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La insignia
7 de junho de 2007


Meu amigo Zé Grandão


Luís Nassif
La Insignia. Brasil, junho de 2007.


Em casa sempre fomos enjoados com o uso da palavra "amigo". Dona Tereza passava uma reprimenda quando eu dizia que tinha ido jogar bola com meus "amigos". "Companheiros", explicava ela. "Amigo, só seu pai".

Mas com o Zé Grandão foi um caso de amigo à primeira vista. E dona Tereza nem se importou, aliás, adotou o Zé de imediato, porque ele veio com aquele jeitão desengonçado, dominando como poucos a arte de contar "causos". E habitava uma "república" local que tinha como animal de estimação uma jaguatirica. Quem não vai gostar de um cara desses? O Zé se apaixonou perdidamente por minha família, e por ela foi imediatamente adotado.

Coisa boa, não éramos, admito. Prova é o dia em que fomos à boate Josi, a casa da inolvidável tia Jovita, eu com minha cara de seminarista, óculos e uma capa preta que tinha ganhado de presente da minha mãe. A estratégia consistia no Zé me apresentar como seminarista filho de um rico fazendeiro recém-falecido, que estava em dúvida entre continuar no seminário ou cair na vida. A gente entraria na zona, o Zé falaria para alguma dama da noite me convencer a não voltar para o seminário. Ela viria à minha mesa, beberíamos bastante e, na hora de pagar, apareceria um grandão, da turma do Zé, e se apresentaria como delegado de menores. Aí eu empalideceria, confessaria ser "de menor" --e tinha só 17 anos mesmo--, o "delegado" ameaçaria a todos de prisão e, para se ver livre do enrosco, as tias nos liberariam de pagar a conta.

Plano perfeito, muito bem sucedido. Mas como amigo que é amigo gosta de sacanear, para me desencaminhar o Zé escolheu uma moreninha feia que nem a peste, incapaz de desencaminhar até padre norte-americano. Quando a moça chegou na minha mesa, fiz meu ar mais grave e perguntei: "Você freqüenta missas?". E ela, compungida: "Não". "Então chama aquela loirinha ali, que tem jeito de quem freqüenta".

O Zé marcou época em Poços e em todas as cidades pelas quais passou. Em Poços, nosso programa favorito era ir ao Bachianinha encher a cara e ouvir os "causos" do Zé. Em São Paulo, fazer a mesma coisa no bar do Alemão.

Além de presidente do Grêmio do Pelicano - o curso de química da maçonaria - o Zé criou o jornal "A Retorta", do qual era diretor, redator e repórter principal. Mas era tão bom redator que, logo que vim para São Paulo, indiquei-o para o Talvani Guedes, que estava começando a montar a reportagem da recém-reorganizada revista Exame. O Zé levou um susto. Estava em dúvida entre ser motorista de caminhão ou viajar a América Latina de moto, mas topou virar jornalista. Provisoriamente, esclareceu.

Dali para diante "provisoriamente" sua reputação foi crescendo, porque, com seus mais de um metro e noventa, de tamanho não dava mais. Tornou-se o texto mais saboroso da imprensa, saiu de São Paulo para Campinas, depois para o Rio, Brasília, voltou para São Paulo, deixando em cada lugar legiões de amigos e admiradores.

Ficamos juntos a vida toda. Quando montamos uma espécie de "gueto" mineiro ali na Rua Abílio Soares, onde morávamos, em apartamentos diferentes, eu e minha mulher, meus pais, sogros, irmãs, quem se mudou correndo para lá? O Zé com a Guida.

Ele é um radical terrível, que um dia quase brigou com o Fred Jorge, um senhor simpaticíssimo, indignado com as versões de música norte-americana que ele havia composto... trinta anos antes. "O acanalhamento da música brasileira começou ali", justificou.

Passamos juntos pela ditadura, ingressamos juntos na democracia e começamos a ter divergências nos anos 90. Mas só políticas. Um dia o Zé me fez uma declaração que namorada nenhuma chegou perto: "Turco, acho que gosto tanto de você que até aceito essas suas idéias neoliberais". E eu nem tinha aderido ao rock.

São trinta e cinco anos de amizade. Bebemos juntos, compartilhamos nossa dureza no início da vida paulistana, nossas amizades e implicâncias, procurei o seu ombro quando precisei, e ele quando precisou se valeu do meu.

Essa coluna era para falar do livro "Muita Sorte, Pouco Juízo", que o jornalista José Roberto Alencar, o melhor repórter do país, está lançando, seu segundo livro, e, como o primeiro, uma delícia de texto. Fugi do assunto principal, porque só tem uma coisa melhor que o texto do Alencar: é a amizade do meu amigo Zé Grandão.

O Zé ficou cego, conseguiu voltar a enxergar, graças a uma lente de contato que ele mesmo bolou. Quebrou a espinha e voltou a andar, embora alguns centímetros mais baixo.

Neste momento estou voltando no Hospital 9 de Julho, onde o Zé luta decididamente contra uma infecção perigosa. Pelo histórico, estamos confiantes de que ele irá vencer mais essa.



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