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La insignia
11 de junho de 2006


Globalização: argumentos e problemas


Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, junho de 2006.


A globalização é um termo nada consensual. Os franceses, por exemplo, o rejeitam, preferindo usar o sinônimo mundialização. Na verdade, esta escolha semântica pouco muda, porque a troca de vocábulos não é capaz de contribuir para que se deslindem os enigmas econômicos-políticos de nosso tempo. O que é ainda menos consensual são os significados histórico-politicos dos dois termos.

As grandes mídias tendem a reproduzir a idéia de que as relações internacionais globalizadas, tal como hoje estão construídas, são aspectos positivos de um destino promissor. Nada poderia ser feito para mudar isto. Resistir à globalização seria fazer rodar a história em direção contrária ao tão decantado e desgastado ideal de progresso. Os grandes veículos destacam o que consideram como necessidades para todos, mesmo que estas, de fato, atendam minúsculas parcelas do tecido social daqui e dos países mais ricos.

Curiosamente, nestes países, a reação aos pressupostos da globalização é mais vigorosa. Nos Estados Unidos e na Europa ocidental, inúmeros movimentos, sobretudo juvenis, têm ido às ruas protestar contra as políticas externas dos seus países, em muitos casos, na defesa dos interesses das populações pobres dos países em posição subalterna. Em Seattle, Gênova e Paris, a crítica, a organização e a mobilização contra a globalização foram, até o momento, maiores do que na maioria dos países do chamado Terceiro Mundo. Na América Latina, ainda pouco se vê, com exceção do Fórum Social Mundial, dos casos recentes da Bolívia, da Venezuela e de manifestações esparsas em todo o continente.

Estes jovens, tanto no sentido físico como no espiritual, vivendo no Norte e no Sul, defendem a idéia que a humanidade é uma só família e que nações, governos ou empresas não são proprietários do destino humano. Propõem uma distribuição mais eqüitativa dos recursos naturais e tecnológicos, o fim da escravidão provocada pelos mecanismos financeiros e industriais transnacionais e um maior respeito à natureza. Estes movimentos não são uníssonos, por vezes portam paradoxos e idealizações pouco realistas, mas têm como ponto de convergência, a negação do consenso em torno da atual ordem internacional. Vêem a globalização de modo muito particular, buscando alternativas frente a um destino desenhado pelo poder e pelas mídias como inexorável.

A cortina de fumaça que os argumentos pró-globalização constroem é extremamente variada. Um destes confirma a idéia de que viveríamos, hoje, a era da informação ou da comunicação. O ideal do progresso, caro ao positivismo clássico que o inscreveu em nossa bandeira, teria que ser ironicamente aumentado para o lema 'ordem, progresso e informação'. Neste capitalismo informacional, os pobres mortais, que formam a maioria da população, teriam que ser ensinados a consumir de tudo, inclusive a informação, por extensão a informática e os produtos chaves da economia de nossa época - automóveis, celulares, artefatos culturais de massa, serviços bancários - sobretudo dívidas - etc -, para serem integrados e pertencentes ou excluídos da nova ordem.

Obviamente, não há pertencimento sem exclusão. Se todos pertencessem, não seria necessário educá-los para comprar os produtos globalizados e aceitar esta ordem internacional como uma derivação da natureza. Não seria preciso reforçar diuturnamente a idéia - usando as grandes mídias para isto - de que não se deve opor qualquer resistência. Não seria necessário insistir em distinções sociais reforçadas, tanto no plano material como no universo simbólico. A miséria e todas as suas mazelas necessitam, de acordo com os mesmos pressupostos, ser enquadradas como problemas de incapacidade pessoal, doença ou inferioridade social e racial.

As sociedades globalizadas seriam falaciosamente 'sociedade abertas', onde só não progrediriam os que não se esforçassem para tal. Quando em momentos luminares, alguns poucos se revoltassem, mesmo que de modo espontâneo e inconseqüente, bastaria usar os aparatos repressivos e jurídicos dos estados globalizados, esses mantidos nacionalmente, prontos para o que der e vier. A gendarmerie da política estatal do passado restaria sem críticas e sempre em expansão. Não seriam mais necessárias as ditaduras pessoais ou militares clássicas, tão usadas ao longo do século XX. No século XXI, o controle social seria mais hábil, usando-se fortemente as mídias locais e globalizadas para a domesticação dos corações e mentes contemporâneos. O porrete viria quando necessário, constatando-se o esgotamento da retórica e o espetáculo simbólico da força do poder.

Se algum Estado nacional teimar em não se adequar, seguindo-se a mesma lógica, poderá ter que enfrentar o maior poder bélico já inventado pela humanidade. Este, jamais foi ou será globalizado. Mesmo, que por meio da ONU se tenha tentado fazê-lo. O resultado conhecido é caricatural. Se a ONU não se submete, não serve mais ao projeto dos centros imperiais. A política do big stick (porrete), da diplomacia de canhoneira e das invasões neocoloniais foram recuperadas de suas origens no século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Neste sentido, as políticas internacionais viraram pré-modernas, reagindo violentamente ao almejado e derrotado desenvolvimento do projeto geral da modernização pacífica das relações entre as nações e à construção de sociedades mais justas.

A consolidação das reações ao projeto geral de modernização do devir histórico das nações implica construir argumentos e dar significados a vocábulos que sintetizem estas intenções. O, por exemplo, verdadeiro sentido do uso do vocábulo informação é o de superar a noção de conhecimento. Para consumir e rezar na cartilha da atual fase histórica, é preciso estar informado e nada ou pouco saber. Os direitos de cidadania são obscurecidos pelos pretensos direitos dos consumidores. Coisas distintas são misturadas propositadamente, gerando confusões e incompreensões. Nesta atual fase, talvez, mais do que no passado recente, as noções de comunidade e de solidariedade humanas precisam extirpadas como um câncer que questiona a raiz dos problemas. Tratamento igual deve ser dado à inteligência livre e interrogadora das certezas compartilhadas.

Em outro exemplo, a precarização das relações de trabalho e a diminuição de direitos sociais conquistados há décadas têm sido praticadas mundo afora. Obviamente, que nos países onde as condições políticas de reação social a tais medidas são mais fortes ou mais fracas, os resultados destas políticas são, respectivamente, menos ou mais graves. Globalizar tem significado, também, desregulamentar o Estado, investir menos em educação, saúde e cultura, transferindo para a sociedade tarefas que ela não consegue absorver com a qualidade necessária. Entregar os problemas e suas soluções a uma entidade fantasmagórica, denominada mercado, de modo total ou parcial, gerando novos conflitos e impossibilidades. Portanto, a globalização provoca inúmeros danos sociais de curto, médio e longo prazo.

As atuais políticas neoliberais não nasceram do ar. São globais por serem vendidas como solução dos problemas da face da Terra. Originaram-se na Inglaterra e nos EUA da década de 1980. Vem sendo experimentadas no continente latino-americano e por toda parte. No Brasil, o exemplo mais dantesco foi o do governo Collor que iniciou o processo de desmonte dos direitos sociais adquiridos e de abertura econômica sem restrições ao capitalismo internacional. Na era FHC, este processo foi agudizado, normalizado e acompanhado da privatização selvagem de recursos outrora públicos. Neste terreno, o velho hábito de enriquecer usando o erário público prosperou como antes nunca se viu. A situação atual é conhecida por todos.

O neoliberalismo consiste no principal instrumento político-econômico para se globalizarem os negócios, se terem padrões mundiais de consumo e se redesenharem as sociedades e os governos do mundo, de acordo com os interesses que se consideram, ironicamente, os mais justos e possíveis para o devir humano. Isto é o que eles dizem. Na realidade, o consenso neoliberal é a verdadeira face das estratégias de globalização. Obviamente, existe um forte esforço para que as monstruosidades deste rosto não sejam vistas à luz do sol.

Não é possível imaginar países autárquicos, que não precisem trocar seus excedentes com os demais, preenchendo suas lacunas. Hoje, como sempre, a modernidade implica cooperação internacional. Os projetos de estados nacionais, não são, necessariamente, projetos de isolamento econômico, político e cultural. Desenvolver relações globais não significa obrigatoriamente estar subordinado a centros de poder econômico, político-militar e cultural. Podem-se construir relações mais equilibradas, tanto no plano das economias, das relações políticas internacionais, como no das culturas. O atual ideário 'oficial' da globalização em nada mudou a essência dos velhos pressupostos das relações entre as metrópoles e suas colônias. Simplesmente amalgamou antigas práticas e as atualizou de acordo com os novos receituários globalizantes.

O problema não é o de se ver um filme norte-americano. A questão está no fato de haverem 500 cópias do Código Da Vinci sendo exibidas em 500, dos 2.000 cinemas brasileiros. Nenhum filme local jamais chegou a nada igual. Isto acaba impedindo que os brasileiros vejam filmes de inúmeros países, muitos dos quais bem mais sérios do que o besteirol religioso da película citada. O problema não está em exportamos principalmente produtos agrícolas, extrativo-minerais e artefatos industriais aqui montados pelas indústrias transnacionais. Ele reside na diferença de ganhos entre quem exporta produtos de menor complexidade e importa os mais sofisticados. Não há nada a opor ao capital estrangeiro que vem investir no Brasil, o problema está nas regras existentes que facilitam uma ação predatória, muitas vezes absolutamente proibida nos países de onde este capital se origina.

A argumentação crítica sobre a globalização ainda precisa aprofundar os reais significados das relações internacionais de nosso tempo. Ainda serão necessários muitos esforços de compreensão dos significados mais profundos desta atual fase da modernidade, marcada pela tentativa de negação do projeto moderno proposto no século XIX. Ao menos, saíram do centro do cenário, apesar de se manterem nas suas margens, os que defenderam o ideário pós-moderno, uma clara mistificação filosófica e política, desenvolvida da década de 1990 até os nossos dias.



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