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23 de dezembro de 2007

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Cultura

Os últimos gênios desconhecidos


Luís Nassif
La Insignia. Brasil, dezembro de 2007.

 

De certa maneira, os gênios brasileiros da música instrumental são relativamente reconhecidos. Em São Paulo, no entanto, há dois gênios desconhecidos, os últimos da sua envergadura: Casé e Clóvis, ambos Ferreira Godinho -Casé sendo José Ferreira Godinho Filho-, provavelmente os maiores saxofonistas de seu tempo, dos anos 50 ao final dos anos 60.

Com base numa fita preciosa de Casé que veio parar em minhas mãos, ouso dizer que, pelo menos em jazz brasileiro, foi o maior que conheci, superior a Vitor de Assis Brasil e a todos os seus sucessores.

Irmãos, ambos nasceram em Gaxupé, perto de Poços de Caldas; Casé em 1932, Clóvis uns três anos antes. O pai, seu Godinho, tinha uma banda que tocava na região. Um dia passou o Circo Martins pela cidade, o pai pegou a bandinha, com dois filhos que já tocavam, Clóvis e Sebastião, e se engajou ao circo.

De 42 a 45, estacionou na Usina Junqueira, em Ribeirão Preto, e, depois, aportou na cidade de São Paulo. Menino ainda, Clóvis foi contratado pela rádio Record. Casé acompanhou a precocidade do irmão. Com 13 anos, já era o primeiro sax da rádio Tupi.

Clóvis era o pé de boi, o que garantia o sustento da casa e dos irmãos. Francisco Canaro -dono da mais famosa orquestra típica da época, a Típica de Canaro- encantou-se tanto com o rapaz que tentou de todo jeito contratá-lo. Em vão. Pouca alimentação e drogas o mataram aos 22 anos.

Admiração e saudade

Dele, restaram apenas lembranças de grandes músicos, como de Astor Piazolla que, em uma de suas vindas a São Paulo, queria saber de Amilton Godoy (o pianista do conjunto Zimbo Trio) por onde andava aquele menino genial.

De Clóvis restaram também a admiração incontida e a saudade profunda que acompanhariam Casé por toda a vida. De natureza fechada, quando Clóvis morreu Casé teve explosões de desespero entremeadas por períodos de profunda melancolia, como se recorda o irmão Valter.

Até meados dos anos 60, Casé passou pelos melhores conjuntos de São Paulo. No início dos anos 60 montou o "Casé e seu Conjunto", com craques como Amilton Godoy -depois, Zimbo Trio- e seu irmão Adilson Godoy. Perfeccionista, impaciente com músicos acomodados, exigente a ponto de poucos suportarem suas cobranças, Casé era um mestre insuperável quando encontrava discípulos talentosos. Quando escolheu os irmãos Godoy, deixou claro que queria um conjunto com músicos jovens, e não profissionais acomodados. Do conjunto de baile fez um quinteto de jazz, que se apresentava em alguns teatros em São Paulo, especialmente no Teatro de Bolso, perto da avenida São Luiz. Adorava Jackie McLean e outros saxofonistas da época e queria adaptar seu som para o quinteto dele. Antes, seu ídolo maior era Paul Desmond.

Os ensaios eram sempre aos sábados. Sexta à tarde, Casé passava na casa de Amilton a quem chamava de Cabeção- com ar de quem não quer nada, mas quer ensinar.

Quando Amilton se enroscava em alguma linguagem mais avançada, ele (que era de sopro) mostrava o acorde ao piano, com quatro notas que compunham um acorde mais sonoro que as oito que Amilton tentava.

"Ele sabia mais que todo mundo", testemunha Amilton.

Muitas vezes saiu de São Paulo para abrigar sua tristeza em cidades do interior. Numa dessas vezes, final dos anos 60, foi para Poços de Caldas tocar no conjunto de Frontera, que se apresentava no Palace Cassino. Ficou hospedado na pensão de Mário Nogueira, na rua Pernambuco. Lá chamou a atenção pelo talento e pela tristeza. Provavelmente namorou Nenete, filha de Mário. Voltou para São Paulo e, em meados dos anos 70, mudou-se da casa de sua mãe para um pequeno hotel nas imediações da rua Aurora.

Uma manhã de 1978 ligaram do hotel para Valtinho, seu irmão, comunicando que Casé estava morto. Foi espancado até a morte, provavelmente por um investigador de polícia enciumado.

Muitos músicos me disseram que, em certa época, Casé foi indicado pela revista "Down Beat" como um dos dez melhores saxofonistas de sua geração. Não consegui confirmar.

De qualquer modo, naquele hotel de quinta categoria morria não apenas o homem, mas desapareciam os sons do mais brilhante jazz que se fez no país.

 

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