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3 junho de 2007 |
Marinês Eiterer e Felipe A. P. L. Costa (*)
Entra ano, sai ano e as mesmas manchetes ressurgem na imprensa: "Moradores reclamam de mal cheiro do córrego que corta o bairro", "Moradores pedem capina de mato que atrai cobras e ratos", "Moradores reivindicam canalização de córrego" e assim por diante. As frases podem até variar, mas expressões como "mal cheiro", "ratos e cobras" e "mato" são recorrentes. Não há porque duvidar que essas coisas de fato atormentam a vida dos moradores. Isso não quer dizer, no entanto, que as providências solicitadas - "cortar o mato" ou "canalizar o córrego" - sejam soluções efetivas. Talvez fosse o caso de perguntar antes: afinal, qual é a origem de todos esses problemas?
Muitas cidades são a versão contemporânea de aglomerados humanos que surgiram e prosperaram às margens de um corpo d'água, na maioria das vezes um rio. Além de atender certas necessidades humanas óbvias (fontes de água, por exemplo), morar nas proximidades de um rio já foi tido como sinal de fartura e prosperidade. Hoje em dia, no entanto, muitas cidades brasileiras têm vergonha de seus rios, preferindo escondê-los. A razão para isso é quase sempre a mesma: transformamos os rios em escoadouros de dejetos, restos e lixo em geral, convertendo-os em esgotos a céu aberto. Foi assim no rio Tietê, em São Paulo, no Capibaribe, em Recife, e no Paraibuna, em Juiz de Fora. De um modo geral, os rios que atravessam grandes cidades brasileiras se caracterizam pelas águas contaminadas e pelo mal cheiro. Como uma tentativa de contornar essa situação, surgiu a Lei das Águas (lei federal no. 9.433, de 9/1/1997). A lei estabelece um prazo para que os municípios brasileiros enfrentem e, quem sabe, comecem a reverter a situação. Em função disso, alguns políticos e planejadores urbanos têm falado na construção de grandes estações de tratamento de esgoto. Infelizmente, porém, construir uma estação dessas custa caro. Mas há alternativas menos custosas - e talvez mais efetivas - que poderiam ser desde já implementadas. Uma alternativa envolveria a captação e tratamento de esgoto na própria unidade domiciliar, procedimento cuja adoção poderia ser estimulada pelas prefeituras, envolvendo, por exemplo, a redução ou até mesmo a suspensão de certos impostos para quem tratasse o seu próprio esgoto. Com isso, poderíamos, quem sabe, entrar em um círculo virtuoso: reduzindo a emissão de esgoto doméstico, favorecemos a restauração da vida aquática o que, por sua vez, pode levar ao embelezamento da paisagem urbana e à recuperação de áreas urbanas hoje desvalorizadas ou em franca decadência. Em um cenário de recuperação como esse, seria possível, entre outras coisas, começar a desfazer antigas canalizações de córregos (o que já ocorre em cidades da Europa, por exemplo), ao invés de pensar em promover novas (e absurdas) canalizações. Um outro problema bastante comum envolve o descarte de lixo em cursos d'água, procedimento que muitas vezes reflete a desinformação ou apenas o estado de espírito de seus agentes. Despejar lixo doméstico a céu aberto equivale a dar um tiro no próprio pé. Se não, vejamos: a parcela orgânica do lixo - restos de alimento, por exemplo - serve de comida para uma ampla variedade de animais urbanos, alguns dos quais dificilmente são bem-vindos na casa de alguém, como é o caso de moscas, baratas e ratos. Esses consumidores primários, por sua vez, servem de alimento para animais de níveis tróficos superiores, como é o caso de escorpiões e serpentes que se alimentam de baratas e ratos, respectivamente [1]. Não custa enfatizar: escorpiões e serpentes não aparecem em terrenos baldios por causa de lixo ou do "mato" que eventualmente prospera, mas sim por causa de outros animais, muito mais numerosos e oportunistas, que chegaram antes ao lugar, atraídos que foram pelas refeições grátis fornecidas por moradores humanos. O pior de tudo é que esse círculo vicioso muitas vezes prospera mesmo em bairros regularmente atendidos pelo serviço de coleta de lixo. Não jogar lixo a céu aberto seria, portanto, uma regra de ouro para quem vive em aglomerados urbanos e não quer continuar cultivando problemas desse tipo. O "mato" - a vegetação miúda que comumente prospera em terresno baldios - pouco ou nada tem a ver com o problema. De resto, cabe lembrar o seguinte: o "mato" que vemos crescer ao longo de córregos e rios urbanos em geral é formado de gramíneas (capins) e algumas outras plantas pioneiras que só prosperam em hábitats abertos, expostos à insolação direta. Como essas áreas são foiçadas ou capinadas todos os anos, as plantas pioneiras - cuja "força" está armazenada na raiz subterrânea - sempre voltam a crescer rapidamente, sem maiores problemas. Nesse sentido, a capina é um outro exemplo de tiro no próprio pé. Vejamos por quê. Podemos continuar ocupando funcionários e desperdiçando recursos com o serviço de capina, a exemplo do que o governo federal e os governos estaduais fazem com certa freqüência ao longo de rodovias federais e estaduais. Há, porém, uma alternativa inteligente e inteiramente gratuita: permitir que a sucessão ecológica prossiga ao longo das margens. Como? É simples: evitando o corte de arbustos ou árvores jovens que estejam crescendo em meio ao capinzal. Ao contrário das gramíneas e outras plantas de crescimento rápido, essas plantas investem uma parcela maior do orçamento na construção e manutenção das partes aéreas e, por isso mesmo, crescem mais devagar. O único inconveniente é que um corte seletivo é mais demorado, pois será preciso prestar atenção no que se corta - não dá para simplesmente passar a foice sem olhar. Ao fim de um ou dois anos, no entanto, a diferença já poderá ser notada. E, nesse caso, termos trocado um círculo vicioso por um outro círculo virtuoso: à medida que arbustos e árvores prosperam (quer seja às margens de rios, córregos ou rodovias), a vegetação pioneira perde "força". Como gramíneas e outras plantas pioneiras são intolerantes ao sombreamento, à medida que a vegetação arbórea ganha altura, a vegetação miúda do estrato inferior cresce menos ou mesmo desaparece. Após três ou quatro anos de corte seletivo, ao invés de um denso capizal, teremos fileiras de arbustos e árvores em crescimento. A partir de então, precisaremos apenas manejar essa vegetação, mas nunca mais teríamos de gastar tempo e recursos com o serviço de capina.
Nota
(*)Marinês Eiterer é bióloga meiterer@hotmail.com, consultora botânica da AUE Soluções. Versão ligeriamente modificada deste artigo foi publicada na edição de junho de 2007 da Revista Eletrônica AUE Soluções .
(1) Para uma discussão de outros aspectos desse problema, ver artigo "Zoofobia".
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