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La insignia
1 de dezembro de 2006


Algumas considerações sobre os 25 anos de Aids


Ivy Judensnaider
Texto publicado simultaneamente na ArScientia, NovaE e La Insignia.
Brasil, dezembro de 2006.


De 1981 (quando os primeiros casos de Aids chamaram a atenção das autoridades norte-americanas de Saúde Pública) aos dias de hoje, a Síndrome de Imunodeficiência Adquirida percorreu um longo caminho. A sua história confunde-se com as ambigüidades e incertezas do discurso midiático que a reproduziu: bebendo das águas do discurso científico – que, por sua vez, traduzia a imensa perplexidade e confusão diante de uma doença que não se conseguia entender ou explicar – o jornalismo científico e os órgãos de comunicação social colaboraram na construção do discurso que imputou à Aids a representação de peste, castigo divino, doença a atingir de forma punitiva o exercício do sexo e o uso de drogas.

Em seu artigo “Divulgação Científica: a mitologia dos resultados”, António Fernando Cascais (1) critica o discurso que constrói a imagem da Ciência como processo “progressivo”, que caminha de modo linear a partir dos acertos. Ignorando os percalços, os erros, os resultados adversos, a Ciência surge como atividade destinada ao êxito, de forma autoritária e prodigiosa. Em outras palavras, o jornalismo científico reproduz aquilo mesmo que os próprios cientistas representam como sendo sua atividade básica: alcançar resultados certos, progressivos e cumulativos, jogando o resto na lixeira da história. Importam os acertos, não os erros. Importam as conclusões certas, não aquelas que apenas serviram de alimento para o próprio processo investigativo. O discurso aqui é apologético: a Ciência sempre acerta, e se não acertou ainda é por que o processo não chegou ao fim.

Essa idéia cabe de forma brilhante quando do estudo das variadas mensagens que o jornalismo científico e o discurso midiático produziram em relação à Aids. As primeiras manifestações da doença em homossexuais criaram caos entre os cientistas e profissionais da área de Saúde Pública. O interessantíssimo filme de 1993, “E a vida continua...” (“And the band played on...”), de Roger Spottiswoode, retrata a confusão reinante dos primeiros instantes, quando se cogitou o fechamento das saunas gays de São Francisco, locais que surgiam em todas as pesquisas históricas junto aos pacientes (é também educativo como o filme mostra as disputas entre grupos de cientistas americanos e franceses na busca da compreensão e cura da doença). A Aids, nos seus primórdios, era considerada uma doença de homossexuais, e ser portador dela significativa para o paciente duplo castigo: a doença em si, feroz e mortal, e a pecha de portador de “desvio sexual”, para o qual, finalmente, “os céus enviavam punição”. Assumir publicamente a doença, no caso de homossexuais, era ter que, compulsoriamente, “sair do armário”. A doença também era cruel, por que deixava marcas visíveis, no rosto e no corpo, e a lembrança que nos vem à mente é da personagem interpretada por Tom Hanks (que processará a empresa onde trabalhava, sob a alegação de preconceito), em “Philadélfia”, buscando, de forma angustiada, esconder com maquiagem as marcas da doença no rosto. Nos primeiros tempos, eram comuns os casos de morte de homossexuais que ganhavam, na imprensa, a explicação vaga de “morte por causas inespecíficas”: para assumir a Aids, era necessário assumir uma opção sexual.

O entendimento da Aids como câncer gay caiu por terra quando surgiram doentes entre bebês, dependentes de drogas e hemofílicos e, a partir desse instante, os cientistas passaram a considerar outras possibilidades de contaminação, e a se preocupar com outras medidas no campo da Saúde Pública, especialmente no tocante ao controle de qualidade dos bancos de sangue. Agora, não eram apenas os gays que recebiam o castigo, mas os promíscuos e drogados também, e os bebês e hemofílicos eram apenas “vítimas inocentes” da ira divina. Artistas e celebridades ainda temiam assumir a condição de doentes: em 1991, quando Magic Johnson declarou ser soropositivo, a reação pública foi bastante severa na busca das “causas secretas” da doença: promiscuidade? Homossexualidade? Tóxicodependência? As lentes fotográficas buscaram o detalhe de uma verruga escura no rosto do jogador, apresentando a evidência inquestionável da marca da doença.

Às inúmeras perguntas feitas ao longo desses 25 anos nem sempre puderam ser oferecidas respostas imediatas e seguras. A ignorância e o desconhecimento alimentam o preconceito, e vários foram os erros cometidos ao longo do percurso dos 25 anos de Aids, dos quais, talvez, um dos mais terríveis tenha sido o comportamento em relação às crianças soropositivas (e aqui é justa a homenagem à Sheila, cuja matrícula em uma escola privada foi recusada em 1992 por ser soropositiva; como resultado da mobilização pública em torno do tema, foi publicada a Portaria Interministerial 796 de 29.05.92, que garante o acesso ao ensino para crianças com Aids/HIV). Para várias dessas perguntas, os cientistas hoje oferecem respostas, mas o caminho foi longo e eivado de equívocos, e permitiu a construção lenta e gradual de uma metáfora da Aids que remonta às metáforas associadas à lepra e à sífilis. Assim, Susan Sontag, em “Aids e suas metáforas” (2) comparou as metáforas do câncer e da Aids: diferentemente do câncer, “sabia-se” como se dava a contaminação pela Aids. Além disso, a Aids trazia consigo a morte social precedendo a física, e as metáforas que atribuíam significado à doença se alimentaram da morte sofrida que degenerava e decompunha o corpo, tornando a doença visível. Sontag também investigou o imaginário que construiu a metáfora da Aids como “doença estrangeira”, que vinha de algum lugar desconhecido, que não fazia parte da comunidade em que se alastrava (3), doença que representava a morte certa para o paciente que a adquiria.

E hoje em dia? Vinte e cinco anos após o seu surgimento oficial, a Aids ainda é fatalmente mortal? Segundo a Abia, “atualmente não existe cura para a AIDS. Existem medicamentos denominados anti-retrovirais (ARV) que podem retardar o progresso da doença e reduzir a velocidade do dano ao seu sistema imunológico. Estes medicamentos diminuem a replicação viral, porém, não conseguem tirar todo o vírus do seu corpo. Também existem medicamentos para prevenir e tratar infecções oportunistas. Estes medicamentos funcionam bem, na maioria dos casos”. No Brasil, o acesso aos remédios faz parte de um programa de sucesso internacionalmente reconhecido que procura atender aos pacientes de Aids.

Segundo dados do governo brasileiro, a Aids hoje apresenta um perfil de contaminação diferente daquele dos primeiros tempos. “Os casos masculinos devido à transmissão pelo uso de drogas injetáveis continuam a decrescer, os casos devido a transmissão homo/bissexual mantiveram-se estabilizados em cerca de 26%, e aqueles casos devido a transmissão heterossexual continuam com tendência crescente.” Dráuzio Varella, em seu recém-lançado livro “Borboletas da Alma”, levanta uma questão fundamental: “a teoria nos ensina que não há exemplo de doença sexualmente transmissível que poupe um dos sexos. Seria a Aids a primeira?”. Ele também formula algumas hipóteses muito interessantes na tentativa de explicar as alterações nas estatísticas da doença, hipóteses essas relacionadas à mudança dos hábitos dos grupos de homossexuais em direção ao sexo seguro, ao declínio no uso de drogas injetáveis, à submissão psicológica e social das mulheres aos homens, que cria uma situação de desvantagem na hora de negociar o uso de preservativo, e às vistas grossas da sociedade em relação à infidelidade masculina (5).

O que podemos esperar para os próximos anos, no que diz respeito à Aids? Em primeiro lugar, que se esvazie o sentido metafórico da doença, sugestivo de culpa, punição, castigo, vergonha. Em segundo, através da educação e de todos os meios possíveis, fornecer orientação sem hipocrisia. Aos jornalistas científicos e aos meios de comunicação social, cabe divulgar os desenvolvimentos científicos evitando o tom apologético ou catastrófico (em suma, aceitando as limitações próprias do processo de investigação científica). E, a todos nós, cabe prevenir, utilizando preservativos e fazendo sexo seguro.


Notas

(1) o artigo encontra-se disponível na Biblioteca on line das Ciências da Comunicação, aqui (PDF).
(2) “Aids e Suas Metáforas”, de Susan Sontag (Cia. das Letras, 1989), esgotado.
(3) Talvez isso explique algumas das representações da Aids como doença originária da África “negra”, ou resultante de “práticas sexuais repulsivas entre africanos e macacos” (o preconceito aqui é óbvio, já que se excluem todos os brancos africanos como suspeitos de “enviar” a doença para a América e Europa; além disso, serve de reforço racista para a concepção do negro como próximo ao animal). É interessante observar que a metáfora da “doença estrangeira” povoa o imaginário das pessoas, e não apenas em relação à Aids. No filme “Epidemia” (“Outbreak”), a doença investigada pela personagem de Dustin Hoffman também tem suas origens “no estrangeiro”.
(4) ver aqui.
(5) embora seja discutível por que a menção tão-somente em relação à infidelidade masculina; quer dizer: a infidelidade feminina não seria uma variável pertinente à questão? e em relação aos hábitos de homossexualidade feminina? e em relação aos hábitos bissexuais?

(*) Ivy Judensnaider é economista e mestra em História da Ciência e Tecnologia pela PUC/SP. Trabalha como professora universitária e é escritora. ivy.naider@gmail.com



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