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27 de abril de 2006 |
Felipe A. P. L. Costa (*)
O número de visitantes que habitualmente freqüentam áreas naturais tem crescido ano após ano em todo o mundo. As áreas públicas e, em especial, os parques continuam atraindo a grande maioria desses visitantes. No caso brasileiro, o aumento da visitação serviu para revelar ao público uma série de problemas estruturais em nosso sistema de unidades de conservação, como orçamentos (federal e estaduais) miseráveis, escassez de pessoal qualificado e baixíssimos percentuais de proteção em quase todos os estados [1]. Ao mesmo tempo, porém, setores da imprensa e do movimento ambientalista passaram a prestar mais atenção aos problemas dessas áreas. O assunto ganhou um certo espaço e até a bibliografia sobre unidades de conservação - em especial, os parques - tem florescido nos últimos anos [2].
No Brasil, unidades de conservação podem ser de uso direto (chamadas também de unidades de uso sustentável) ou indireto (ou de proteção integral). Nas primeiras, populações humanas podem morar, explorar e/ou cultivar recursos locais (madeiras, frutos, animais de caça e pesca etc.). São exemplos desse grupo as áreas extrativistas, áreas de proteção ambiental e florestas nacionais. Unidades de uso indireto, por sua vez, são criadas para atender objetivos não-exploratórios, como recreação, pesquisa científica e, em especial, conservação biológica. Os principais exemplos são reservas e parques, as duas categorias ecologicamente mais relevantes de todo o sistema brasileiro de unidades de conservação. Essas duas categorias diferem entre si porque os parques em média são maiores e estão abertos ao público, enquanto as reservas são menores e não costumam receber visitantes. A presença humana em qualquer tipo de unidade de conservação é quase sempre uma fonte de conflito, mesmo no caso de visitantes temporários. Os problemas enfrentados pelos administradores de um parque, por exemplo, são variados e numerosos, indo desde a presença de visitantes mal-educados (barulhentos, pilhadores de material biológico etc.) até problemas de superlotação, passando por coisas como o descarte irregular de uma grande quantidade de lixo. Para enfrentar situações como essas, os órgãos públicos de meio ambiente (estaduais e federais) deveriam capacitar melhor o seu pessoal, de tal modo a que eles pudessem agir como moderadores verdadeiramente instruídos e bem-intencionados [3]. Matando a galinha dos ovos de ouro No caso dos parques, uma parcela importante dos conflitos tem a ver com a necessidade de se controlar o número de visitantes. Quer dizer, mesmo se todos os visitantes fossem "suíços" (i.e., nada de deixar lixo jogado pelo chão ou dar restos de comida aos animais, nada de tirar lascas ou fazer marcas no tronco das árvores, nada de roubar orquídeas ou bromélias etc.), ainda assim os administradores precisariam encontrar resposta para uma questão fundamental: qual o número máximo de visitantes que um parque pode receber sem mostrar sinais de degradação? A chamada capacidade de suporte recreativa - uma adaptação do conceito ecológico mais geral de capacidade de suporte - é justamente o número máximo de visitantes que um parque pode receber, durante determinado período de tempo, sem mostrar sinais evidentes de degradação, como erosão e perda de solo ao longo de trilhas excessivamente pisoteadas. A rigor, estimativas específicas deveriam ser feitas para os vários pontos de visitação dentro de um parque: o número de visitantes que podem transitar pelas trilhas, por exemplo, deve ser menor nos trechos de topografia acidentada; grutas e cavernas, por sua vez, não suportam tantos visitantes como as trilhas que levam até elas; e assim por diante. Nenhum parque deveria ficar exposto a uma sobrecarga de visitantes, sob pena de sofrer um acelerado processo de degradação. Permitir que isso ocorra é como matar a galinha dos ovos de ouro, pois a instalação de um processo de degradação termina inibindo a chegada de novos visitantes, ao mesmo tempo em que afugenta os antigos, que tenderiam assim a migrar para outros destinos. Muitos burocratas e administradores estão a par dessas questões, mas poucos deles parecem preparados ou mesmo dispostos a enfrentá-las. A maioria continua fazendo corpo mole ou então trata o assunto como um nebuloso e inacessível bicho-de-sete-cabeças. De um jeito ou de outro, o xis da questão é que se o impacto do pisoteio não for monitorado, a visitação rapidamente se converte em fonte de degradação - e em uma grande dor de cabeça. Foi isso o que ocorreu no Parque Estadual de Ibitipoca e no Parque Nacional do Caparaó, para citar dois exemplos aqui do sudeste de Minas Gerais. Evitar os riscos de degradação não é tarefa difícil ou complicada. Mesmo quando os administradores não contam com estudos técnicos que auxiliem na fixação da capacidade de suporte dos trechos de um parque abertos à visitação, eles ainda podem lançar mão de medidas que funcionariam como indicadores do impacto causado pela visitação. Um exemplo de medida simples e extremamente acessível é a construção de "pisadômetros" para avaliar o impacto do pisoteio ao longo de trilhas [4]. De resto, deveríamos observar alguns princípios gerais que recomendam a adoção de medidas cautelosas - e.g., os trechos abertos ao público em cada temporada de visitação não devem corresponder a mais do que cinco por cento da área total do parque. Parques e bibliotecas Há quem pense que a visitação seja uma oportunidade de promover a educação pública e com isso reverter ou ao menos minorar os impactos gerados pelas nossas atividades no interior do próprio parque. Os visitantes poderiam ser orientados a perceber melhor, por exemplo, o funcionamento e a fragilidade de sistemas ecológicos responsáveis pela manutenção da vida em nosso planeta. A despeito dessa perspectiva otimista, não são poucos os visitantes e mesmo administradores que vêem os parques por um ângulo diferente: uma mistura de zoológico, circo e o quintal de casa. A maioria dos visitantes é composta tipicamente por moradores de centros urbanos, gente que vê na visitação um entretenimento ou apenas a chance de relaxar, saindo um pouco de uma rotina de vida cansativa e alienante. Entre os visitantes, não são poucos os que tendem a agir como se a infra-estrutura e os funcionários do parque estivessem inteiramente à sua disposição. Outros costumam encerrar a visita reclamando que não viram "nada" de interessante, só "mato". Ocorre que parques não são circos, nem zoológicos, muito menos o quintal de casa. Na verdade, parques são muito mais parecidos com bibliotecas, pois ambos abrigam tesouros preciosos e de valor inestimável - e quase sempre imperceptíveis aos olhos do visitante. Lugares assim deveriam ser protegidos e reverenciados por todos nós, a despeito da quantidade de visitantes que recebem. Digo isso porque muitos de nossos parques vivem sob a ameaça permanente do corte de verbas. O argumento de governantes e burocratas nesses casos é que os parques deveriam ter "viabilidade econômica", gerando seu próprio orçamento. Ora, o objetivo da visitação em áreas públicas tem a ver principalmente com educação e não com rentabilidade. Ou será que algum de nós em sã consciência levantaria a voz contra as bibliotecas públicas simplesmente porque elas não estão dando lucro? Deveríamos encarar nossos parques (e outras unidades de conservação) por aquilo que eles realmente são: gigantescas bibliotecas vivas. Pode parecer exagero, principalmente para quem não está familiarizado com o assunto, mas chegamos ao ponto em estamos por conta de uma sucessão de idéias e posições grotescas. Ao longo dos anos, doses generosas de demagogia política e escassez crônica de verbas e pessoal técnico qualificado criaram entre nós um caldo cultural rarefeito, mas perigoso, no qual as prioridades estão claramente invertidas. Quantos burocratas e administradores não estão hoje mais preocupados em agradar os visitantes e, por tabela, a chefia, do que efetivamente em proteger as características primitivas dos parques? Ora, quando "agradar" o visitante passa a ser prioridade, até mesmo administradores bem-intencionados podem começar a cometer barbeiragens grosseiras. No que segue, apresento exemplos de como isso chega a ocorrer ao longo das próprias trilhas usadas pelos visitantes. Uma perspectiva ecológica para as trilhas Observar o estado das trilhas de um parque pode fornecer pistas sobre o que se passa entre a administração e os visitantes de um parque [5]. Cabe enfatizar que, de um ponto de vista estritamente ecológico, a criação e manutenção das trilhas de um parque devem provocar o menor impacto possível - em termos de destruição de microhábitats, remoção de serapilheira, perda de vegetação em crescimento, depauperação do banco de sementes etc. Com isso em mente, podemos fazer uma avaliação rápida dos impactos negativos ao longo das trilhas, observando três de seus atributos: largura (trilhas largas ou estreitas), cobertura (trilhas limpas ou forradas) e traçado (trilhas sinuosas ou retas). Em primeiro lugar, devemos observar a largura: as trilhas utilizadas pelos visitantes não devem ser largas; ao contrário, devem ser estreitas. Trilhas com 1-2 m de largura são mais do que suficientes para o trânsito de visitantes a pé. Isso não significa dizer que o parque não deva contar com um número mínimo de trilhas mais largas (2-4 m), para uso por veículos de apoio em casos de emergência (e.g., incêndios ou acidentes com visitantes). Em todo caso, é importante notar: trilhas largas implicam na remoção de uma parcela proporcionalmente maior de vegetação. Além disso, trilhas largas favorecem a entrada de grupos numerosos ou mesmo de visitantes motorizados, aumentando ainda mais os riscos de degradação (e.g., compactação e erosão do solo). Em segundo lugar, as trilhas devem permanecer forradas com serapilheira durante o ano inteiro. Essa recomendação pode parecer óbvia, mas pelo jeito muitos administradores ainda não entenderam a importância de medidas como essa. Em certas áreas, por exemplo, os funcionários chegam ao cúmulo de periodicamente varrer as trilhas, preocupados que estão em mantê-las "limpas" (i.e., livre de serapilheira e qualquer vegetação natural em crescimento). Em outro artigo [6], chamei a atenção para os perigos de mantermos trilhas descobertas, com o solo exposto, mesmo no interior de florestas fechadas - trilhas nuas implicam, entre outras coisas, na perda de quantidades expressivas de solo. Em se tratando da cobertura de trilhas, há idéias ainda mais esdrúxulas em circulação. Uma delas diz respeito à conveniência de cimentarmos ou não as trilhas no interior de um parque. Certa vez, participei de uma discussão na qual dois profissionais defendiam a construção de calçadas cimentadas (nenhum dos quais, por incrível que pareça, era engenheiro ou arquiteto), levantando para isso argumentos com base em uma suposta preocupação com o bem-estar e segurança dos visitantes. Discordei, mas felizmente os dois estavam em minoria. Hoje, passados mais de 10 anos, minha interpretação para uma posição tão surpreendente é a de que o caso envolvia uma infeliz combinação: de um lado, um apego excessivo e inercial ao mundo urbanizado e, de outro, uma boa dose de desconhecimento, medo e desprezo pelo mundo selvagem e a vida ao ar livre [7]. Por fim, talvez a menos óbvia das três recomendações: sempre que possível, as trilhas que cortam um parque devem ser retas. Para entender melhor o que fundamenta essa opinião, vamos utilizar uma ilustração. Sejam dois pontos, A e B, situados, digamos, em regiões extremas dentro de um parque, a saber:
A menor distância (i.e., o menor percurso) entre esses dois pontos é o segmento de reta, AB, conforme o esquema abaixo:
Qualquer outra trajetória resultará em percursos necessariamente mais longos, como nos dois exemplos mostrados a seguir:
É possível mostrar que ACDB > ACB > AB. Nesse caso, podemos concluir que a distância percorrida entre A e B aumenta em função do grau de sinuosidade do caminho que liga os dois pontos. Em termos ecológicos, isso equivaleria a dizer o seguinte: o impacto negativo (em termos de remoção de vegetação etc.) das trilhas de um parque aumenta com o grau de sinuosidade do traçado delas. O procedimento menos danoso envolveria, portanto, estabeler um sistema de trilhas composto majoritariamente por segmentos de retas.
Notas
(*) Biólogo meiterer@hotmail.com, autor do livro Ecologia, evolução & o valor das pequenas coisas (2003).
1. Ver artigo "Recursos naturais, terras públicas e unidades de conservação" http://www.lainsignia.org/2003/agosto/ecol_008.htm. |
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