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La insignia
11 de novembro de 2006


Fascismos líquidos


Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, novembro de 2006.


É difícil imaginar o retorno absoluto do velho nazifascismo. Isto implicaria na existência de ideologias concretas e totalizantes capazes de convencer a muita gente de suas verdades e certezas e de condições históricas propícias. O nacionalismo belicista fascista, na sua integralidade, não é mais possível, bem como a defesa nua e crua da idéia do direito de algumas nações dominarem o mundo pela força de suas armas, invadindo e impondo suas leis. Quando assim procedem, precisam encontrar uma justificativa plausível e convencer a todos de que não havia outra alternativa. Não se pode mais apenas invadir em nome de uma teoria do espaço vital. Tem-se que apresentar provas, mesmo que falsas, que o inimigo é poderoso e capaz de causar danos graves à espécie.

Não há mais como reduzir a política a um só partido, que doutrina as consciências e impede a livre organização de sua oposição. Os preconceitos raciais, a xenofobia, a homofobia, o sexismo e o ódio à inteligência não podem mais ser claramente assumidos pelos Estados nacionais, sob pena do isolamento político e diplomático. Não há mais como, de modo nítido, condenar alguém por delito de opinião, sem criar um escândalo internacional. Não é que isto não possa ser feito. Mas, o modus operandi é outro, bem mais sofisticado.

Dentre as formas mais recentes deste tipo de governo, registram-se as ditaduras militares latino-americanas, que já desapareceram na curva da história, apesar de parecer que foi ontem, tal o pesadelo. Estão cada vez mais longínquos os fatos terríveis da Segunda Grande Guerra. Ela já não é mais uma referência para as novas gerações. O franquismo e o salazarismo se desfizeram como o tempo. Infelizmente, foram duradouros - quase meio século - e podres, desde a origem. Os coronéis não dominam mais a Grécia. As marcas deste passado, por vezes bem recente, estão aí para quem quiser enxergá-las.

Os partidos políticos claramente fascistas não podem mais se apresentar deste modo. Os simpatizantes do mesmo credo foram obrigados a se reciclar, 'escondendo' suas origens. Alguns poucos, dos quais muitos são apenas ignorantes e idiotizados, continuam usando a suástica, comemorando o aniversário de Hitler. Outros se mantêm em silêncio ou se confessam para os mais íntimos, em círculos fechados. Usam dos mesmos signos, dizendo que estão falando de novas situações. No Brasil, não há quem tenha a coragem de se vestir de verde e proferir a saudação integralista: Anauê. Possivelmente, seriam confundidos com personagens do carnaval e, certamente, não seriam levados a sério. Os integralistas ainda vivos e seus sucessores defendem algumas das mesmas idéias de seus líderes, mas negam publicamente suas filiações.

Com imensa razão alguns, ao ler este texto, lembrarão do fascismo vermelho, do stalinismo e de outras doutrinas e práticas políticas que se assemelharam ao fascismo branco e ocidental. É verdadeiro que o chamado 'socialismo real' derivou em várias oportunidades para formas autoritárias de governo, bastante semelhantes ao nazifascismo. Tais concepções se irradiaram nos tecidos sociais de inúmeros países, deixando marcas indeléveis. Defender o fascismo vermelho, depois de tudo que se sabe sobre a história do Leste, é algo que só se pode creditar a algum tipo de religiosidade, ignorância ou má-fé.

O ideal democrático socialista terá que conviver com a 'mancha' dos crimes do stalinismo e de tantos outros casos ocorridos nos países que adotaram suas teorias e práticas. Para se diferenciar, sempre é bom lembrar desses fatos, jamais escondê-los ou negá-los. Entretanto, não se pode também esquecer que o fascismo branco fez muito mais vítimas e causou as maiores catástrofes histórico-sociais do século XX. A Segunda Grande Guerra, por exemplo, foi gestada no Eixo - Berlim, Roma e Tóquio. Os países liberais e a velha URSS tiveram que se defender da agressão externa. Em alguns dos países, onde o comunismo recentemente foi varrido, o fascismo branco ganhou um espaço imenso.

Hoje, existe, na maior parte dos países, liberdade de expressão nos moldes da 'democracia', tal como esta forma foi concebida pelos liberais da modernidade. O formalismo democrático garante a mitologia da equidade jurídica e da igualdade de oportunidades. O 'acidente' histórico do fascismo foi esquecido nos países que o viveram intensamente. Muitos alemães têm vergonha do seu passado. Em outros países, simplesmente se 'esqueceu' do ontem, apesar da teimosia de alguns de estar sempre lembrando. Estes atrapalham o projeto de desmemoriar e de convencer a todos que o passado nada tem a ver com o presente. O passado continua assombrando o presente, permitindo que seja possível compreendê-lo e criticá-lo ou, simplesmente, como os fascistas gostariam, tentar sua reprodução. A vingança da história consiste no fato que não é possível apagá-la. Todos que o tentaram terminaram chamuscados por seu fogo residual.

O fascismo da atual fase da modernidade é liquefeito. Como um gás,está em toda parte. Não precisa ser assumido para funcionar, estando adaptado às exigências do tempo presente. Existe nas práticas de governo e, em outros exemplos, em simples atos de burocratas e outros agentes do poder público. Não precisa de um livro de cabeceira, como o 'Minha Luta' de Hitler. Está diluído nas concepções que as mídias de hoje fazem circular, por vezes, naquelas consideradas como artefatos para divertir. Suas características são muito parecidas com as do fascismo sólido, dependendo de quem o pratica e com que objetivos. Só se solidifica em momentos chave, quando é necessário apelar para força bruta de Estado ou a de grupos organizados no seio da vida social. Os atentados dos pequenos grupos neonazistas são exemplos de solidificação.

É possível que, se a resistência social aumentar, o grau de solidez seja ainda maior. Mas, é difícil pensar que se voltaria ao passado, a não ser, diria Marx, como comédia. A tragédia de hoje está na polivalência do fascismo líquido e não na possibilidade real de golpes de estado, guerras mundiais, ditaduras pessoais, campos de concentração para milhões, soluções finais, disseminação social do ódio e controle absoluto da cultura e da expressão artística. Entretanto, de algum modo todas estas coisas estão presentes no mundo atual. São inspiradas no fascismo líquido de nosso tempo, que abranda as formas, mas mantém os conteúdos do passado sem qualquer mudança substantiva.

Não há registros recentes e significativos de golpes de estado clássicos vitoriosos, mas em alguns países eles ainda ameaçam a ocorrer e isto é usado como fonte de pressão política. Não há possibilidade efetiva de nova guerra mundial, mas seu espectro está presente no fascismo puritano e no fundamentalismo islâmico. O mundo pode ser incendiado ou parecer estar sendo, pela imensa força das grandes mídias e de suas infinitas capacidades de intrigar, difamar e fazer crer nos interesses do poder. Ditaduras pessoais ou militares como existiram, não seriam facilmente assimiláveis, todavia a arrogância do poder continua sendo um fato, bem como a baixa participação das sociedades na solução de seus reais problemas.

Os campos de concentração tradicionais quase não existem mais. Não obstante, o número de prisioneiros sociais e políticos não pára de crescer, inclusive no chamado primeiro mundo. Não há mais a proposta de uma solução final de exterminação racial e a propaganda sistemática do ódio. Contudo a xenofobia e o ódio racial são problemas extremamente graves em inúmeros países. A cultura e a opinião continuam sendo patrulhadas, mesmo que a censura de estado e da sociedade seja pequena e insuficiente para contê-la. O mercado revelou-se como um potente instrumento de fazer a triagem, controlar o que se pode falar e dar espaço à conservação.

Este quadro, nada animador, só é possível porque, dentre outros problemas, o fascismo líquido tem espaço garantido nos tecidos sociais. Isto quer dizer que as idéias fascistas estão presentes na conversação diária e são fortes elementos de convencimento social. As pessoas as verbalizam acreditando, como no passado, que elas são a verdade, nada mais do que a verdade. Os ideais do fascismo líquido penetraram nos sensos comuns, que são os suportes da opinião e da ação social. É possível, como na Alemanha de Hitler, comportar-se de modo fascista sem se ter plena consciência do fato. Basta ser racista, xenófobo, homofóbico, sexista e inimigo do pensamento crítico. Os fascistas de nosso tempo continuam sendo, com os do passado, alpinistas sociais. Detestam o saber, a palavra escrita contendo a crítica social e a obra de arte. Desejam desesperadamente a ascensão social a qualquer preço. Não fazem mais autos-de-fé, queimando livros e periódicos. Simplesmente não os lêem e têm raiva de quem o faz. São rancorosos, confundindo, não raramente, o espírito de contestação com o ciúme e o desejo de destruir os outros.



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