito fortes em São Paulo. João Cabral influenciou toda uma geração de poetas brasileiros, mas a minha tendência subjetiva logo me distanciou dos tratamentos formais cabralinos. Sinto-me mais próximo de um Ferreira Gullar, por exemplo. Em termos de uma linhagem literária espiritual, no entanto, vamos dizer assim, sinto-me filho de Borges e Clarice Lispector. Borges é a máscara da linguagem, Clarice a busca do impronunciável, do que não pode ser dito. Também sou muito influenciado pela poesia de língua inglesa, que conheço razoavelmente bem. E, mais recentemente, por alguns poetas sufistas, como Rumi, Attar e Hafiz, filosofia e escrituras.

 

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