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La insignia
20 de junho de 2005


Dert, Hert, Rert:
Uma introdução à biologia de populações


Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, junho de 2005.


A ecologia e a genética são duas disciplinas biológicas autônomas: cada uma cumpre o seu papel, mesmo quando ignora o tesouro conceitual oferecido pela co-irmã. Em termos formais, ambas surgiram a partir de meados do século 19 - primeiro a ecologia, pouco depois a genética. De lá para cá, tanto uma como a outra terminaram se estabelecendo por caminhos mais ou menos independentes. A cisão e o desconhecimento mútuo entre ecólogos e geneticistas ainda são relativamente comuns hoje em dia. Muitos ecólogos, por exemplo, ignoram a variação genética que há entre indivíduos de uma mesma população, enquanto os geneticistas ainda se referem ao "ambiente" de um organismo de modo extremamente vago e impreciso.

A despeito disso, no entanto, a ecologia e a genética mantêm entre si uma boa margem de sobreposição, principalmente quando são examinadas sob as lentes de uma outra co-irmã, a biologia evolutiva. Zonas de sobreposição entre disciplinas científicas são relativamente comuns, ainda mais quando elas estão tão próximas, como é aqui o caso. Ecologia evolutiva, genética ecológica e genética evolutiva são rótulos freqüentemente utilizados para caracterizar as zonas de sobreposição entre a ecologia, a genética e a evolução, cada uma das quais com seu próprio universo conceitual e um rico arsenal bibliográfico [1]. E isso não é bem uma novidade: artigos caracterizando a ecologia evolutiva como uma área autônoma, com teoria, métodos e enfoques próprios, surgiram há quase meio século, enquanto a genética ecológica e a genética evolutiva têm uma tradição conceitual ainda mais antiga [2].

O que atrai e, ao mesmo tempo, une todas essas disciplinas e subdisciplinas científicas é o interesse comum pelo estudo de populações biológicas, entendidas aqui como agrupamentos de indivíduos co-específicos que vivem temporariamente juntos em um mesmo hábitat. É comum ainda reunir todos esses meandros da ciência dentro de um único pacote, comumente rotulado de biologia de populações. Vale notar que o que mantém esse pacote de disciplinas unido é o interesse comum voltado para fenômenos e processos populacionais. (O que não significa dizer que técnicas e métodos de pesquisa da biologia molecular, por exemplo, não possam ser utilizados em estudos populacionais.) Mais do que uma disciplina científica propriamente dita, poderíamos definir a biologia de populações como uma confluência de disciplinas, cujo objetivo comum é investigar todo e qualquer fenômeno inerente às populações [3].

Como se pode ver, o campo de interesse da biologia de populações é vasto e complexo. Mas é também um bocado instigante: por que algumas populações oscilam tanto de tamanho, enquanto outras se mantêm mais ou menos estáveis? Por que os integrantes de uma mesma população não são todos idênticos entre si? Como e por que as populações mudam ao longo do tempo? Cada uma dessas questões resume uma série de perguntas mais detalhadas e específicas que os biólogos que lidam com populações procuram responder com suas pesquisas. A exemplo do que ocorre em outras ciências, há, durante o processo de busca pelas respostas, uma saudável combinação entre teoria e prática, trabalho de campo e laboratório, estudos descritivos e experimentais. Todavia, ao contrário do que ocorre em outras disciplinas biológicas, há bons motivos para que a biologia de populações tenha um acentuado componente matemático: as propriedades fundamentais que costumamos usar para caracterizar uma população são abstrações derivadas de eventos ou parâmetros coletivas. E a melhor ferramenta de que dispomos para lidar com fenômenos desse tipo é justamente a matemática.

Um bom exemplo disso são os parâmetros utilizados para caracterizar o tamanho populacional e seu processo de crescimento. Como vimos em artigo anterior [4], o tamanho populacional pode ser descrito como um balanço momentâneo entre dois conjuntos dinâmicos de fatores: os ganhos (nascimentos e imigrações) e as perdas (mortes e emigrações) de indivíduos. Populações crescem quando os ganhos (nascimentos + imigrações) superam as perdas (mortes + emigrações), caso contrário elas permanecem estacionárias (ganhos = perdas) ou diminuem de tamanho (ganhos < perdas).

Como uma introdução geral ao estudo da biologia de populações, vamos explorar aqui alguns parâmetros que podem ser usados para caracterizar o crescimento populacional, a começar pela taxa de crescimento per capita - i.e., a diferença entre ganhos e perdas dividida pelo número de indivíduos presentes.


Crescimento populacional

A taxa de crescimento per capita de uma população, representada aqui por G, pode ser calculada como uma razão entre o tamanho populacional em dois períodos consecutivos, a saber

N(t + 1) / N(t) = G,

de onde

N(t + 1) = N(t) * G. [Eq. 1]

Nesta equação, N(t + 1) representa o tamanho da população no período (t + 1) e N(t) é o tamanho da população no período (t). É importante notar que os intervalos que formam a série temporal (t), (t + 1), (t + 2), (t + 3), (t + 4) etc. têm todos a mesma duração, ainda que a escala utilizada para medi-los (dias, meses, anos etc.) possa variar de um estudo para outro. Adotando uma escala mensal, por exemplo, N(t) poderia representar o tamanho inicial da população, então N(t + 1) seria o tamanho da população um mês depois, N(t + 2) o tamanho da população dois meses depois, e assim por diante. É costume substituir o índice t pelo intervalo de tempo correspondente; assim, N(0) representaria o tamanho inicial (t = 0); N(1) seria o tamanho da população após um mês; N(2) seria o tamanho após dois meses; N(3) o tamanho após três meses, e assim sucessivamente.

Admitindo que o valor de G na Eq. 1 permaneça constante, podemos em seguida construir uma série de equações, relacionando o tamanho da população em qualquer período com o seu tamanho no período imediatamente anterior. Teríamos então uma seqüência do tipo

N(1) = N(0) * G,
N(2) = N(1) * G,
N(3) = N(2) * G,
N(4) = N(3) * G, e assim por diante.

Por sua vez, cada uma dessas equações, com exceção da primeira, pode ser reescrita em função da equação imediatamente anterior, a saber

a) N(2) = N(1) * G,
substituindo N(1) por N(0) * G, teríamos
N(2) = N(0) * G * G, de onde obtemos N(2) = N(0) * G^2.

b) N(3) = N(2) * G,
substituindo N(2) por N(0) * G^2, teríamos
N(3) = N(0) * G^2 * G, de onde obtemos N(3) = N(0) * G^3.

c) N(4) = N(3) * G,
substituindo N(3) por N(0) * G^3, teríamos
N(4) = N(0) * G^3 * G, de onde obtemos N(4) = N(0) * G^4.

Poderíamos continuar indefinidamente com essas substituições, mas já deve ter ficado claro que podemos generalizar, obtendo

N(t) = N(0) * G^t. [Eq. 2]

Quer dizer, o tamanho de uma população em um período t qualquer é igual ao tamanho inicial da população multiplicado pela taxa de crescimento per capita elevada a um expoente de valor t. Por exemplo, se N(0) = 100 e G = 1,05, o tamanho da população daqui a quatro períodos de tempo (t = 4) seria igual a N(4) = N(0) * G^4 = 100 * 1,05^4 = 100 * 1,216, de onde chegamos à conclusão de que N(4) seria aproximadamente igual a 122 indivíduos.


Estimando o tamanho de populações reais

O exemplo anterior serve para mostrar como a Eq. 2 funciona, mas não serve para ilustrar o tipo de problema que de fato atormenta biólogos e outros cientistas que lidam com populações. Quer dizer, descobrir o valor de N daqui a t períodos de tempo a partir de um valor conhecido de G é um exercício de aritmética, e não um problema ecológico. O problema ecológico real tem muito mais a ver com a descoberta do valor da taxa de crescimento. E é exatamente essa a dúvida que está por trás de perguntas do tipo: qual rápido uma população de ervas invasoras cresce em uma clareira recém-criada no interior da floresta? Ou, quão rápido uma população de besouros cresce em determinada lavoura de algodão? Ou ainda, quão rápido cresce a parcela da população brasileira que vive nos grandes aglomerados urbanos? Em casos assim, para calcular a taxa de crescimento, precisamos antes descobrir o tamanho da população, no início e no final de um certo período de tempo. Eis, enfim, a questão: como descobrir o tamanho de uma população?

Descobrir o tamanho de populações vegetais ou animais é um problema ecológico fundamental, sobre o qual há uma rica e variada literatura [5]. Na grande maioria das vezes, como não é possível simplesmente contar todos os indivíduos presentes, em particular no caso de espécies animais, devemos estimar o tamanho da população. Alguns dos métodos utilizados para isso envolvem a realização de sessões sucessivas de amostragem, com o emprego de técnicas de captura-marcação-recaptura (CMR). Os indivíduos capturados na primeira amostra são marcados e liberados. Mais tarde, é obtida uma segunda amostra, em circunstâncias equivalentes à primeira. Por trás desse procedimento, há uma premissa muito importante: a captura dos indivíduos (incluindo a própria manipulação, o tempo de retenção e as marcas de identificação utilizadas) é algo mais ou menos inócuo em suas vidas - i.e., que pouco ou nada altera o seu comportamento, não interferindo, portanto, em suas chances de recaptura [6].

Alguns indivíduos da segunda amostra podem estar marcados, outros não. O raciocínio aqui é o seguinte: se a proporção de indivíduos marcados, em relação ao total de indivíduos capturados na segunda amostra, for pequena, podemos então deduzir que as chances de recaptura são pequenas e, portanto, que a população deve ser grande; caso contrário, se a proporção de indivíduos marcados na segunda amostra for grande, as chances de recaptura devem ser grandes e, portanto, a população deve ser pequena. Em resumo, o emprego de técnicas de CMR permite que estimemos o número de indivíduos presentes na população, mas que nunca são vistos. Podemos resumir o que foi dito neste parágrafo na seguinte equação

K(1) / N = R(1) / [R(1) + K(2)],

onde K(1) representa o número de indivíduos capturados pela primeira vez na primeira amostra, K(2) é o número de indivíduos capturados pela primeira vez na segunda amostra e R(1) é o número de recapturas ocorridas na segunda amostra (i.e., indivíduos capturados e marcados na primeira amostra e que foram recapturados na segunda amostra). Podemos trabalhar um pouco para isolar N na equação anterior, assim

N = K(1) * [R(1) + K(2)] / R(1) = [K(1) * R(1) + K(1) * K(2)] / R(1),

de onde, simplificando, obtemos

N = K(1) + [K(1) * K(2) / R(1)]. [Eq. 3]

Em outros termos, o tamanho total da população é igual ao número de indivíduos capturados na primeira amostra mais o resultado de um produto (número de indivíduos capturados a primeira vez na primeira amostra vezes número de indivíduos capturados a primeira vez na segunda amostra) dividido pelo número de recapturas. A Eq. 3 resume em termos matemáticos o que antes foi dito com palavras: quanto maior o número de recapturas, na segunda sessão de amostragem, menor será a parcela a ser somada ao valor de K(1) e, portanto, menor será o tamanho total da população.

Um exemplo: no primeiro dia de amostragem, capturamos e marcamos 25 indivíduos de uma população; no dia seguinte, capturamos 20 indivíduos, cinco dos quais já estavam marcados. Qual seria o tamanho total dessa população? Ou, qual seria o tamanho da população se, no segundo dia, de 30 indivíduos capturados, três já estivessem marcados?

Podemos usar a Eq. 3 para responder a essas duas perguntas, assim

a) No primeiro caso, K(1) = 25; K(2) = 20 - 5 = 15 e R(1) = 5,
então N = K(1) + [K(1) * K(2) / R(1)] = 25 + [25 * 15 / 5] = 25 + (25 * 3) = 25 + 75,
de onde N = 100.

b) No segundo caso, K(1) = 25; K(2) = 30 - 3 = 27 e R(1) = 3,
então N = K(1) + [K(1) * K(2) / R(1)] = 25 + [25 * 27/ 3] = 25 + (25 * 9) = 25 + 225,
de onde N = 250.

Esses resultados ilustram um ponto importante: nossas estimativas para o tamanho de uma população estão sujeitas a uma gama ampla de variação, dependendo dos números obtidos nas sessões de amostragem. Esse é um dos motivos pelos quais os teóricos que lidam com esse assunto falam em erros de amostragem. Para evitar problemas desse tipo, devemos prestar atenção a uma importante recomendação: o esforço de amostragem deve ser tal que nenhum dos valores obtidos - em especial K(1) e K(2) - seja inferior a 30. (Uma recomendação como essa, claro, só faz sentido se o tamanho real da população for superior a 30 indivíduos.)

Podemos aproveitar esse último exemplo para explorar também algumas questões que nos aproximariam um pouco mais da realidade. Por exemplo, qual deveria ser o intervalo de tempo entre as duas sessões de amostragens? A rigor, não há uma resposta única, mas como uma recomendação geral devemos tentar atingir um meio-termo entre fatores conflitantes, a saber: (i) o intervalo deve ser suficientemente longo, a ponto de permitir que os indivíduos capturados na primeira amostragem voltem a se misturar com os demais integrantes da população; e (ii) o intervalo deve ser suficientemente curto, de modo a minimizar ganhos (nascimentos e imigrações) e perdas (mortes e emigrações) de indivíduos.

No caso de populações viscosas, cujos integrantes são relativamente sedentários, ou ainda no caso de organismos de vida longa, os intervalos tendem a ser maiores; ao contrário, no caso de populações fluídas, cujos integrantes são bastante móveis, ou no caso de organismos de vida curta, o intervalo tende a ser menor. Muitas populações de insetos, por exemplo, podem ser amostradas de um dia para o outro. Na verdade, algo assim poderia ser feito mesmo em estudos de longa duração; desse modo, é possível monitorar as flutuações numéricas de uma população ao longo de períodos relativamente longos (um ano ou mais), realizando sessões de amostragem de um dia para o outro a intervalos regulares (digamos, no primeiro dia de cada mês).

De outro modo, podemos também conduzir estudos populacionais de média ou longa duração envolvendo sessões de amostragens periódicas. (Estamos pensando aqui em exemplos envolvendo populações de organismos de vida longa.) Nesse caso, chamado de censo múltiplo, a Eq. 3 já não serviria mais para estimar o tamanho da população [7]. E não é difícil perceber o motivo: quando temos mais do que duas sessões de amostragens, a origem de recapturas recorrentes passa a incluir um número crescente de alternativas do passado. Imagine, por exemplo, que estejamos realizando censos semanais de uma determinada população; pense então em todas as possibilidades de recaptura durante a, digamos, quinta sessão de amostragem: alguns indivíduos podem estar sendo capturados pela primeira vez, enquanto os indivíduos recapturados podem ter sido capturados a primeira vez em diferentes sessões anteriores (quarta, terceira etc.). Nesses casos, nada impede também que os indivíduos sejam recapturados mais de uma vez, o que na verdade passa a ocorrer em uma freqüência cada vez maior, à medida que o estudo perdura e o número de sessões de amostragem aumenta.


Convertendo G em um expoente

Vamos nos debruçar um pouco mais sobre a Eq. 2. Nessa equação, que fornece o tamanho populacional em qualquer período t de tempo, G é a chamada taxa de crescimento geométrico e seu valor pode ser convertido diretamente em percentuais de crescimento. Um valor de G igual a 1 corresponderia a um crescimento de 100 por cento - i.e., cada integrante da população estaria em média apenas substituindo a si próprio na próxima geração. Com esse valor de G, portanto, a população permanece estacionária, sem aumentar nem diminuir. Podemos conferir isso, lembrando que

N(t) = N(0) * G^t,

fazendo G = 1 e substituindo, obtemos

N(t) = N(0) * 1^t = N(0) * 1,

de onde

N(t) = N(0).

Quer dizer, quando G = 1, o valor de N(t) permanece indefinidamente igual a N(0), a despeito do valor de t. As outras alternativas, seriam as seguintes:

(i) Se G < 1, a população diminui. Digamos, no caso de G = 0,75 ou G = 0,9, a população diminui a um ritmo de 25 e 10 por cento, respectivamente. Um exemplo: se N(0) = 100 e G = 0,75, o tamanho da população daqui a quatro períodos de tempo (t = 4) seria igual a N(4) = N(0) * G^4 = 100 * 0,75^4 = 100 * 0,316, de onde chegamos à conclusão de que N(4) seria aproximadamente igual a 32 indivíduos.

(ii) Se G > 1, a população aumenta. No caso de G = 1,3 ou G = 1,8, a população aumenta a um ritmo de 30 e 80 por cento, respectivamente. Um exemplo: se N(0) = 100 e G = 1,8, o tamanho da população daqui a quatro períodos de tempo (t = 4) seria igual a N(4) = N(0) * G^4 = 100 * 1,8^4 = 100 * 10,498, de onde chegamos à conclusão de que N(4) seria aproximadamente igual a 1.050 indivíduos.

A despeito dessa facilidade em traduzir G em termos percentuais, há bons motivos matemáticos para converter a taxa de crescimento da Eq. 2 em um expoente. Isso pode ser feito igualando G a uma expressão cuja variável esteja no expoente, digamos

G = e^r,

onde e é uma constante, chamada de número natural ou neperiano, cujo valor numérico é igual a 2,718..., e r representaria a taxa de crescimento exponencial. Substituindo G na Eq. 2 pela expressão acima, obtemos

N(t) = N(0) * G^t = N(0) * (e^r)^t,

de onde

N(t) = N(0) * e^rt. [Eq. 4]

Por motivos de simplificação, a Eq. 4 às vezes aparece escrita como N(t) = Ne^rt - ou, transformando a simplificação em acrônimo, N(t) = Nert. A exemplo do que foi comentado sobre a taxa geométrica, muitas vezes os cientistas que lidam com populações estão interessados em calcular o valor de r, a partir de suas estimativas para N(0) e N(t). Podemos trabalhar um pouco mais e isolar r na Eq. 4, assim

N(t) = N(0) * e^rt,

aplicando logaritmo de base e (ln) em ambos os lados da equação, obtemos

ln N(t) = ln [N(0) * e^rt] = ln N(0) + ln (e^rt) = ln N(0) + rt * ln e,

sabendo que ln e = 1, podemos simplificar

ln N(t) = ln N(0) + rt * 1 = ln N(0) + rt,

de onde

rt = ln N(t) - ln N(0),

temos então

r = [ln N(t) - ln N(0)] / t. [Eq. 5]

Em palavras, a taxa de crescimento exponencial per capita é igual à diferença entre os logaritmos dos tamanhos populacionais (i.e., logaritmo do tamanho atual menos logaritmo do tamanho inicial) dividido pelo número de períodos transcorridos. Por exemplo, sabendo que N(6) = 600 e N(0) = 100, podemos usar a Eq. 5 para calcular r, a saber

r = [ln N(6) - ln N(0)] / 6 = (ln 600 - ln 100) / 6,

sabendo que ln 600 = 6,397 e ln 100 = 4,605, obtemos

r = (6,397 - 4,605) / 6 = 1,792 / 6,

de onde chegamos à conclusão de que r seria aproximadamente igual a 0,299 [8].


Introduzindo variação genética em uma equação

Seja uma população de besouros herbívoros formada por N indivíduos diplóides que se reproduzem uma vez por ano e apenas por via sexuada. Todos os indivíduos são portadores de um gene autossômico, que possui um único par de alelos alternativos: A, o alelo dominante e a, o recessivo. Cada indivíduo, portanto, é portador de um entre três genótipos possíveis: o genótipo dominante (AA), o heterozigoto (Aa) e o recessivo (aa). Imaginemos ainda que esse gene esteja relacionado ao comportamento de oviposição das fêmeas da população, de tal modo que as fêmeas AA preferem ovipôr em plantas-hospedeiras que crescem em hábitats ensolarados, onde cerca de 80 por cento dos seus ovos são encontrados, enquanto os 20 por cento restantes são distribuídos entre plantas que crescem em hábitats sombreados. Fêmeas aa fazem exatamente o contrário: ovipõem preferencialmente em plantas sombreadas, onde deixam cerca de 80 por cento dos ovos, distribuindo os 20 por cento restantes entre plantas que crescem em hábitats ensolarados. Por fim, fêmeas Aa não mostram sinais de preferência, deixando metade dos ovos em cada tipo de hábitat.

Em termos simbólicos, podemos resumir a composição dessa população da seguinte maneira

N = D + H + R,

onde N representa o tamanho total da população; D é o número de portadores do genótipo dominante; H é o número de portadores do genótipo heterozigoto e R é o número de portadores do genótipo recessivo. Podemos substituir N(0) na Eq. 5 pela expressão acima, fazendo

N(t) = N(0) * e^rt = (D + H + R) * e^rt,

de onde obtemos

N(t) = De^rt + H^ert + R^ert. [Eq. 6]

Vale frisar que fêmeas de diferentes genótipos distribuem seus ovos nos mesmos hábitats, mas em percentuais diferentes. Ademais, como as chances de sobrevivência dos ovos variam de acordo com o hábitat (a taxa de mortalidade no sol é maior do que na sombra), podemos admitir que o sucesso reprodutivo das fêmeas varie de acordo com o seu genótipo. Nesse caso, uma ou outra classe genotípica estaria sendo beneficiada numericamente em detrimento das demais. Não precisamos entrar em maiores detalhes, mas nesse ponto deveria estar claro que seria mais realista, em termos ecológicos, adotar valores diferentes para r, de acordo com as respectivas classes genotípicas. No caso da Eq. 6, teríamos então

N(t) = De^r(D)t + H^er(H)t + R^er(R)t. [Eq. 7]

onde r(D) representa a taxa de crescimento per capita dos portadores do genótipo dominante; r(H) é taxa de crescimento do genótipo heterozigoto e r(R) é a taxa de crescimento dos portadores do genótipo recessivo.

Não sendo possível obter esse grau de detalhamento, como muitas vezes não o é, adota-se mesmo uma equação com o formato da Eq. 5, na qual os termos N(0) e r são simplificações. Todavia, sempre que possível, biólogos de populações procuram examinar exatamente o que há por trás desses dois parâmetros. Além de poder incorporar eventuais diferenças genotípicas, a Eq. 5 pode ser transformada de modo a incluir outras fontes de variação intrapopulacional [9]. Isso porque, com exceção talvez de populações microbianas, toda e qualquer população natural é formada por indivíduos que diferem entre si em importantes parâmetros demográficos, como a idade ou o estágio de desenvolvimento.

Mais uma vez, no entanto, precisamos de um meio-termo: incorporar expressões que aumentem o grau de realismo biológico tende a rapidamente transformar equações simples em monstrengos pouco manipuláveis ou nada inteligíveis. E essa é uma das preocupações dos teóricos que constroem modelos do mundo natural: capturar e retratar a maior quantidade possível de realismo, usando para isso uma quantidade mínima de parâmetros.


Notas

(*) Biólogo meiterer@hotmail.com, autor do livro ECOLOGIA, EVOLUÇÃO & O VALOR DAS PEQUENAS COISAS (2003).

1. Ver, por exemplo, Ford, E. B. 1964. Ecological genetics. London, Methuen; Pianka, E. 1974. Evolutionary ecology. NY, Harper; Merrell, D. J. 1981. Ecological genetics. London, Longman; e Maynard Smith, J. 1989. Evolutionary genetics. Oxford, Oxford University Press.
2. Sobre a imbricação entre essas disciplinas, particularmente entre a ecologia e a evolução, ver Orians, G. H. 1962. Natural selection and ecological theory. American Naturalist 96: 257-263; e Harper, J. L. 1967. A Darwinian approach to plant ecology. Journal of Ecology 55: 242-270.
3. Ver Lewontin, R. C., org. 1968. Population biology and evolution. Syracuse, Syracuse University Press; e Wilson, E. O. & Bosser, W. H. 1971. A primer of population biology. Sunderland, Sinauer.
4. Ver artigo "BIDE: uma introdução à ecologia matemática"
http://www.lainsignia.org/2004/octubre/ecol_007.htm
5. No caso de populações vegetais, ver Harper, J. L. 1977. Population biology of plants. London, Academic; sobre populações animais, ver Southwood, T. R. E. 1978. Ecological methods, 2nd edition. London, Chapman; e Seber, G. A. F. 1982. The estimation of animal abundance and related parameters. London, Griffin.
6. Para um exemplo de possíveis problemas envolvendo essa metodologia, ver artigo "Quebrar os dedos, não!"
http://www.lainsignia.org/2004/diciembre/ecol_012.htm.
7. Para exemplos e detalhes técnicos envolvendo censos múltiplos, ver Krebs, C. J. 1989. Ecological methodology. NY, HarperCollins.
8. Podemos reconverter essa taxa exponencial em taxa geométrica de crescimento, bastando para isso resolver a igualdade G = e^R = e^0,299, de onde concluimos que G seria aproximadamente igual a 1,349 - i.e., um crescimento positivo de 34,9 por cento.
9. Modelos populacionais comumente incorporam diferenças intrapopulacionais relacionadas à idade ou ao estágio de desenvolvimento; para detalhes, ver Crow, J. F. & Kimura, M. 1970. An introduction to population genetics theory. NY, Harper; Roughgarden, J. 1979. Theory of population genetics and evolutionary ecology: an introduction. NY, MacMillan; Caswell, H. 1989. Matrix population models. Sunderland, Sinauer.



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