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8 julho de 2007 |
Felipe A. P. L. Costa (*)
A queima de hidrocarbonetos -principalmente combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo, gás natural)- é ainda hoje a mais importante fonte de energia a movimentar os negócios em escala planetária. Esse processo resulta na emissão de subprodutos indesejáveis, notadamente o dióxido de carbono, ou gás carbônico. A emissão de dióxido de carbono de origem antropogênica (resultante das atividades humanas) aumentou muito a partir de meados do século 18, com a Revolução Industrial. De lá para cá, a proliferação de máquinas e motores à explosão transformou a queima de combustíveis fósseis em uma quase-necessidade - e, claro, em um negócio bastante lucrativo.
Estima-se hoje que aproximadamente 7,7 gigatoneladas (uma gigatonelada, Gt, equivale a um bilhão de toneladas) de dióxido de carbono antropogênico sejam lançadas a cada ano na atmosfera. Desse total, 5,7 Gt derivam da queima de combustíveis fósseis; as 2 Gt restantes provêm do desflorestamento, principalmente em países tropicais, como o Brasil. Para onde vai toda essa fumaça? Moléculas de dióxido de carbono atmosférico estão constantemente fluindo para a biosfera, os solos e os oceanos. A biota de terra firme, por exemplo, absorve anualmente cerca de 102 Gt de carbono da atmosfera na forma de CO2, devolvendo 50 Gt via respiração e outras 50 Gt via decomposição. Trocas semelhantes ocorrem entre os oceanos e a atmosfera, com um saldo líquido em favor dos oceanos. Se parássemos por aqui, a contabilidade global estaria mais ou menos equilibrada, pois a absorção líquida de carbono por parte da biosfera e dos oceanos é compensada ao longo do tempo pela entrada na atmosfera do dióxido de carbono oriundo da atividade vulcânica. O problema é que ao longo dos últimos 250 anos a emissão de quantidades crescentes de dióxido de carbono antropogênico passou a desequilibrar os fluxos naturais. Até meados do século 20, no entanto, poucos cientistas levavam a sério a hipótese de que atividades humanas pudessem de fato provocar mudanças na composição química da atmosfera e que estas, por sua vez, seriam capazes de alterar de modo significativo o clima da Terra. Um dos pioneiros na formulação dessa hipótese foi o químico sueco Svante Arrhenius (1859-1927), laureado com o Nobel de Química em 1903. Tomando como ponto de partida as idéias do matemático e físico francês Jean-Baptiste Fourier (1768-1830), para quem a atmosfera terrestre funcionaria de modo semelhante a uma estufa, mantendo o ar em seu interior aquecido, Arrhenius investigou o que poderia ocorrer com o clima do planeta, caso a concentração de gás carbônico aumentasse. Naquela época, os riscos de um eventual aquecimento global de origem antropogênica soavam como algo muito remoto ou mesmo impossível, e as especulações em torno do assunto permaneceram na obscuridade, mesmo entre cientistas. Um sinal de mudança ocorreu em 1938, quando o engenheiro e inventor inglês Guy Stewart Callendar (1898-1964) escreveu um artigo relacionando o aumento observado na concentração de CO2 atmosférico com a correspondente escalada na temperatura média do ar. Para a maioria dos especialistas da época, porém, suas conclusões eram precipitadas ou improcedentes. O fato de o vapor d'água ser um componente da atmosfera muito mais abundante do que o dióxido de carbono também fazia com que muitos cientistas creditassem a este último um papel apenas secundário na determinação do efeito estufa. Essa opinião começou a ruir em 1956, quando o físico canadense Gilbert Plass (1921-2004) publicou os resultados de seus estudos sobre a absorção de radiação por substâncias presentes na atmosfera, como o dióxido de carbono. Foi nesse contexto que, em 1957, Roger Revelle e Hans Suess, ambos do Instituto Scripps de Oceanografia, nos Estados Unidos, publicaram 'Carbon dioxide exchange between the atmosphere and ocean and the question of an increasing atmospheric CO2 during past decades' ('Troca de dióxido de carbono entre a atmosfera e o oceano, e a questão do aumento de CO2 atmosférico em décadas passadas'), que mudou de vez nosso modo de ver a questão. Nesse artigo, veiculado na revista científica Tellus, Revelle e Suess apresentaram pela primeira vez evidências convincentes para descrever e explicar o comportamento em larga escala do dióxido de carbono antropogênico. Em linhas gerais, o que eles fizeram foi revelar como e por que os oceanos - cujo estoque total de carbono (36 mil Gt) é cerca de 50 vezes maior do que o estoque atmosférico (730 Gt) - não seriam um pronto-escoadouro para o excesso de gás carbônico despejado no ar. Um dado novo É fato que os oceanos absorvem dióxido de carbono atmosférico (o que, aliás, está produzindo seus próprios efeitos indesejáveis), e isso já era conhecido naquela época. No entanto, o que Revelle e Suess revelaram de novo foi que essa absorção ocorre em um ritmo bem mais lento do que até então se imaginava. Tal descoberta contrariava a opinião de quem acreditava que o excesso de CO2 antropogênico seria prontamente absorvido pelos oceanos. A explicação proposta por eles para essa lentidão é que há um freio natural (conhecido agora como 'efeito Revelle') que dificulta ou mesmo impede a difusão de moléculas de dióxido de carbono atmosférico na camada superficial dos oceanos. A questão da absorção de CO2 pelos oceanos, vale frisar, costuma ser dividida em duas partes: a difusão do gás nas águas superficiais (processo relativamente rápido, medido em dias ou meses) e a posterior mistura dessas camadas superficiais com o restante da coluna d'água (processo lento, medido em anos ou séculos). A intensidade do fator Revelle varia com as circunstâncias: quando seu valor é alto, a dificuldade de absorção é maior; quando é baixo, a dificuldade é menor. A conclusão dos autores não poderia ser mais preocupante: se os oceanos não estão absorvendo prontamente o excesso de CO2 antropogênico, a emissão continuada - como, aliás, vem ocorrendo desde então - deverá resultar em um gradativo acúmulo desse gás na atmosfera. Sabendo que o dióxido de carbono é um gás-estufa, um aumento em sua concentração deve intensificar o efeito estufa já exercido pela atmosfera, o que implicaria uma elevação da temperatura média da superfície do planeta. A esse último fenômeno damos o nome de aquecimento global. Efeito estufa e aquecimento global são termos relacionados, mas não são sinônimos nem deveriam ser confundidos entre si. Efeito estufa é um fenômeno natural, observado em todos os planetas do sistema solar cuja superfície é coberta por uma camada permanente de gases (atmosfera). A composição química da atmosfera, notadamente a concentração de CO2, tem papel decisivo na intensidade do efeito estufa, sendo, contudo, variável de um planeta para outro. O dióxido de carbono é um gás transparente à luz do Sol, mas é capaz de reter o calor (radiação infravermelha) liberado pela superfície terrestre. Assim, quanto maior o teor de CO2, mais intenso deverá ser o efeito estufa exercido pela atmosfera terrestre, o que significa que a temperatura da superfície do planeta será mais elevada. Como a presença de CO2 acentua o efeito estufa, dizemos que ele é um gás-estufa. A atmosfera de Vênus, por exemplo, é formada essencialmente por dióxido de carbono (96%), o que ajuda a explicar o intenso efeito estufa que resulta em temperaturas de superfície sempre tão elevadas (acima de 350°C). No caso da Terra, ocorre o seguinte: de toda a energia do Sol que atinge o planeta, cerca de 30% são imediatamente refletidos de volta ao espaço, outros 20% são absorvidos por elementos da atmosfera (principalmente moléculas de água) e os 50% restantes alcançam a superfície do planeta (terra firme e oceanos). Desses 50%, uma parte é absorvida e outra é refletida de volta à atmosfera. A maior parte da radiação refletida pela superfície do planeta é absorvida pela atmosfera ou é re-refletida de volta à superfície; apenas uma pequena fração escapa para o espaço. O efeito líquido desse ziguezague da radiação é o aquecimento da atmosfera e da superfície do planeta - daí o nome efeito estufa. O aquecimento global é a intensificação do efeito estufa, e sua origem estaria relacionada com as emissões de gases-estufa promovidas por atividades humanas ao longo dos últimos 250 anos. Ao contrário do que se imaginava 50 anos atrás, sabemos agora que as emissões antropogênicas podem alterar - de fato, já estão alterando - a composição química da atmosfera. Com isso, mudaremos também seu comportamento, como a capacidade de reter ou refletir radiação. Em resumo, podemos dizer que o processo de aquecimento global é resultado de uma intensificação de origem antropogênica de um mecanismo natural chamado efeito estufa. A descoberta de Revelle e Suess teve inúmeras repercussões, notadamente a incorporação do aquecimento global à agenda científica. Além disso, suas conclusões estimularam a criação de novas linhas de pesquisas, como as medições diárias da concentração de dióxido de carbono atmosférico, empreendimento que vem sendo conduzido de modo ininterrupto desde aquela época. Graças a esse monitoramento rigoroso, iniciado pelo químico americano Charles Keeling (1928-2005) - ver 'A curva de Keeling', em Ciência Hoje no 219 -, temos hoje um quadro bastante detalhado do que ocorreu com a concentração de dióxido de carbono atmosférico ao longo dos últimos 50 anos. Projeções e análises comparativas permitiram ainda estimar a concentração desse gás em épocas pregressas. A conclusão geral após todos esses anos de trabalho científico é preocupante. Resta agora saber se os governantes e as agências internacionais terão de fato disposição e capacidade para enfrentar o problema de frente, o que sem dúvida vai exigir a adoção de medidas contrárias aos interesses de empresas poderosas (companhias petrolíferas e a indústria automobilística, por exemplo), que são direta ou indiretamente responsáveis pela emissão de grandes quantidades de dióxido de carbono antropogênico. (*) Biólogo meiterer@hotmail.com, autor dos livros Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003) e A curva de Keeling e outros processos invisíveis que afetam a vida na Terra (2006). Este artigo foi originalmente publicado na edição No. 238 (junho de 2007) da revista Ciência Hoje (http://cienciahoje.uol.com.br) |
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