Mapa del sitio Portada Redacción Colabora Enlaces Buscador Correo
La insignia
28 de outubro de 2005


Destruindo cavernas com adrenalina


Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, outubro de 2005.



O turismo é uma das mais poderosas indústrias da economia contemporânea e nenhum outro ramo dessa indústria cresceu tanto nos últimos anos como o chamado "turismo ambiental" ou "ecoturismo" [1]. O número de ecoturistas que habitualmente freqüentam áreas naturais, como as unidades de conservação, tem aumentado em todo o mundo. O Brasil não ficou de fora dessa explosão, embora as taxas de visitação de nossos parques - a principal categoria de unidade de conservação aberta ao público - ainda estejam em patamares relativamente modestos. Mesmo assim, o aumento da visitação, combinado com a falta de infra-estrutura e de pessoal qualificado, revelou antigos problemas, ao mesmo tempo em que gerou uma série de problemas novos - desde impactos ambientais mais ou menos localizados (erosão e perda de solo ao longo de trilhas, acúmulo de lixo, pilhagens, perda de espécies etc.) até dramas sociais amplos e complexos, incluindo a deterioração da vida social de comunidades locais [2].

É certo que o ecoturismo pode ser um importante gerador de renda e empregos, representando assim uma alternativa consistente para atividades econômicas mais destrutivas; mas ele também tem o seu lado negativo. Muitos problemas surgem quando os empreendedores (comerciantes locais, agências de turismo etc.) tentam maximizar os lucros no curto prazo, ignorando deliberada ou inadvertidamente o fato essencial de que a manutenção da integridade de áreas naturais abertas ao público exige um controle rigoroso do número de visitantes. Mesmo se todos os ecoturistas fossem "suíços" (i.e., nada de deixar lixo jogado pelo chão ou restos de comida para animais, nada de tirar lascas ou fazer marcas no tronco das árvores, nada de roubar orquídeas ou bromélias etc.), ainda assim precisaríamos encontrar respostas para uma questão fundamental: qual o número máximo de visitantes que um parque pode receber sem mostrar sinais de degradação?

A chamada "capacidade de suporte recreativa" - uma adaptação do conceito ecológico mais geral de capacidade de suporte - é o número máximo de visitantes que um parque pode receber, durante determinado período de tempo, sem mostrar sinais evidentes de degradação, como erosão e perda de solo ao longo de trilhas. A rigor, diferentes estimativas precisam ser feitas para os vários pontos de visitação dentro de um parque: o número de visitantes que podem transitar pelas trilhas, por exemplo, deve ser menor nos trechos de topografia acidentada; por sua vez, o interior de cavernas não suporta tantos visitantes como as trilhas que levam até lá; e assim por diante. Por incrível que pareça, a grande maioria dos parques brasileiros (federais e estaduais) abertos ao público não possui qualquer tipo de estimativa criteriosa para o número de visitantes que suas trilhas podem receber [3].


Um fim de semana na roça

Além do ecoturismo, tem aumentado bastante o número de praticantes de outras modalidades turísticas, como o "turismo rural" ou "agroturismo" e o chamado "turismo de aventura". No primeiro caso, donos de propriedades rurais estão abrindo a porteira para receber um público interessado em conhecer a vida no campo. As visitas costumam ser breves - questão de horas, como no caso de um "café colonial na fazenda", ou de alguns dias, como no caso de um "fim de semana na roça". O público nesses casos parece interessado em empreender visitas a lugares bucólicos e sossegados, não necessariamente distantes. Com isso, moradores de grandes centros urbanos estão passando a valorizar a zona rural do próprio município onde vivem ou de municípios vizinhos, uma região que até poucos anos atrás era considerada apenas como sinônimo de atraso e desconforto.

Um dos principais objetivos do turismo rural seria usufruir algumas vantagens que a vida no campo pode oferecer, tendo o visitante a chance de respirar um pouco de ar puro, desfrutar de uma refeição boa e saudável e eventualmente conhecer alguns habitantes da região. Em outras palavras, é uma oportunidade que temos para escapar (ainda que momentaneamente) do apinhamento e da correria da vida nos grandes centros urbanos. Quase que por definição, trata-se de uma modalidade turística praticada dentro dos limites de propriedades particulares, como fazendas que ainda estão em plena atividade ou mesmo algumas que já tenham se convertido em pontos turísticos, mantendo atividades rurais apenas como atrativos. Nesse casos, o papel e a participação de agências governamentais são virtualmente dispensáveis, pois os próprios proprietários trabalham no sentido de zelar pelos atrativos do lugar e o bem-estar dos visitantes, garantindo com isso a prosperidade e a longevidade do empreendimento. Graças ao agroturismo, inúmeras propriedades rurais decadentes têm sido revigoradas.


Fazendo a adrenalina subir

Já no caso do turismo de aventura, as coisas são bem diferentes. Para começar, estamos mais uma vez lidando com uma atividade que é conduzida principalmente nos domínios de áreas públicas, a exemplo do que ocorre com o ecoturismo. Diferentemente deste, no entanto, o turismo de aventura é uma modalidade relativamente cara, com um potencial destrutivo muito maior. Trocando em miúdos, embora o número de aventureiros tenda a ser muito menor que o de ecoturistas, o impacto negativo per capita provocado pelos primeiros é muito maior. Um ecoturista tradicional entre e sai de um parque sem escalar paredões rochosos, saltar de asa delta ou agitar as águas do fundo de uma lagoa. Pois são justamente essas as atividades (escalar, voar, mergulhar e assim por diante) que o aventureiro procura - atividades e emoções que façam a "adrenalina subir e o coração disparar".

Um tipo de aventureiro particularmente impactante é aquele que visita cavernas, em geral como integrante de um clube ou associação de espeleólogos amadores. E não faltam cavernas: no país inteiro, estima-se que existam umas 60 mil delas, das quais apenas cerca de 5 por cento já teriam sido identificadas [4]. Essas formações geológicas são, na verdade, o principal atrativo de vários parques (federais e estaduais) brasileiros. O problema é particularmente grave porque muitos desses aventureiros que se embrenham em cavernas, inspirados pelas imagens de revistas e programas de TV, não passam de espeleólogos de butique, um pessoal que costuma aparecer todo paramentado dentro de cavernas, quase sempre fazendo algo que não deveria estar sendo feito ali. O principal objetivo dessa turma é conquistar o maior número possível de cavernas, sem se preocupar, por exemplo, com o local onde pisa. Nas palavras de um "protetor de cavernas", especialista no assunto:

"Tenho observado que os grupos que freqüentam as regiões de cavernas e fazem sites, muitas vezes apresentam na abertura aquele velho chavão 'de que das cavernas nada se leva e só se deixa pegadas'. Esta afirmação é um absurdo! E se você deixar pegadas num travertino? Isto é pior do que aquelas famigeradas escritas à tinta em rochas... E quanto mais lindo o espeleotema mais as pessoas querem tirar fotos sobre ele, vejam o caso do Grande Travertino da Gruta do Temimina, no Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), localizado no sul de São Paulo, Brasil".

Logo adiante, ele prossegue:

"Neste mesmo parque [Petar], muito se tem falado da situação da Caverna Santana, em processo de deterioração, devido ao excesso de visitação, pois bem, ano passado, estive na Caverna do Sonho e logo na entrada, ao observar com atenção o chão, antes de pisar, me deparei com uma belíssima formação... TODO!!! o chão daquela caverna é muito lindo e frágil, e a Santana, em seu trecho turístico, já foi assim... É impossível entrar na Caverna do Sonho sem causar impactos ambientais lastimáveis. Por isso não entrei e me contentei em sonhar com as maravilhas de seu interior..."

Trocando em miúdos, o que esse meu colega está dizendo é o seguinte: entrar em cavernas pode ser uma experiência fascinante - para muitos aventureiros, pode ser apenas mais um modo de fazer a adrenalina subir -, mas é quase sempre uma barbeiragem. Além de eventualmente contribuir para a corrosão dos espeleotemas, graças ao dióxido de carbono liberado pela nossa respiração, estamos literalmente destruindo a caverna com o nosso pisoteio. O Petar não é, claro, o único parque brasileiro a sofrer com isso; basta ver, por exemplo, as barbeiragens cometidas nas cavernas do Parque Estadual do Ibitipoca (MG). Em todos esses lugares, o acesso de aventureiros ao interior de cavernas deveria ser rigorosamente controlado ou mesmo suspenso. (Essas mesmas restrições deveriam valer para fotógrafos e equipes de TV, que ainda têm livre-trânsito e estão habituados a cometer as maiores barbeiragens no interior de cavernas.) Os ecoturistas, por sua vez, poderiam ser mais bem informados sobre o problema. Em certos parques, por exemplo, já é possível convidar os visitantes a trocar a excursão (destrutiva) ao interior de cavernas pela exibição de imagens ou filmes feitos previamente nesses locais. Não é um substituto perfeito, mas pode ser uma experiência bastante satisfatória para muitos visitantes.

No fim das contas, a lição é relativamente simples: a auto-regulamentação observada no agroturismo, e imposta pelos próprios donos do empreendimento, deveriam ser estendidas para as atividades turísticas (ecoturismo e turismo de aventura) praticadas em áreas públicas. Isso nada tem a ver com "privatização"; antes disso, trata-se de administrar nossos parques com doses mínimas de cautela e inteligência.


Notas

(*) Biólogo meiterer@hotmail.com, autor do livro ECOLOGIA, EVOLUÇÃO & O VALOR DAS PEQUENAS COISAS (2003).

1. Para uma introdução geral ao ecoturismo, ver Lindberg, K. & Hawkins, D. E., orgs. 1995. Ecoturismo: um guia para planejamento e gestão. SP, Editora Senac.
2. Sobre os impactos (ambientais e sociais) do ecoturismo, ver Rodrigues, A. B., org. 1997. Turismo e ambiente: reflexões e propostas. SP, Hucitec; e Lima, R. E. & Negrelle, R. R. B., orgs. 1998. Meio ambiente e desenvolvimento no litoral do Paraná: diagnóstico. Curitiba, Editora da UFPR.
3. Estimar a capacidade de suporte de um lugar não é nenhum bicho-de-sete-cabeças; para alguns exemplos, ver Anais. 1997. Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, 2 vols. Curitiba, IAP, Unilivre & Rede Nacional Pró Unidades de Conservação; e Anais. 2000. II Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, 2 vols. Campo Grande, Rede Nacional Pró Unidades de Conservação & Fundação O Boticário.
4. Ver Ferreira, R. L. & Martins, R. P. 2001. Cavernas em risco de 'extinção'. Ciência Hoje 173 20-28. Em termos geológicos, cavernas podem ser definidas como cavidades naturais, com ou sem abertura para o exterior, esculpidas ao longo do tempo pela infiltração de água ou mesmo pela ação do vento; ver Leinz, V. & Leonardos, O. H. 1977. Glossário geológico, 2a edição. SP, Companhia Editora Nacional.



Portada | Iberoamérica | Internacional | Derechos humanos | Cultura | Ecología | Economía | Sociedad Ciencia y tecnología | Diálogos | Especiales | Álbum | Cartas | Directorio | Redacción | Proyecto