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20 de março de 2007 |
Luís Carlos Lopes
Manipular significa tratar o outro como um boneco de ventríloquo. Negar a alteridade e fazer com que o outro seja apenas uma caixa de ressonância dos desejos e vontades do manipulador. Há quem duvide que isto seja possível de ser feito e imagine um mundo idílico de homens e mulheres absolutamente livres, donos de seus destinos e capazes de compreender o que os envolve. Os manipuladores adoram que se imagine que as coisas do mundo funcionam deste modo. Nada mais conveniente, para quem adota o papel de controlar os menos preparados ou menos capazes de compreender.
A manipulação não é genética e não precisa ser necessariamente parte da manifestação de uma doença mental. Não raro, os manipuladores são um pouco loucos, não daqueles que sofrem tratamentos e padecem nos ambulatórios e hospitais psiquiátricos. Ao contrário, para o manipulador, loucos são os que não aceitam serem manipulados. Eles se imaginam donos da normalidade e fiadores do que ela possa ser considerada. O conto O Alienista de Machado de Assis é um bom exemplo literário de onde a manipulação pode levar. A manipulação é uma arte, sempre aprendida de outros manipuladores. Hoje, existem escolas que ensinam esta arte. Estes cursos usam títulos mais nobres e aparentemente desconectados desta velha obsessão. Ninguém gostaria de ser qualificado como manipulador. O objetivo maior da mesma arte é o de conseguir que seus objetos, isto é, os outros, sejam dóceis e não reajam a qualquer expediente usado para convencê-los da 'verdade'. Quem tem o hábito de instrumentalizar os outros imagina o mundo dividido entre escravos, inimigos e mestres. Os escravos seriam os que aceitam passivamente a dominação. Os que reagem e se libertam são os inimigos. Os mestres são os parceiros da ordem hierárquica de controle. Os manipuladores simplificam a ordem social e tiram proveito desta absurda construção simbólica. Seus esquemas de poder funcionam porque se autoafirmam como verdades inquestionáveis. Se conseguem aderentes, tudo está resolvido, pelo menos, até que algo ocorra, desestabilizando as estruturas de poder. Isto, felizmente, ocorre freqüentemente. Eles temem afundar no pântano, por isto costumam dizer, por exemplo, "que o preço da liberdade é a eterna vigilância". Guardam o segredo do possível naufrágio a sete chaves. Tentam evitar que seus comandados conheçam suas fraquezas e a possibilidade de serem destruídos. O ambiente onde os manipuladores agem é de natureza social, por isto, quando eles surgem no cenário, não vieram do nada. Representam o poder existente, nas suas múltiplas facetas. Esta velha arte foi criada como estratégia de controle, pensada como meio de impedir o acesso ao conhecimento ou de fazer que os que estiverem em posição subalterna aceitem a dominação sem reclamar. Neste sentido, quem manipula também é manipulado. A velha retórica desenvolveu-se, há pelo menos dois mil e quinhentos anos, como arte da manipulação e também como forma de esclarecimento. Portanto, o combate à manipulação só alcança seus objetivos se seus objetos conseguem se contrapor argumentativamente. Ela não consegue ser vencida e erradicada, usando-se apenas a violência física ou verbal. Só é derrotada profundamente com o estabelecimento de um conhecimento desarmado, capaz de convencer sem impor ou manipular. Os quatro principais espaços da manipulação nos tempos que correm são os da política, da publicidade, da propaganda política e das relações afetivas. Certamente, não será difícil apontar outros, mas se considera que, no nosso tempo, estes reinam soberanos, estando profundamente interligados. No campo da política, a manipulação faz parte do arsenal bélico dos seus usuários, tal como afirma Philippe Breton. É possível mencionar inúmeros exemplos, onde eleitores e simples cidadãos foram fortemente manipulados para que concordassem com alguma decisão mais grave. No mundo do espetáculo midiático, a política se transformou numa espécie de jogo público, televisionado, onde o que realmente se sabe, se pensa ou vai se fazer não é dito ou é, apenas, mencionado de modo cifrado, incompreensível pelo grande público. Através deste jogo consegue-se que as pessoas comuns aprovem coisas que depois podem gerar arrependimentos. 'O que está feito, está feito', é uma frase dita com muito gosto por manipuladores profissionais. Em momentos onde se estabelecem crises de qualquer natureza e dificuldades de rumo, os manipuladores entram em cena com seu arsenal, tudo está pronto para mais facilmente convencer, sem ter que provar nada. Um clima emocional exaltado é um cenário ideal para que estas pessoas atuem. A publicidade e a propaganda, que são alguns dos maiores investimentos privados e públicos da atual fase da modernidade, revelaram-se como campos férteis para a manipulação. Através delas, vendem-se produtos, idéias e comportamentos. Compram-se consciências e se estabelecem 'verdades' irrecorríveis. Existem inúmeras técnicas para operar tais procedimentos. Destas, como destaca o mesmo autor francês, o amálgama exerce um papel fundamental. Amalgamar, neste sentido, é misturar uma bela mulher com o anúncio de um automóvel ou associar a cor de uma bebida a um tipo feminino reputado como belo. Fazer um político desonesto parecer a pessoa mais pudica do planeta. Construir imagens a partir da emoção de seus consumidores, buscando a empatia e fugindo dos programas e idéias a serem desenvolvidas. Em suma, provocar a catarse, isto é, a paralisia do pensamento. Obviamente, pode-se imaginar a publicidade e a propaganda como algo que não esteja no campo da manipulação. Não se acredita que as funções informativas e argumentativas de ambas tenham que ser necessariamente desta ordem. É verdade que no mundo em que vivemos são poucos os exemplos. Mas eles existem. Nem toda a publicidade e a propaganda podem ser categorizadas como exercícios de manipulação. Aliás, os manipuladores amam as fórmulas que incluem tudo em um mesmo saco. Nas relações afetivas atuais, bastante perturbadas pelos problemas de nosso tempo, a manipulação é visível, por exemplo, em um sobrevôo rápido do noticiário policial ou na simples leitura de processos judiciais. Estes são uma fonte rica, para que se compreendam como estão sendo as relações entre as pessoas. É bastante comum se encontrar notícias que, se depuradas dos seus inerentes exageros, conduzem a descrição de relações onde a manipulação foi a razão de crimes e de outros comportamentos violentos. Nas questões que chegam à justiça, a manipulação se torna complexa pela gama de interesses envolvidos. As relações afetivas são igualmente perturbadas pela pressão do consumo e pelo mal-estar que a manipulação da grande e da pequena política gera na vida das pessoas. A possibilidade de ser feliz depende também de fatores externos ao processo de desenvolvimento do entendimento entre amantes, pais e filhos, amigos, colegas de trabalho etc. Um quadro geral de mimetização dos hábitos da manipulação vem penetrando no tecido social e causando velhos e novos danos. Não há como existir entendimento, se um não escuta o outro, se a emoção controla e impede qualquer possibilidade de racionalidade, se os problemas não são objetivados e se as pessoas são obrigadas a aceitar o que não desejam. O consumo de emissões ficcionais, amplamente difundidas pelos meios de comunicação disponíveis, reforça e legitima os princípios da manipulação. Isto atrapalha ainda mais a busca da felicidade, que se imagina como objetivo comum de todos. Considera-se que o caráter ficcional é a essência da programação dos veículos que atingem a maior parte da população, principalmente, nos países mais pobres. Isto se aplica até mesmo aos programas, tais como os telejornais, que se dizem realistas e racionais. Somente o esclarecimento pode vencer a manipulação. O importante é conseguir mecanismos potentes que levem a discussão do problema para muitos. Só assim podem-se infringir derrotas aos manipuladores e desmontar os seus esquemas de reprodução. Silenciar significa fazer o jogo de quem se alimenta da omissão e da ignorância. |
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