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2 de setembro de 2007

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Cultura

Eduardo Prado Coelho


Helena Vasconcelos
Storm / La Insignia. Portugal, agosto de 2007.

 

Eduardo Prado Coelho

Foi a personagem da cultura portuguesa mais versátil, surpreendente, complexa e completa das últimas três décadas. Trabalhou sem descanso e fez constantes intervenções na vida pública, na "res publica" portuguesa. Escreveu livros. Lançou escritores: Inês Pedrosa, Mafalda Ivo Cruz, José Luís Peixoto, entre outros, muito lhe devem. A sua voracidade pelo conhecimento era memorável: literatura, música, cinema, teatro, artes plásticas, ciência, política, ciências sociais... nada lhe escapava.

Foi um bom amigo. Daqueles, poucos, que não mudavam. Com quem se podia falar ao telefone durante horas. Que sabia rir do absurdo da vida. E que adorava viver esse absurdo, para ele excitante, cheio de surpresas. Infindavelmente. O Eduardo apaixonava - se: primeiro, pelas mulheres que, para ele, eram todas belas, fascinantes. Havia algo no sexo feminino que lhe interessava descobrir a cada instante. Era um segredo a desvendar, algo que ele fazia com gosto e… ironia que bastasse. Ele gostava de mulheres fatais, das que o torturavam - mas não muito porque ele era tudo menos masoquista e demasiado inteligente para se enredar em tais jogos - e ria-se de mim porque me achava demasiado terra-a-terra. (Eu era uma espécie de amiga "masculina", a quem ele podia contar tudo e que lhe dizia para ele não ser parvo quando as mulheres não o largavam! Ele ria-se, claro!). Agora estava tranquilo e feliz com a Maria Manuel que cuidava dele com desvelo.

O Eduardo era vaidoso, cuidava da sua aparência com extremos de requinte. A barba sempre bem tratada, macia. Gostava de gravatas, tinha uma colecção fantástica. E usava cor-de-rosa com brio insuperável.

Era o homem menos misógino que conheci. (Faz-me lembrar François Truffault e o seu "L'homme qui amait les femmes"). Ele apreciava sobremaneira o doce "gossip", esse zunzum social que partilhávamos há quase quarenta anos. Conhecíamos as mesmas pessoas, tínhamos amigos comuns de décadas e décadas. E eu ficava encantada com as coisas que ele me contava e sobre as quais eu não fazia a mínima ideia. Nunca era maldoso ou corrosivo, antes parecia uma criança deliciada com as surpresas que a condição humana lhe (e nos) reservava. Na realidade, ele levava as pessoas a sério, no sentido em que não desprezava ninguém - tinha os mais surpreendentes amigos e amigas, de motoristas de táxi a empregadas de café - com todos e todas conversava e de quem, muitas vezes, ouvia as queixas, com a paciência de um monge budista.

O Eduardo tinha outra característica muito pouco portuguesa, ou, para refazer o conceito, muito pouco habitual entre os intelectuais: ele foi a pessoa menos invejosa e mesquinha que conheci. Quando o atacavam, encolhia os ombros; quando o elogiavam e amavam, aceitava essa admiração e amor sem falsos pudores, sem falsas modéstias. E escrevia, conversava, discorria, ria - se. Gostava das refeições com muita conversa, com os amigos e amigas a falar de arte, de literatura, de fotografia, de moda, de sinais, de marcas. Gostava de pensar e de contar o que pensava.

O Eduardo tinha o que os ingleses chamam o "zest for life", uma curiosidade sem limites, um olhar enternecido, crítico ou cúmplice em relação a tudo o que o rodeava. Lembro - me de várias viagens através de Lisboa durante as quais ele comentava os cartazes de publicidade, o modo de andar das pessoas, o movimento, os cheiros, as cores. Recordo as inaugurações nas Galerias, os jantares, as ocasiões sociais e culturais onde sempre havia um cantinho para nos rirmos um bocado. Lembro-me de um passeio a pé desde o Bairro Alto até à Fnac do Chiado em que ele, que era surpreendentemente ágil, e eu, a correr atrás dele, nos embrenhámos numa discussão sobre Literatura norte - americana: ele defendia as Letras francesas, eu não concordava, ele dizia-me que eu era demasiado partidária das Letras anglo-saxónicas, mesmo assim ele gostava do Don DeLillo e de Paul Auster e eu não. Era muito bom discutir com o Eduardo. Eu aprendia , aprendia…

Foi sempre de uma enorme disponibilidade e generosidade. Quando lhe pedi alguma coisa, esteve sempre pronto, chegando a mudar a sua bem recheada agenda para nos encontrarmos. Hoje, dia em que ele foi a enterrar, vi políticos e pretensa gente da Cultura, que antigamente - há três dias - faziam de conta que não lhe ligavam qualquer importância, que o criticavam pelo o que diziam ser "ligeiro" no seu formidável intelecto, a tecerem - lhe laudas hiperbólicas em frente a câmaras de televisão. Pois é: a mediocridade alimenta - se disto. E o Eduardo dizia o que pensava, exactamente o que pensava. Um exercício pouco saudável em Portugal, neste momento.

Tu, meu querido Eduardo, lá no "assento etéreo onde subiste", deves estar a rir - te deles. Do seu oportunismo, vaidade e falta de vergonha. Deixa - os lá, dirás tu…não têm mais nada!" Tu, sim, tinhas tudo. Eu, e muitas outras pessoas que te amámos como amigo - exactamente como foste, com os teus deliciosos defeitos e as tuas magníficas qualidades - não te esquecemos. Perder um amigo é muito doloroso. Teres perdido a vida tão cedo - tu, que ainda tinhas tanto que fazer - é vergonhoso.


Nota: Eduardo Prado Coelho foi o apresentador da Storm Magazine quando a revista foi lançada a 7 de junho de 2001

 

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