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27 de outubro de 2007

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Cultura

O galinho de ouro


Luís Nassif
La Insignia. Brasil, outubro de 2007.

 

Confesso que a primeira vez que vi Éder Jofre, lá em Poços de Caldas, fiquei um tanto decepcionado. Ele foi comprar doces na "Doce Mesquita, Coma e Repita", do meu tio Leonardo. Eu estava na "Farmácia Central, Salva Sempre" do meu pai Oscar. Minha tinha Rosita, sabendo que eu era fã de Éder, foi correndo me chamar. Cheguei lá e vi um gigante quase da minha altura, que a cada três palavras soltava um "orra" do Brás. E, aos 12 anos, acho que nem 1,60 eu tinha. Aí me explicaram que peso galo era aquilo mesmo.

Acho que é vezo de menino metido a músico e intelectual (insuportável) apreciar a força bruta. Eu acompanhava tudo o que dissesse respeito a lutas marciais. Acreditava piamente na Luta Livre que a Gazeta Esportiva cobria semanalmente. Era fã do invicto português José Luiz, que vencia todas as lutas com sua cabeçada mortífera. Ou do invencível Fantomas, que andava feito um fantasma pelo ringue. Ou de um japonês imbatível, o Rikidozan, que era apontado como campeão mundial. Para que tantos invencíveis pudessem conviver em um mesmo campeonato, acho que todas as lutas terminavam empatadas.

Vibrei quando o gigante italiano Primo Carnera -o homem que quase foi destroçado por Joe Louis ou Max Baer, numa disputa pelo título mundial de boxe dos pesos pesados- passou uma temporada lutando no Brasil. E gostava muito de um outro português, também invencível, acho que de apelido Marta Rocha, metido a dar tesouras voadoras. Tudo isso sem televisão, apenas lendo a Gazeta e, eventualmente, do Cruzeiro, e usando a imaginação.

Mas quando Eder Jofre surgiu, todo o restante se apagou. Era o nosso único lutador internacional. A televisão começava a se espalhar pelo interior, e a gente ia assistir as lutas de Eder na casa do seu Dolla, um gerente do Banco do Brasil muito amigo do meu pai. Cada luta era uma epopéia, em parte pelo carnaval feito pela imprensa, em parte pelo próprio Eder.

Eder era Jofre e era Zumbano, famílias de lutadores célebres. Sem nenhum demérito para ELES, Valdemar Zumbano, o cego que boxeava, ou da maravilha Ralph Zumbano, que disputou uma Olimpíada e depois foi trabalhar no DOPS, ou do lenhador Tonico Zumbano, que também era bom chaveiro ali perto da Sete de Abril, ou mesmo do Kid Jofre, o pai, o primeiro Zumbano que fez fama em Poços era ELA: Olga Zumbano, que corria o país num circo, desafiando os valentões locais para uma luta livre. Lá em Poços, ela pegou o Hélio Zoiudo, que trabalhava no Crédito Real, e namorava uma tia minha, e deu-lhe uma sova que ecoa até hoje pelas esquinas da cidade.

A carreira de Eder foi acompanhada, passo a passo, por todo o país. Primeiro, o campeonato brasileiro. Nem me lembro quem foi o coitado que ousou enfrentá-lo na decisão. Depois, o sul americano, quando pegou o Ernesto Miranda, um argentino que era uma verdadeira lebre. Já contei a luta aqui, em outra ocasião, e a malícia utilizada por Eder para nocauteá-lo.

Finalmente, começou a carreira internacional, e aí era o mundo se curvando ante a técnica de Eder. Com esses meus olhos cansados, já vi velhos filmes de Sugar Ray Robinson e Joe Louis, acompanhei Muhamad Ali, não perdi uma luta de Carlos Monzon, admirei José Mantequila Napóles e o colombiano Rodrigo Valdez, maravilhei-me com Alexis Arguello e Roberto Duran. Mas, sem ufanismo, estou para ver boxe mais bonito que o de Eder.

O nosso Galinho de Ouro -como era chamado pela imprensa-- não era chegado em firulas. Postava-se solidamente no ringue, com os dois pés bem plantados. Não era uma máquina de bater, como esse Oscar de La Hoya, nem um mestre das esquivas, como esse bagre ensaboado maravilhoso e injustiçado Pernell Whitaker. Só soltava golpes precisos, econômicos, fulminantes, e se esquivava na medida certa, sem grandes lances de bailado.

Se o adversário protegia o rosto, Eder ia se aproximando como quem cerca frango, e disparava um hook de esquerda no fígado (aquele golpe que se dispara de cima para baixo, ao qual se segue invariavelmente um gemido seco do adversário). Mas valia-se dos jabs (os diretinhos no rosto do adversário, em geral preparando golpes maiores), os diretos (o movimento em que o punho sai da altura do pescoço e chega em linha reta ao queixo do adversário) e os ganchos (o murro circular, em direção ao rosto do adversário) com a mesma desenvoltura.

Um a um Eder foi derrubando seus adversários. Enfrentou Joe Medel e Eloi Sanches, dois bravos campeões mexicanos, em lutas heróicas. Em uma delas, quase foi nocauteado, antes de reagir e derrubar o adversário -tudo isso em solo estrangeiro. Depois, enfrentou um irlandês de "olhos gelados" -como comentava a crônica esportiva da época-, batendo tanto que acho que até hoje o coitado não se refez.

A primeira luta em que perdeu não só a invencibilidade, como o título, foi para o japonês Harada. Foi uma derrota injusta. Mas na revanche, o desgraçado do japonês parecia um bichinho eletrônico movido a bateria. Não deu um instante de sossego e ganhou a luta com méritos.

Depois disso, seguiu-se uma temporada em que nosso Galinho arrefeceu. Sua última demonstração de glória foi na volta ao boxe, na penúltima luta antes de ganhar seu segundo título mundial. Acho que foi contra o mexicano Vicente Saldivas. Eder usou sua tática de cercar o frango e meteu um direto na boca do estômago do coitado do Saldivas, que nem gemido soltou, por absoluta falta de ar.

Mas a carreira de Eder já havia terminado quando morreu Kid Jofre, seu pai. Aquele senhor de gestos secos, um feixe de músculos e ossos, que passara pela Argentina antes de chegar ao Brasil, e que não conseguiu fazer sua carreira solo, era a verdadeira alma do nosso campeão. Quando ele gritava "vai lá, bacalhau", e o Galinho partia para a briga, era um "orra meu" que ecoava em todo território nacional.

 

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