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21 de março de 2006 |
Luís Carlos Lopes
As burocracias públicas e privadas continuam sendo, em pleno século XXI, um tormento para os que por necessidade ou falta de opção caem em suas malhas. As relações estabelecidas entre as instituições e pessoas são, por vezes, cruéis, insensíveis aos dramas pessoais, à pressa da vida cotidiana e ao desejo de resolver problemas. Estes, não raro, são criados pelas próprias burocracias, que se retro-alimentam dos excrementos que produzem. Entrar nas demandas burocráticas significa sujar-se com algo de podre nos reinos de todas as 'dinamarcas'.
Condena-se, nem sempre em público, ao Estado, que estaria enredado em normas e papéis, inúmeros papéis. A irracionalidade é a lógica da burocracia, que funciona mais de acordo com os seus próprios interesses - isto é, os dos burocratas e seus superiores - do que o interesse do serviço que proclamam estar representando. Aliás, é sempre assim que surge a defesa. 'Eles' dizem que defendem a moralidade pública, a 'eficiência', o bem público e o interesse coletivo. Reclamam dos que não aceitam as normas arbitrárias. Dizem que estão sempre certos e que todos devem aceitar suas autoridades, dando a elas um caráter divino. Na maioria dos casos, trata-se de mera retórica, no pior sentido que esta palavra possa ter. Tudo se passa ao contrário, o que os defensores da burocracia realmente desejam é manter o 'controle' sobre as pessoas, impedir o livre fluxo da vida, paralisar a concessão de direitos e celebrar os seus próprios interesses. Obviamente, há momentos que eles cedem, quando, por exemplo, um poder maior determina que procedam de modo diverso. A existência desta possibilidade demonstra que é possível combater a monstruosidade das burocracias, desde que existam interesses nesta direção. Há alguns anos, ardorosos defensores da informatização afirmavam que ela seria capaz de tornar a burocracia mais leve. Tudo não passou de mais uma doce ilusão. A burocracia transferiu-se, parcialmente, para a memória física e para as telas dos computadores, mudando quase nada no que se refere aos seus maiores pecados: a morosidade e o esmagamento das pessoas com seu discurso opressivo e com as inúmeras 'provas' exigidas, isto é, papéis para repetir o mesmo de sempre. As filas continuam crescendo e os serviços continuaram confusos e caóticos, mesmo com o uso das máquinas de informar de nosso tempo. É verdadeiro que na esfera privada a burocracia tende a ser menos pesada. Isto não quer dizer que não exista, e que também não penalize os seus usuários. Basta ver, o tratamento que os 'clientes' recebem nos bancos populares e o incrível número de denúncias cíveis contra estes, bem como contra as empresas privatizadas que fornecem serviços públicos. A maior parte destas questões que são levadas ao judiciário remetem a problemas de papelada e ao uso desta para lucrar mais. Ao ir para justiça, o problema é transferido para outra esfera burocrática. Esta não é menos problemática, sendo preconceituosa, morosa e plena em violências simbólicas. Em alguns casos, vale a pena, o cidadão infringe uma derrota ao monstro burocrático. Em outros, a derrota é recebida em dose dupla. Os mais afetados pela burocracia e suas arbitrariedades são os mais pobres. Basta passar um dia observando o funcionamento de um posto da previdência social, da maioria dos órgãos administrativos e dos bancos governamentais para sentir o drama: filas e mais filas, sucessivos retornos considerados normais pelos burocratas e imensa demora para resolver problemas simples. Uma das coisas mais irritantes é a exigência de provar infinitamente que você é você, com inúmeros papéis. Repetir ao infinito é a meta dos monstros burocratas de sempre. Eles repetem-se na modorra de suas atividades e acham que todos devem fazer o mesmo, sem reclamar. A lei é dura, mas é a lei, especialmente, para os que não conhecem ninguém, não podem usar do tráfico de influência e da corrupção, são pobres na cor e nas vestimentas e não sabem articular oralmente suas defesas. É bem verdade, que a burocracia, sempre monstruosa, atinge também às classes médias, criando inúmeros problemas. Destas, os burocratas ouvem mais desaforos, são obrigados a gastar o latinório se explicando, muitas vezes, simplesmente mentindo para defenderem suas posições. É lógico que se chegar alguém com o mesmo problema, mas que seja conhecido e apreciado, tudo fica mais fácil e as mil e uma exigências desaparecem ou são relativizadas como por encanto. Um dos problemas da burocracia é o da tradicional mistura do público ao privado. Os burocratas mais conservadores privatizam o espaço que ocupam e tratam dos problemas, de acordo com os seus interesses pessoais. Estes podem ser somente o de não trabalhar ou de não atender alguém por algum motivo subjetivo. Herdeira de um passado aristocrático, a burocracia imagina-se acima da sociedade e a representante incontestável dos aparelhos de Estado. Normalmente, ficam surpresos quando são incomodados por alguma decisão judicial. Sentem-se traídos pelo Estado que tanto defendem e dependem, de modo fascistóide. Os burocratas deveriam ser obrigados a fazer cursos de direitos humanos, a lerem Kafka e a se instruírem sobre o que é uma democracia para valer. Deveriam ser punidos exemplarmente por seus crimes, alguns muito graves. Demitir os recalcitrantes e cobrar multas elevadas por não cumprirem suas funções com dignidade poderiam ser algumas das medidas possíveis de serem tomadas. Os que estão em funções burocráticas e as exercem com a dignidade necessária deveriam ser premiados, guindados às chefias e dado a eles condições para humanizar os serviços em que trabalham. A ditadura acabou, mas a da burocracia continua viva e isto é um problema político a ser enfrentado por todos. |
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