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La insignia
3 de junho de 2005


Restauração ecológica de áreas degradadas


Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, junho de 2005.


Apesar do nome, a Zona da Mata mineira (sudeste de Minas Gerais) guarda muito pouco de sua vegetação primitiva - um mosaico de florestas (sempre-verdes, decíduas, semidecíduas etc.) heterogêneas, crescendo sobre um relevo bastante acidentado. Vegetação semelhante já cobriu metade da área do estado e toda a borda oriental do país, compondo um bioma genericamente conhecido como "floresta atlântica". Quando os europeus chegaram por aqui, em 1500, os domínios da floresta atlântica correspondiam a cerca de 14 por cento do território brasileiro; seus remanescentes atuais, no entanto, não ocupam mais do que 8 por cento da área original. (Trocando em miúdos, aproximadamente 1 por cento [0,14 * 0,08 = 0,0112] do território brasileiro abriga hoje remanescentes desse bioma.)

Em números absolutos, Minas Gerais já foi o estado com mais quilômetros quadrados de floresta atlântica. Hoje, é difícil acreditar que algum trecho de floresta primária ainda esteja de pé na Zona da Mata mineira. O que vemos nas encostas e nos topos das montanhas são florestas secundárias relativamente jovens, com menos de 50 anos. Apesar disso, em muitos casos ainda é possível trabalhar na recomposição de florestas semelhantes às originais, tanto em termos de composição de espécies como de atributos ecológicos (diversidade, produtividade etc.) - um processo que poderia ser resumidamente descrito como a maturação de florestas secundárias ao longo do tempo.

Para isso, no entanto, concorrem duas coisas: (1) uma política de conservação, que procure garantir a integridade do maior número possível de fragmentos remanescentes; e (2) um certo nível de informação e conhecimento ecológicos, que possam ser facilmente convertidos em ações e medidas concretas de restauração. O primeiro fator é uma variável política, o que significa dizer que sua implementação depende muito mais da ação dos governantes (municipais, estaduais ou federais) e de parcelas da sociedade civil (associações de moradores, ONGs, sindicatos etc.) diretamente envolvidas com o problema. Já o segundo depende mais da comunidade acadêmica, escapando até certo ponto dos imperativos da administração pública local. Uma combinação adequada desses dois fatores pode resultar em um programa efetivo de manutenção e, quem sabe, de futura expansão dos remanescentes atuais.

A comunidade científica brasileira envolvida com pesquisas em biologia da conservação - "a ciência da escassez" - ainda é relativamente pequena, embora venha crescendo e já tenha produzido alguns resultados promissores [1]. Uma importante linha de pesquisa refere-se à recuperação de áreas degradadas, como pastos abandonados, terrenos contaminados por metais pesados ou mesmo paisagens cuja vegetação foi inteiramente suprimida. Em certos casos, a recuperação de uma área degradada pode resultar na restauração de sua vegetação primitiva; no caso brasileiro, isso quase sempre significa a restauração de uma paisagem florestal, formada por florestas fechadas (floresta amazônica e floresta atlântica) ou abertas (cerrado e caatinga).

Áreas degradadas abandonadas tendem a ser recolonizadas naturalmente, ainda que o resultado final desse processo espontâneo de sucessão ecológica possa ser uma paisagem algo diferente da original. Na verdade, um dos problemas mais graves aqui é que a escala de tempo para que esse processo ocorra espontaneamente - i.e., sem nossa intervenção deliberada - é medida em dezenas ou mesmo centenas de anos. E esse é justamente um dos motivos pelos quais biólogos e outros cientistas estão pesquisando o assunto: como é possível promover e acelerar a sucessão ecológica? Mais especificamente, existem processos ou mecanismos naturais que possam ser empregados (em larga escala e a custo "zero") para acelerar a sucessão e, assim, apressar a recuperação de extensas áreas degradadas?

Pesquisas sobre sucessão são demoradas e os resultados surgem lentamente. Todavia, algumas noções gerais estão bem-estabelecidas e já foram traduzidas em sugestões e medidas práticas, que podem ser adotadas em programas de restauração [2]. Aumentar o trânsito local de frugívoros, por exemplo, seria uma dessas sugestões. A presença desses animais, notadamente aves e morcegos frugívoros, tende a aumentar a disponibilidade local de sementes de modo bastante significativo. Aves e morcegos costumam se alimentar empoleirados nas proximidades da árvore-fonte; desse modo, vão despejando (regurgitando ou evacuando) sementes do fruto comido sob o poleiro. As marcas desse hábito são facilmente identificáveis (inclusive em áreas urbanas), pois as árvores usadas como poleiros passam a ter sob sua copa uma grande quantidade de sementes e plântulas em crescimento, quase sempre de várias outras espécies de árvore.

Eis aqui, portanto, um exemplo de medida restauradora que é ao mesmo tempo simples, barata e engenhosa: de nossa parte, construímos e oferecemos poleiros (e.g., uma vara de bambu, com 3-4 m de altura, armada com três ou quatro pedaços menores amarrados transversalmente, mimetizando assim ramos de árvores a diferentes alturas); em retribuição, certos animais frugívoros passam a trazer sementes. Ademais, após o nosso empurrão inicial, esse é tipicamente um processo de autopromoção: mais sementes geram mais plântulas, que geram mais árvores, que produzem mais frutos, que atraem mais frugívoros...

Os especialistas que estudam o assunto investigam, inclusive, o modo mais adequado de distribuir os poleiros, concentrando esforços de modo a torná-los ainda mais atraentes e dinâmicos. De um jeito ou de outro, construir poleiros é apenas uma das técnicas empregadas para aumentar a densidade local de propágulos (sementes, no caso). Aumentar a presença de propágulos, por sua vez, é um dos métodos de promover a sucessão. Essas e outras tantas alternativas fazem da ecologia da restauração uma ferramenta potencialmente muito útil e promissora na recomposição da paisagem fragmentada de vários biomas brasileiros, notadamente a pulverizada floresta atlântica.


Notas

(*) Biólogo meiterer@hotmail.com, autor do livro ECOLOGIA, EVOLUÇÃO & O VALOR DAS PEQUENAS COISAS (2003). Versão reduzida desse artigo, intitulada "Áreas degradadas e baldes", foi publicada no jornal Tribuna de Minas (Juiz de Fora, MG), em 16/03/1997.

1. Por exemplo, Uhl, C.; Nepstad, D.; Vieira, I. & Silva, J. M. C. 1991. Restauração da floresta em pastagens degradadas. Ciência Hoje 76: 22-31; e Furtado, F. 2003. Exótico invasor. Ciência Hoje 195: 60-61; para uma introdução à biologia da conservação, ver Primack, R. B. & Rodrigues, E. 2001. Biologia da conservação. Londrina, Edição dos Autores.

2. Ver Luken, J. O. 1990. Directing ecological succession. London, Chapman; para uma introdução geral à ecologia da restauração, ver Jordan, W. R., III; Gilpin, M. E. & Aber, J. D., eds. 1987. Restoration ecology: a synthetic approach to ecological research. Cambridge, Cambridge University Press.



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