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La insignia
30 de julho de 2007


A esquerda indispensável


Marco Aurélio Nogueira
Gramsci e o Brasil / La Insignia, julho de 2007.


O clima de insatisfação instalado nas universidades públicas paulistas não poderá ser enfrentado mediante ações e discursos focados em ordem, autoridade e disciplina, especialmente no registro conservador em que estas expressões costumam ser empregadas.

Antes de tudo porque a universidade não é uma instituição que vete, reprima ou afirme autoridades outras que não as sustentadas pelo mérito intelectual, que não são impostas, mas decantadas dialogicamente. Não legitima recursos policiais, nem argumentos de força, nem coações de quem quer que seja. É um espaço plural, de lutas e conflitos que precisam ser compostos e recompostos sem cessar. A ordem que deve nela prevalecer não é a da paz dos cemitérios, mas a da turbulência típica do jogo democrático e das disputas por idéias, que é por si só refratária à bagunça. Seu motor não é o silenciamento do outro, mas o esclarecimento de todos; não é a cristalização de divisões, mas a preparação de ambientes que se articulem e se unam em nível superior. Sem isto, a universidade se converte em um teatro de corporações enrijecidas, arrogantes e arbitrárias, onde transcorre um drama sem alma.

A maioria dos estudantes deseja uma universidade na qual o jovem do século XXI seja reconhecido como gente e tratado segundo critérios intelectualmente elevados. O estudante de hoje protesta, muitas vezes "ordeiramente", porque os campi em que estuda não lhe auxiliam a construir uma identidade profissional, intelectual ou política, ou seja, a crescer como indivíduo e como movimento. Ele quer mudanças, e acaba optando por "agir" para ver se elas acontecem. A falta de iniciativa institucional, o desdém sobranceiro de muitos docentes, o burocratismo de alguns funcionários, tudo o impele nesta direção.

O protesto estudantil dignifica a vida universitária, ainda que nem sempre consiga ser eficiente ou produzir impulsos de transformação. Pode até mesmo repercutir negativamente e servir de pretexto para os que desejam enquadrar e amordaçar a universidade. Mas é um protesto sem o qual a universidade não pode funcionar democraticamente.

Não é, porém, a única voz de contrariedade e insatisfação. No contexto atual, de reivindicações generalizadas, lutas de afirmação e disputas por espaço e poder, os estudantes chegam às vezes a ser arrastados pela ação dos mais fortes, quais sejam, os funcionários e os professores, cuja condição estrutural e funcional facilita a movimentação e a definição da agenda.

Seja como for, todos os reclamos precisam ser igualmente compreendidos e processados.

Num ambiente assim dinamizado, como falar em ordem e autoridade pensadas unilateralmente? Ou seja, como avançar sem diálogo, propostas positivas e negociação?

A saída está à esquerda.

Mas não de qualquer esquerda. Pois a esquerda também tem suas taras autoritárias e conservadoras. Nem sempre sabe o que fazer com o pluralismo, adora estigmatizar os divergentes e os mais rebeldes, tropeça seguidamente em seus "princípios" e doutrinas, com o que se afasta da realidade. Parte dela acredita possuir uma forma tão nova de democracia que menospreza todas as práticas, regras e condutas democráticas, tidas como inferiores ou burguesas.

A universidade está repleta de pessoas que se dizem de esquerda mas têm verdadeiro horror à mudança, sobretudo porque mudar pode significar perder posições e vantagens, e quase sempre exige a desconstrução de verdades e convicções. Tais pessoas resistem a tudo que seja novo ou alternativo, usam e abusam da retórica inflamada, agarrando-se a alguns mantras surrados como se fossem as palavras mágicas de Ali-Babá.

A esquerda que é indispensável hoje se vê como parte da democracia e faz da democracia um "valor universal", como se dizia tempos atrás. É ela que incomoda os guardiões do status quo, sejam eles direitistas compulsivos, esquerdistas dogmáticos ou sindicalistas corporativistas.

Um programa de esquerda factível deveria começar por recuperar o tema da democracia progressiva, tão caro ao marxismo italiano.

Uma visão atualizada da democracia progressiva teria de começar deixando claro que seu eixo é a ação coletiva de crítica, debate e proposição. Ela faz, aliás, uma crítica dupla: ao sistema e à oposição meramente negativa a ele. Contesta e constrói instituições. Não exclui o momento do antagonismo e da luta, mas não o absolutiza. A defesa do diálogo, da negociação e da legalidade não implica deixar de atacar adversários ou contrariar opiniões. Seu maior suposto é que qualquer processo de mudança efetiva precisa articular diferentes temas, planos e problemas em uma sucessão de reformas concatenadas, distribuídas em um tempo que não se pode determinar de antemão. A questão central não é "conquistar o poder", mas organizar capacidades intelectuais e morais para dirigir a vida. Não é apenas melhorar o funcionamento dos sistemas, mas ativar uma dialética poder/instituições/pessoas que faça de cada conquista a base e o impulso para novas conquistas sucessivas. Precisamente por isto, a democracia progressiva funde política e cultura, que caminham juntas, uma alimentando a outra. Cai, portanto, como uma luva na universidade, onde as idéias têm peso relevante.

Uma esquerda deste tipo - moderna, democrática, dialógica - contém impulso ético e moral suficiente para ajudar a que se projetem novos modelos de universidade. Ela tem, no entanto, pouca força política, corroída que foi nas últimas décadas de capitalismo globalizado selvagem, reestruturação produtiva demolidora e "neoliberalismo". Também não está muito agregada intelectualmente. Existe hoje como um estado de espírito, que precisa ganhar corpo e voz ativa para interagir com os ambientes complexos da universidade realmente existente. Fiel a sua própria teoria, só se afirmará progressivamente.



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