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2 de dezembro de 2007

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O tricentenário de Lineu


Marinês Eiterer (*)
La Insignia. Brasil, dezembro de 2007.

 

O tricentenário de nascimento de Carl von Linné (Carl Linnaeus, Carolus Linnaeus ou simplemente Lineu -1-), o criador da nomenclatura binária que usamos para designar os seres vivos, está sendo comemorado neste ano de 2007.

Muitos eventos foram programados em várias partes do mundo para marcar o ano. A imprensa internacional também tem aproveitado para abordar assuntos de interesse, como ocorreu em edição recente (No. 5851, de 2/11) do semanário científico Science (2).

Entre nós, no entanto, salvo honrosas exceções, pouco ou nada foi feito até agora. De resto, embora o ano esteja terminando sem que boa parte da imprensa especializada brasileira sequer tenha registrado o assunto [uma exceção fica por conta da revista National Geographic, que em sua edição de junho publicou a tradução de um longo artigo de David Quammen sobre Lineu, 'A paixão pela ordem' (3), temos bons motivos para revermos aqui um pouquinho da vida e obra desse grande botânico.

Lineu nasceu em 23/5/1707, no vilarejo de Råshult, na Suécia. Quando tinha apenas dois anos, a família mudou-se para a vizinha Stenbrohult. Filho de Nils Ingemarsson (1674-1748) e Christina Brodersonia (1688-1733), era o primogênito de cinco irmãos (dois homens e três mulheres). O pai era um pastor luterano e, de acordo com a tradição, precisou adotar um sobrenome latinizado. Como base para o seu novo nome, Nils escolheu o nome em sueco de uma árvore, "linn" (Tilia odorata), encontrada na fazenda de seu pai. Tornou-se então Nils Ingemarsson Linnaeus. Em 1757, Carl ganharia um título de nobreza das mãos do rei da Suécia, Adolf Fredrik (1710-1771), em reconhecimento pelo seu trabalho, adotando a partir de então o nome Carl von Linné.

Estimulado pelo pai, Lineu, manifestou ainda na infância interesse pelas ciências naturais. Foi estudar na cidade de Växjö, pois, a exemplo do pai, deveria seguir a carreira de clérigo. Ele, porém, não se adaptou à escola e começou a negligenciar nos estudos. Ainda assim, ia bem em ciências naturais, a ponto do seu professor, Johan Stensson Rothman (1684-1763), persuadi-lo a estudar medicina, o que desagradou a mãe. Foi Rothman quem apresentou a Lineu o sistema de classificação de Joseph Pitton de Tournefort (1656-1708) e as opiniões de Sebastian Vaillant (1669-1722) sobre a estrutura e função das flores. Ele prontamente aceitou a noção de que as plantas também eram seres sexuados, passando a prestar atenção aos detalhes da estrutura floral.

Lineu começou seus estudos de medicina na Universidade de Lund, mas foi concluir o curso na Universidade de Uppsala. Enquanto estudava, teve de trabalhar para se sustentar. Em 1729, com apenas vinte e dois anos, escreveu Praeludia Sponsaliorum Plantarum. O livro, ainda que cheio de metáforas, chocou a opinião pública com suas idéias sobre a vida sexual das plantas.

Poucos anos depois, Lineu tomou uma importante decisão: foi para a Holanda, onde ficou durante três anos (1735-1738). Nesse período, conviveu com o renomado médico e botânico Herman Boerhaave (1668-1738). Boerhaave o encorajou a publicar os manuscritos que trouxera da Suécia, entre os quais Systema Naturae (esboço geral de suas idéias sobre classificação dos seres vivos, cuja primeira edição tinha apenas 10 páginas), Fundamenta Botanica e Genera Plantarum.

Em 1735, ainda na Holanda, obteve o título de doutor pela Universidade de Harderwijk, com uma tese sobre malária. Após os três anos na Holanda, esteve na Inglaterra e na França, onde conviveu com os irmãos Jussieu. De volta à Suécia, chegou a se estabelecer como médico em Estocolmo. Em 1741, foi então nomeado professor da cadeira de medicina da Universidade de Uppsala.

Lineu era um professor muito popular entre os alunos da universidade. Ao que parece, sua popularidade era fruto do método de ensinar que adotara e também do seu entusiasmo. Atraiu um grande número de estudantes estrangeiros para perto de si, criando condições para que muitos deles participassem de expedições, algo muito importante na época. Ele mesmo pouco viajou, mas seus alunos - ou "apóstolos", como gostava de dizer - percorreram os quatro cantos do mundo atrás de espécimes novos a serem descritos e nomeados.

Teve ao longo da vida 17 apóstolos, alguns dos quais morreram em expedição. De todos eles, apenas Daniel Solander esteve no Brasil, em 1768. Eis a lista completa: Adam Afzelius (1750-1837), Anders Sparrman (1748-1820), Andreas Berlin (1746-1773, morto em expedição), Anton Rolandsson Martin (1729-1785), Carl Fredrik Adler (1720-1761, morto em expedição), Carl Peter Thunberg (1743-1828), Christopher Tärnström (1711-1746, morto em expedição), Daniel Rolander (1725-1793), Daniel Solander (1733-1782), Fredrik Hasselquist (1722-1752, morto em expedição), Göran Rothman (1739-1778), Johan Peter Falck (1732-1774, morto em expedição), Olof Torén (1718-1753), Pehr Kalm (1716-1779), Pehr Löfling (1729-1756, morto em expedição), Pehr Osbeck (1723-1805) e Peter Forsskål, (1732-1763, morto em expedição). Lineu homenageou alguns apóstolos, usando seus nomes para batizar gêneros novos de plantas (e.g., Kalmia, Torenia, Osbeckia).

Antes de Lineu propor o sistema binário, as plantas eram designadas por sentenças longas (polinomiais), contendo uma descrição sumária da planta. Além disso, ainda não havia uma língua botânica universal, o que gerava inúmeras confusões e mal-entendidos. Com base no conceito de espécie de John Ray (1623-1705), ele desenvolveu um sistema nomenclatural a partir de espécies individuais; separou o nome da planta de sua descrição; estabeleceu uma nomenclatura binomial e, por fim, adotou o latim como língua botânica universal [1]. Ao longo da vida, nomeou e descreveu quase 10 mil espécies vegetais - desde então, sucessivas gerações de botânicos nomearam e descreveram formalmente cerca de 250 mil espécies vegetais.

Lineu foi casado com Sara Elisabeth [Lisa] Morea (1716-1806); tiveram sete filhos, cinco dos quais atingiram a idade adulta (um homem e quatro mulheres). Carl von Linné Jr. (1741-1783) seguiu a carreira do pai, mas sem o mesmo entusiasmo. Após a morte de Lineu, assumiu a cadeira de professor universitário do pai, mas morreu precocemente, aos 42 anos. Após a morte de Carl Jr., Sara Lisa vendeu as coleções e os livros de seu marido para o botânico inglês James Edward Smith (1759-1828). Todo o material está hoje em Londres, na famosa Linnean Society, fundada pelo próprio Smith, em 1788. Lineu morreu em 10/1/1778, aos 70 anos, e seu corpo foi enterrado na catedral de Uppsala.


Notas

(*) Bióloga meiterer@hotmail.com. Versão simplificada deste artigo foi publicada na edição de março de 2007 da revista eletrônica da AUE Soluções http://www.auesolucoes.com.br.

(1) Para outros detalhes sobre a vida e o trabalho de Lineu, ver Boorstin, D. J. 1989. Os descobridores, 2ª edição. RJ, Civilização Brasileira.
(2) Ver artigo 'Happy 300th birthday, Linnaeus' http://www.sciencemag.org/cgi/content/full/318/5851/752b.
(3) http://nationalgeographic.abril.com.br/ng/edicoes/87/reportagens/mt_234790.shtml

 

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