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La insignia
5 de maio de 2006


A política governamental de obras contra as secas


Marco Antônio Tavares Coelho
Gramsci e o Brasil / La Insignia. Brasil, maio de 2006.


Há muito tempo nosso povo se angustia com as secas no Nordeste, que flagelam terrivelmente as populações mais pobres, forçando inclusive a imigração de milhões de brasileiros para outras regiões do país. As secas de 1825, 1827 e 1830 marcaram o início da açudagem no semi-árido e desde então são discutidas providências para atenuar as secas e socorrer os sertanejos.

O projeto do governo de transposição de águas do São Francisco é apresentado como uma solução para enfrentar a escassez de água no Nordeste setentrional. Assim, ao justificar dessa forma o malsinado projeto, ficou posta em questão uma política aplicada há mais de 180 anos, alardeada como indispensável para o Nordeste Política sempre condenada por Celso Furtado, Francisco de Oliveira, Aldo Rebouças e tantos outros especialistas.

A crítica a essa política decorre de razões até elementares. Em primeiro lugar, porque, embora tenha consumido imensos recursos do Poder Público, durante mais de um século e meio, seus resultados não modificaram aquele quadro descrito com tanta pungência por Raquel de Queiroz em seu livro "O quinze" . Em segundo lugar, porque deve-se a tal política a criação da chamada "indústria da seca". Além disso, porque usando como pretexto o auxílio às populações flageladas, essa prática tornou-se a escora de uma estrutura social reacionária e oligárquica que domina o Nordeste.

Como justificativa para seu projeto da transposição de águas do São Francisco o governo federal enfatiza que a escassez de água na região impede a sobrevivência das populações nordestinas em condições dignas. Portanto, não denuncia que fatores sociais, econômicos e políticos são os maiores responsáveis pela pobreza e pelas dificuldades em que vive a maioria dos nordestinos.

Ora, será que a escassez de água é a causa fundamental dessa situação no semi-árido? A falsidade dessa análise foi evidenciada pelo agrônomo José Guimarães Duque, considerado como o grande especialista em agricultura do Nordeste, que afirmou : "É um erro pensar só em água. Se água fosse o mais importante, as margens do São Francisco e as do Parnaíba seriam dois vergéis, quando são dois desertos, e o Maranhão chuvoso seria próspero". (1) Celso Furtado endossava essa tese, afirmando " ... hoje sabemos que a escassez de água é apenas um dos componentes do problema". (2)


A realidade do semi-árido

O governo do presidente Lula ao invés de propor uma revisão dessa velha política de "combate às secas", lança o projeto da transposição de águas que, na verdade, nada mais é do que a continuação e o fortalecimento e tudo que foi realizado há mais de um século e meio em benefício de uma minoria de privilegiados no Nordeste. E para tanto apresenta uma visão errônea do semi-árido.

Para se entender a extensão desse equívoco fundamental é imprescindível recapitularmos as características básicas do semi-árido. Nos documentos elaborados em discussões organizadas por Dom Luiz Flávio Cappio, assim é sintetizada essa realidade: "Embora no imaginário nacional seja vista como uma região seca, tem uma pluviosidade de 750 bilhões de metros cúbicos por ano ... {quando apenas são aproveitados 30 bilhões}... tem águas de subsolo e muita água estocada em açudes. Entretanto, essa pluviosidade é irregular no tempo e no espaço, além de sofrer intensa evaporação das águas estocadas a céu aberto." (3)

Além disso, resta acrescentar que o nosso semi-árido é o mais populoso do mundo, sendo a região brasileira de maior densidade rural. Por isso, o que ali acontece comove a nação brasileira.

Então, particularmente os que nunca estiveram no semi-árido devem ter presente essa descrição de Celso Furtado - "É uma zona sui generis. Quem viajar pelo Nordeste semi-árido, tendo conhecido áreas desérticas de qualquer parte do mundo, percebe logo a diferença. A nossa caatinga sertaneja que o selvagem já chamava de "floresta branca", é fenômeno quase único. Constitui abundante revestimento florístico, de zona semi-árida, totalmente adaptado às condições específicas do solo e clima. Durante longo período seco que ocorre todos os anos .... a caatinga se defende, usando parcimoniosamente suas reservas de água. Ao anunciar-se o novo inverno, na certeza de que poderá renovar essas reservas, sacia-se sofregamente, dando lugar a esse espetáculo maravilhoso por sua instantaneidade que é a transfiguração daquele montão de gravetos secos em bosque verde". (4)


A água existente no Nordeste setentrional

Ademais, para se entender a real situação no Nordeste setentrional é indispensável ter em conta a água com que ali se pode contar. Em primeiro lugar, aquela região dispõe de uma boa rede de açudes. Segundo Alberto Daker (professor da Universidade Federal de Viçosa) nele há mais de 70 mil açudes particulares e mais de 400 açudes públicos de médio e grande porte, com uma capacidade de armazenamento de 30 bilhões de metros cúbicos de água.

O Ceará tem quatro vezes o volume de água de que necessita. Com a construção do açude de Castanhão (o maior da América Latina) o abastecimento de Fortaleza estará resolvido pelos próximos 30 anos (5) No Rio Grande do Norte - segundo um documento da sua universidade federal - com os recursos disponíveis não há carência de água, estimando-se que durante duas décadas a população pode ser abastecida.

É certo, porém, que em determinadas regiões dos estados nordestinos é precário o abastecimento de recursos hídricos, em conseqüência da insuficiência das redes de distribuição. E estudos abalizados assinalam a grave e permanente escassez de água em áreas do sertão pernambucano, que, aliás, inicialmente nem foram contempladas no projeto da transposição do São Francisco.

Em 1959, Celso Furtado foi chamado por JK para estudar e traçar um plano para o Nordeste. Cumprindo essa missão, o economista paraibano acentuou que não mais se deveria inutilmente combater as secas e apontou o erro de se enfrentá-las com "soluções hídricas, com grandes projetos de engenharia". Para ele, a seca é mais um problema social do que um problema da natureza. (6)


A justificativa da "segurança hídrica"

Cumpre assinalar que há um dado novo nessa discussão atual em torno do projeto da transposição do São Francisco. O lobby, que sempre se beneficiou com a "indústria da seca", não está reivindicando verbas federais para ampliar a rede de açudes. Isto porque, como tornou-se evidente a salinização acentuada da água nos açudes e como é conhecida a quantidade fantástica que deles se evapora, agora o lobby proclama a urgência de ser levada águas do Velho Chico para o Nordeste setentrional a fim de ali haver "segurança hídrica". E afirma que essa medida é indispensável porque os "donos" dos açudes receiam liberar água dos reservatórios porque não sabem quando acontecerão novas chuvas.

Esse argumento da "segurança hídrica" pode impressionar os incautos porque há um generalizado anseio por segurança em todos setores da vida nacional. No entanto, essa falácia esboroa-se com facilidade porque os beneficiados por tal "segurança" são principalmente os proprietários de açudes ou aqueles que os controlam. Mas, é justo que o país gaste bilhões de reais, com o projeto da transposição, para dar essa "segurança" aos que controlam os açudes, quando uma autoridade insuspeita, como Jerson Kelman, ex-presidente da Agência Nacional de Águas, afirma que muitos "açudes têm sido historicamente operados segundo as necessidades de pequenos grupos que se beneficiam do investimento público como privado fosse"? (7) Análise completada e endossada pela Comissão Pastoral da Terra ao asseverar que "70% dos açudes públicos do Nordeste não estão disponíveis para a população".


Convivência com o semi-árido

Em relação às secas, qual deve ser a política daqueles que defendem os interesses da população sertaneja? Parece claro que devemos seguir o exemplo dos esquimós que sabem conviver com o gelo e o inverno. Isto é, se não podemos substituir esse meio ambiente por outro, é possível e se deve conviver com ele. Enfim, a solução reside numa compreensão correta a respeito desse meio ambiente tão singular, estabelecendo notadamente um sistema eficaz e integrado para gerenciar os recursos hídricos. Ademais, é uma imposição o repúdio aos que desejam dar prioridade à realização de grandes obras de engenharia hidráulica.

Essa convivência implica a captação e a conservação inteligente da água da chuva de modo a que não evapore. Daí a importância de recolher a água em cisternas de placas para o consumo doméstico e a construção de micro barragens subterrâneas, de cisternas de produção etc. Com esse entendimento, passa a ser fundamental o êxito do programa de "um milhão de cisternas", lançado e impulsionado pela "Articulação no Semi-árido Brasileiro - ASA". Campanha apoiada pela Cáritas, pela Comissão Pastoral da Terra e por centenas de entidades sociais.

Naturalmente, outras medidas, objetivando o bom aproveitamento da água, devem nortear a conduta dos que vivem no sertão. Entre essas práticas está a mudança nos sistemas de irrigação, no plantio de vegetais e na criação de animais, optando por aqueles que economizem água.

Esse caminho é um dado essencial de um modelo de desenvolvimento sustentável do Nordeste, tema que reclama um intenso debate na sociedade brasileira. É possível, portanto, que, agora, tenha chegado a hora e a vez de uma política adequada ao semi-árido.


São Paulo, maio de 2.006


Referências bibliográficas

1 - Antônio Callado, "Os industriais da seca e os "galileus" de Pernambuco", p. 34
2 -- Celso Furtado, "A Operação Nordeste", p. 30-31
3 - Vide site www. umavidapelavida.com.br
4 - Celso Furtado, obra citada, p. 26
5 - João Alves Filho - apud "Os descaminhos do São Francisco", p. 235
6 - Obra citada, idem
7 - "Águas doces no Brasil", p. 356



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