6 de novembro de 2007
Se a realidade, que envolve e toca, pudesse ser sentida exatamente como ela é, a natureza humana tomaria outras dimensões. O que se vê, tateia e escuta é aquilo que parece ser, de acordo com as capacidades e as limitações sensórias possuídas. Por isso, as visões que temos dependem do que se é. Em suma, isto está em função das características e capacidades desenvolvidas ao longo de uma história social e pessoal de vida, e de acordo com nossas potencialidades congênitas. Estes sentidos dependem muito do momento histórico vivido, das forças que se entrechocam no espaço e no tempo, e da vontade que se tem de compreender ou de não-compreender o que está em volta. Esta vontade não é natural, sendo também construída pelas mesmas forças.
Pode-se lembrar, em um exemplo, que as imagens e técnicas de exames das ciências médicas dizem muito aos profissionais da saúde e, nem tanto, aos leigos. É verdade que podem ser explicadas, traduzidas e compreendidas por quem não é do ramo. Todavia, podem, também, ser ignoradas ou pouco entendidas por quem não tem o conhecimento prévio necessário. A existência dos mesmos sentidos não quer dizer que vejamos o mundo exatamente da mesma forma. Em outro exemplo, existem inúmeras maneiras de ver televisão, ler os jornais, acessar a Internet, escutar o rádio etc. Conversa-se dentro de códigos e sinais diversos, tal é a multiplicidade das possibilidades atuais da comunicação humana, feita de modo direto ou intermediada por objetos e máquinas.
Existe uma visão média do que envolve a todos, uma opinião comum compartilhada e validada por quem está próximo socialmente ou midiaticamente. Esta opinião, não raro, confronta-se com outras opiniões, igualmente comuns, provenientes de outros espaços de validação. Difere, igualmente, das especializadas. Estas se relacionam com conhecimentos mais abrangentes, que são convalidados ou não pelos que estudam sistematicamente determinado problema. São também chamadas de opiniões científicas, sempre lembrando que não existe a verdadeira possibilidade de uma ciência exata e de que as ciências não são sinônimas de verdades ou de acertos inquestionáveis.
É possível que os códigos e os sinais usados na comunicação humana sejam facilmente trocados, mesmo invertidos. Isto pode ocorrer não intencionalmente, por equívoco, completa ignorância ou loucura. Nestes casos, a troca traz a possibilidade de reversão, por meio do diálogo, tal como os bons professores e outros profissionais tentam fazer. A discussão é o caminho para o entendimento humano nos seus dois sentidos: o da intercompreensão e o da percepção mais acurada do entorno.
A massificação midiática da informação e da argumentação, e mesmo da expressão emocional e do gosto ampliaram, como nunca, a inversão. Nela, a parede é vermelha, mas repete-se à exaustão que é branca. Em um primeiro momento, gera-se a confusão mental, na continuidade, vê-se o vermelho como branco e vice-versa. A publicidade usa e abusa deste tipo de inversão, de códigos e sinais trocados, sucessivamente repetidos. Nesta situação, a intenção é clara, provém de um sujeito manipulatório que sabe exatamente o que está fazendo. Um dos problemas de nossa época é que as técnicas publicitárias invadiram domínios insuspeitos. Não são mais de uso restrito, destinadas à venda de mercadorias.
Como se pode ver nas mídias, quase tudo está à venda, por isso um cartão de crédito custa a achar o que não pode ser comprado ou facilitado por seu intermédio, em um claro jogo manipulatório. O pudor do passado desapareceu. O segredo do sucesso é a exposição de corpos jovens, com poucas idéias (quase todos dizem a mesma coisa) e bastante integrados à ordem social dominante. Na busca do sucesso a qualquer preço, vale qualquer coisa para ser famoso, alcançando o mundo das personas midiáticas, do consumo de luxo e escandaloso. Ganhar um bom prêmio de saída pode ser a porta deste novo paraíso terrestre. Ninguém mais será punido por seus excessos. Vivê-los é imitar os famosos, aqueles que têm a verdadeira vida destinada aos homens e as mulheres de boa vontade.
Para tudo isto, é fundamental a operação de inversão dos códigos e dos sinais. Torna-se crucial aprender a língua desta nova ordem simbólica. Esta faz parte de uma também nova ordem material, ancorada em uma nova urbe flamejante da fama, da riqueza e das luzes das grandes mídias. Desfocam-se os problemas, mirando-se em um novo Éden que está aqui e agora. Basta ter um pouco de sorte, fazer a coisa certa e esperar que desta vez será a sua vez, mesmo que tenham outros milhares querendo ou sonhando com as mesmas coisas. Poderia ser diferente? Não, considerando-se o poder das forças em entrechoque no atual contexto. Sim, pensando-se que a história está sempre se movendo e o que existe hoje será, em breve, parte de um passado que talvez se queira esquecer.