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29 de maio de 2005 |
Uma aliança global contra o trabalho forçado
Rits. Brasil, maio de 2005.
Texto integral em espanhol: Relatório Global 2005 (PDF)
A Convenção nº 29 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 1930, define sob o caráter de lei internacional o trabalho forçado como “todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob a ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente.” A mesma Convenção nº 29 proíbe o trabalho forçado em geral, incluindo mas não se limitando à escravidão. A escravidão é uma forma de trabalho forçado. Constitui-se no absoluto controle de uma pessoa sobre a outra, ou de um grupo de pessoas sobre outro grupo social.
No Brasil, o termo usado para o recrutamento coercitivo e essa prática trabalhista em áreas remotas é trabalho escravo. Todas as situações que abrangem este termo pertencem ao âmbito das Convenções sobre trabalho forçado da OIT. Nas áreas rurais brasileiras, esse é o típico cenário que caracteriza o trabalho escravo, onde os trabalhadores são submetidos a condições degradantes de trabalho somadas à impossibilidade de deslocamento devido ao isolamento geográfico, a dívidas fraudulentas e/ou à presença de guardas armados. Abandonados no meio da mata, os trabalhadores são freqüentemente impedidos de sair por meio da coerção física, até pagarem suas dívidas fraudulentas. No Brasil, a estimativa chega a 25 mil pessoas mantidas sob condições análogas às de escravidão principalmente nos estados amazônicos do Pará e do Mato Grosso. Muitas vezes, a prática de trabalho escravo está ligada à degradação do meio ambiente. A floresta amazônica parece ser um imã para o uso de mão de obra escrava. A pouca oferta de emprego, as condições de isolamento geográfico e a ausência do Estado e de instituições de proteção fizeram desta área um solo fértil para o tráfego e a exploração de trabalhadores desprotegidos. Muitos desses trabalhadores, homens em sua maioria, são objetos de tráfico por intermediários de mão-de-obra chamados “gatos”, que os recrutam nos centros urbanos do nordeste do país, onde a pobreza e o desemprego são abundantes. Os gatos prometem um bom salário em troca de trabalho pesado. Os trabalhadores que aceitam estas condições são levados por milhares de quilômetros para áreas remotas nas quais terão que trabalhar em fazendas ou acampamentos madeireiros. Os casos de trabalho escravo têm sido encontrados principalmente na pecuária (80% dos casos) e na agricultura (17%). Quando chegam ao lugar de destino, os trabalhadores percebem que estão presos em um ciclo de servidão por dividas. Descobrem que os salários prometidos foram utilizados para cobrir os custos de transporte, dos quais não tinham sido previamente informados. Em outros casos, os trabalhadores são levados primeiro para pensões que servem como vitrine de mão de obra escrava, passando dias, às vezes semanas, antes de serem levados ao lugar de trabalho. Com isso, acumulam dividas adicionais pelos gastos de alojamento, alimentação, bebidas e outros itens. A servidão por divida é nutrida nas regiões mais remotas, nas quais o isolamento, as ameaças, a violência e até o homicídio impedem os trabalhadores de sair. O isolamento obriga os trabalhadores a comprar alimentos e equipamentos de trabalho de seu próprio empregador, muitas vezes a preços exorbitantes. Desde o lançamento do primeiro Relatório Global, em 2001, há sinais encorajadores de comprometimento dos Estados-membros da OIT, sindicatos, organizações trabalhistas e da comunidade internacional no sentido de atacar o trabalho forçado. Nesse sentido, importantes avanços foram obtidos com o lançamento no mundo dos primeiros planos nacionais por Brasil e Paquistão. Na América Latina, apesar do alto índice de ratificação das convenções relativas ao tema, pouca atenção tem sido dada à questão, com a notável exceção do Brasil. A experiência no combate ao trabalho escravo no país tem servido como exemplo para os governos de Bolívia, Guatemala, Paraguai e Peru, que estão agora iniciando suas pesquisas preliminares sobre o assunto junto à OIT. O Brasil tem liderado o enfrentamento do problema com grande visibilidade através da adoção e implementação, em março de 2003, do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. O desafio no Brasil é complementar seus notáveis esforços de melhor aplicação das leis contra a impunidade, com estratégias eficazes de prevenção e reabilitação. Uma primeira iniciativa ocorreu em dezembro de 2002, com a publicação de uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego que garantiu o pagamento do Seguro-Desemprego a todos os trabalhadores libertados do trabalho escravo. Sob uma perspectiva de parcerias institucionais, ainda há espaço para sindicatos e organizações de empregadores para trabalhar em parceria com autoridades locais e grupos da sociedade civil nas áreas das vítimas de trabalho escravo, para elaborar projetos de reabilitação que sejam sustentáveis em longo prazo. A experiência brasileira no combate ao trabalho escravo também se destaca por ser um país que possui em seu Código Penal sanções contra aqueles que submetem seus trabalhadores a condições “análogas as de escravos.” Embora constantemente haja referências sobre a baixa taxa de condenações por trabalho escravo (em comparação com o número de trabalhadores libertados), o país tem incorporado mudanças significativas desde o começo de 2003 – como, por exemplo, as ações civis públicas por danos morais confirmadas pela Justiça do Trabalho, que vem obrigando o pagamento de quantias significativas pelos empregadores devido aos prejuízos causados aos trabalhadores encontrados em situação de escravidão. Entretanto uma questão ainda preocupante no Brasil é a indefinição quanto à competência criminal para julgar os crimes que envolvem trabalho escravo. Discussão essa que se trava entre tribunais federais, estaduais e instâncias trabalhistas. Há ainda a preocupação de que o valor das multas aplicadas tem sido irrisório como medidas punitivas. Segundo opiniões de um sindicato, a falta de condenações se deve ao fato de que em muitas ocasiões a Justiça Federal se intitulou incompetente para julgar crimes contra o trabalho escravo. Desde o início de 2003, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem adotado medidas mais severas para combater o trabalho escravo e a impunidade no Brasil. Em dezembro de 2003, o Código Penal sofreu emendas para aperfeiçoar o conceito. Qualquer pessoa que mantém trabalhadores no seu local de trabalho, seja dificultando o acesso a transporte/locomoção, seja confiscando seus documentos de trabalho, ou ainda por monitoramento armado, está sujeito à mesma sentença de prisão. Além disso, há uma emenda constitucional que propõe a expropriação de terras sem nenhum tipo de compensação àqueles que comprovadamente se utilizarem de mão-de-obra escrava. As terras expropriadas serviriam ao programa de reforma agrária, com prioridade àqueles que trabalharam nelas. Até a publicação do Relatório Global, a proposta de emenda constitucional, fortemente apoiada pelo governo, já havia sido aprovada no Senado e estava sendo examinada pela Câmara dos Deputados. A efetiva aplicação das leis tem trazido bons resultados ao Brasil. O Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego foi fortalecido quando 150 auditores do trabalho foram designados para atuar em diferentes áreas de alta incidência de trabalho escravo. Em 2003 foram libertados aproximadamente 4.900 trabalhadores (ver tabela abaixo). Entre fevereiro de 2003 e maio de 2004, a Procuradoria Geral da República iniciou 633 processos administrativos para verificar denúncias criminais de trabalho escravo. O caso do Brasil ilustra bem como um Projeto de Cooperação Técnica da OIT, envolvendo vários componentes, entre os quais a conscientização, tem se mostrado proeminente. O Projeto da OIT de Erradicação ao Trabalho Escravo no Brasil tem como objetivo o combate às práticas abusivas de recrutamento que acabam em trabalho escravo, especialmente dentro dos setores da pecuária e da agricultura. Vem fortalecendo e ajudando a coordenar as ações dos membros da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae) e outros parceiros-chave (tal como os sindicatos e o setor privado) dentro e fora do governo e em níveis federal, estaduais e municipais. O projeto tem em seu escopo seis atividades: -criação de um Banco de Dados sobre trabalho escravo; -lançamento de uma campanha nacional e de campanhas estaduais contra o trabalho escravo; -elaboração de um Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, incluindo medidas legislativas contra os escravagistas e de prevenção e reabilitação das vítimas; -promoção da capacitação dos parceiros envolvidos na punição da prática de trabalho escravo; -fortalecimento da atual capacidade da Unidade de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego; -implementação de programas de prevenção e reinserção socioeconômica de trabalhadores resgatados e suas famílias. Desde seu inicio, em abril de 2002, o projeto vem ganhando autonomia. Durante seu primeiro ano, dedicou-se a sensibilizar os parceiros da área jurídica de forma a encontrar orientações em comum em relação ao trabalho escravo. Em setembro de 2002, um evento de alta visibilidade reuniu juízes e procuradores, fiscais do trabalho e policiais federais e rodoviários federais. Isso estimulou a criação de grupos especializados para lidar com o problema dentro da Procuradoria Geral da República, da Procuradoria Geral do Trabalho e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Depois o projeto deu seguimento a oficinas de aperfeiçoamento legislativo. O presidente do Tribunal Superior do Trabalho respondeu à altura ao criar novas Varas Itinerantes para lidar em tempo real com os casos mais sérios de denúncia de trabalho escravo. Junto à OIT, o país também tem empreendido uma campanha de grande amplitude contra o trabalho escravo. Lançada no Congresso Nacional em outubro de 2003, a campanha, coordenada pela OIT e apoiada pelo governo federal e pela Conatrae, foi concebida, criada, produzida e veiculada de maneira absolutamente voluntária por agências de publicidade e veículos de comunicação do país, somando um montante de aproximadamente R$ 23 milhões doados à causa sob a forma de veiculação gratuita. Banners da campanha foram expostos nos 20 maiores aeroportos nacionais, alcançando assim mais de 12 milhões de passageiros. Campanhas estaduais em Maranhão, Mato Grosso, Pará e Piauí já foram lançadas e implementadas. A exposição na mídia sobre o tema trabalho escravo vem crescendo exponencialmente. As conquistas da campanha contra o trabalho escravo no Brasil têm se refletido no aumento notável do número de trabalhadores libertados nos anos recentes. A posse do novo presidente eleito, em 2003, concedeu um novo escopo ao projeto. O projeto pôde trabalhar juntamente com o governo na elaboração do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. O plano, lançado em março de 2003, com grande repercussão, inclui conscientização em massa, coordenação de atividades federais, promoção de uma nova lei com sanções mais fortes contra os escravagistas, como a expropriação de terras; um crescimento no número de trabalhadores escravos libertados pelas intervenções do Grupo Móvel e um constante aumento de condenações. Desde então, os poderes executivo e legislativo tomaram uma série de iniciativas para proporcionar um monitoramento mais efetivo dos casos de trabalho escravo e punições mais rigorosas aos infratores. Em novembro de 2003, uma lei federal criou 269 novas Varas do Trabalho nas áreas de alta incidência de trabalho escravo. O projeto também apoiou a iniciativa de publicar uma “lista suja” que contém o nome de 101** empresas que reconhecidamente se utilizaram de mão-de-obra escrava. Essas empresas foram proibidas de receber recursos públicos. O desafio no Brasil é dar complemento aos esforços para a melhor aplicação das leis contra a impunidade, com estratégias efetivas de prevenção e reabilitação. Também como um marco de progresso, em agosto de 2004, um acordo foi assinado entre as mais importantes siderúrgicas do país e seus sindicatos, comprometendo-se a não mais comprar carvão das indústrias que comprovadamente utilizavam trabalho escravo. O projeto, a pedido da Conatrae, tem apoiado a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que viabiliza o confisco das terras dos proprietários de fazendas que se utilizam do trabalho escravo. A ação da OIT contra o trabalho forçado não deixou de gerar resultados importantes nos últimos anos, refletindo uma maior sensibilização global ao problema e uma vontade maior dos Estados-membros de enfrentá-lo. Chegou o momento de criar uma Aliança Global contra o Trabalho Forçado, com o apoio de recursos adequados e sob a liderança da OIT, a fim de que tão óbvias violações dos direitos da mulher, do homem e da criança sejam por fim um assunto do passado. |
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