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La insignia
12 de fevereiro de 2005


EUA en guerra: Entrevista com Sammi Alaa

«No Iraque ocupado, a mulher recuou mil anos»


__EEUU en guerra__
2001-2002 2003 2004 2005
Mário Maestri e Florence Carboni (*)
La Insignia. Italia, fevereiro de 2004.



Em 1988, com quatorze anos, Sammi Alaa deixou sua cidade natal, quando seu pai e sua mãe, ambos enfermeiros de um hospital público e militantes comunistas, partiram para o exterior para escaparem à polícia política. Apenas em 1998, Sammi retornou ao Iraque, já como militante da Aliança Patriótica Iraquiana, da qual constitui um dos três porta-vozes no exterior. Sammi vive atualmente na Dinamarca, onde concluiu seus estudos em sociologia. Sammi participou do Forum Social Mundial, em Porto Alegre, devido a uma iniciativa do Campo Anti-imperialista. No dia 29 de fevereiro, Sammi falou longamente sobre a atual situação no Iraque.


-O que é, precisamente, a Aliança Patriótica Iraquiana

-A Aliança Patriótica Iraquiana formou-se, no exterior, em 1992, como reação à primeira agressão geral imperialista ao Iraque, com a reunião de militantes de diversas origens, em grande parte refugiados no exterior, em geral conhecidos lutadores políticos e sociais, que abandonaram suas divergências em prol de programa anti-imperialista de defesa do país. Na fundação da API, na Suécia, participaram militantes baathistas dissidentes, pan-árabes, comunistas, marxistas, marxistas-leninistas. A Aliança possui igualmente militantes nacionalistas curdos, turcomanos, xiitas e sunitas, em menor número.

-Em forma sintética, qual era o programa da API?

-Antes da ocupação imperialista do Iraque, nossa grande reivindicação era a liberdade política e a conciliação nacional que permitissem a unificação de todas as forças patrióticas e populares contra a agressão imperialista. Para tal, em 2002, representantes da Aliança Patriótica Iraquiana procuraram negociar com o governo iraquiano anistia geral que facilitasse a formação de um movimento unificado contra a invasão. Com a guerra, a direção da API decidiu o retorno de todos seus militantes ao país. Na ocasião, decidiu-se que seriam mantidos três porta-vozes no Exterior.

-Qual o principal objetivo da API quanto à resistência iraquiana?

-Nosso movimento e nossos militantes apóiam incondicionalmente a resistência militar à ocupação imperialista, não reconhecendo qualquer negociação, órgão ou instituição nascidos à sombra do poder invasor. Porém, um dos nossos principais objetivos era e é a formação de frente política que unifique e represente essa oposição. No desempenho desse esforço, em 4 de setembro de 2004, nosso secretário geral, Abduljabbar Al-kubaysi, foi preso por tropas anglo-estadunidenses, que temem fortemente essa unificação.

-O companheiro Al-kubaysi está desaparecido, não?

-O companheiro Al-kubaysi é engenheiro civil, de 58 anos, casado, com dois filhos. Antes de retornar ao Iraque, ele viveu refugiado do regime de Saddam Hussein, primeiro na Síria e, a seguir, por sete anos na França. Atualmente, sua família, seus amigos e seus companheiros de luta e de idéias reivindicam que a Cruz Vermelha e a Anistia Internacional exijam que os invasores revelem onde está ou o que sucedeu a Al-kubaysi, já que eles negam simplesmente a detenção, feita com operativo que envolveu dois helicópteros, blindados e dezenas de soldados estadunidenses. Ou seja, uma prisão feita, à luz do dia, diante de dezenas de testemunhas. Após a ocupação, milhares de cidadãos, homens e mulheres, jovens, adultos e idosos, foram e continuam sendo presos, torturados e não raro, executados. O que a mídia revelou até agora é apenas a ponta de um iceberg de dor e de terror.

-Quais são atualmente as principais forças da resistência?

-Hoje, em forma geral, a resistência militar tem três grandes vertentes. A primeira, é constituída por núcleos de combatentes formados por militantes baathistas, pan-árabes, socialistas, comunistas patrióticos, etc. A segunda, é constituída sobretudo por oficiais e soldados do antigo exército de Saddam, que não depositaram as armas e prosseguem resistindo. O terceiro grupo é formado por militantes religiosos sunitas e xiitas. Em geral, esses grupos foram formados por patriotas, que ingressaram individualmente na resistência, e não devido a uma ordem superior de um partido, de um líder, etc. São grupos esparsos, no máximo articulados local ou regionalmente. Sobretudo por isso a API mobiliza-se pela unificação política desse esforço patriótico.

-Qual a real força dos grupos religiosos islâmicos?

-Os grupos religiosos não são mais do que uns dez por cento de toda a resistência iraquiana. Todos os grupos que participam da resistência têm direito ao apoio e ao respeito total. Entretanto, nenhum desses grupos pode pretender aparecer, diante da opinião interna e externa, com uma dimensão que não possui, no seio da própria resistência.

-O que unifica esse grupos?

-Em geral, a resistência concorda com dois grandes pontos. Ou seja, a necessidade de liberar o Iraque das forças imperialistas de ocupação e de transformar o país em uma nação independente e democrática, que respeite os direitos de todos, sem exceção. Para chegarmos a isso é que reconhecemos como ilegítima qualquer decisão e instituição nascida da ocupação militar, que legitima os objetivos da própria ocupação.

-Qual o real peso do fundamentalismo islâmico no Iraque?

-A sociedade iraquiana é uma sociedade de grande tradição secular, multi-étnica e pluri-religiosa. No Iraque, vivem povos de origem árabe, européia, curda, turcomana, etc., que professam a religião cristã, judaica, muçulmana xiita e sunita, etc. Em verdade, nenhum governo iraquiano, seja a monarquia, seja os governos que se sucederam após a Revolução de 1958, jamais tentaram impor um sistema único. Essa diversidade é uma das razões da resistência à ocupação anglo-estadunidense, que tenta impor um modelo único de vida.

-Então, por que tem crescido a importância da religião no Iraque?

-As forças imperialistas pressionam fortemente a sociedade iraquiana em direção à intransigência religiosa e ao integralismo islâmico. Os imperialismos britânico e estadunidense sempre apoiaram o fundamentalismo religioso, como meio de combater o nacionalismo, o socialismo, o comunismo, o pan-arabismo. Eles criaram e sustentam monarquias e ditaduras integralistas muçulmanas anti-democráticas na Arábia Saudita, Kuwait, Paquistão, etc. para explorar as riquezas dessas nações e manter as populações submetidas. Em setembro do ano passado, Bush declarou que não tem oposição ao surgimento de regime religioso no Iraque. Os ataques aos direitos da mulher promovidos por Paul Bremer devem-se a esse projeto.

-O companheiro podia explicar melhor essa questão?

-Após a Revolução de 1958, a mulher iraquiana adquiriu muitos amplos direitos, mesmo em relação ao chamado Ocidente, no relativo ao trabalho, à educação, ao direito familiar, ao comportamento, etc. A mulher possuía direito à educação primária, secundária e superior gratuita. Minhas irmãs estudaram sempre gratuitamente no Iraque. O apoio à maternidade e à mulher trabalhadora era substancial. Minha mãe passou dois anos em casa, após o parto, com salário integral. A mulher tinha direito a iniciar ação de divórcio e a receber apoio econômico do ex-marido, quando necessitava. Após o divórcio, tinha o direito incondicional de guarda do filho até os sete anos. Apenas a seguir, era possível uma decisão judiciária sobre a guarda da criança.

-E na vida pública, administrativa?

-Antes de 1990, as mulheres eram numerosas na administração pública, ocupando em torno de quarenta por cento dos cargos. Como parte do apoio ao fundamentalismo islâmico, Paul Bremer promoveu os dois partidos xiitas e limitou a participação das mulheres no governo. Mais ainda, ditou lei que acabou com o anterior Estatuto Laico da Mulher, dando prioridade à Charia, segundo a qual os clérigos integralistas decidem o que querem. Com os estadunidenses, os direitos da mulher iraquiana recuou mil anos no Iraque! Nós consideramos o ataque contra os direitos da mulher como parte fundamental do plano de ocupação que quer estabelecer um Estado religioso no Iraque.

-Mas há também um islamismo popular, anti-imperialista?

-A resistência militar tende, igualmente, a favorecer o fortalecimento do sentimento religioso. O partido Baath, que sempre foi secular, e todos os outros partidos laicos que se mobilizaram contra a ocupação, foram proibidos e reprimidos pelos invasores. A população que se opõe de qualquer modo à ocupação, mesmo militantes socialistas e comunistas, tendem a se dirigir naturalmente à mesquita, que se tornou centro fundamental de ação política.

-Qual a avaliação da resistência, após pouco mais de um ano de ocupação estadunidense?

-A resistência fortaleceu-se, do ponto de vista geográfico, estendendo-se do Norte ao Sul. No exterior, aparece que ela se restringe sobretudo à área sunita. Em verdade, a luta é mais forte ali onde há mais tropas estadunidenses. Do ponto de vista étnico, todos os grupos iraquianos, sunitas, xiitas, laicos, etc., participam da resistência. A resistência se fortaleceu quantitativamente. A cidade de Falluja foi literalmente arrasada, por aviões, blindados, etc., em início de novembro e, ainda agora, em fins de janeiro, a luta continua na cidade. Rumsfeld foi obrigado a confessar que a resistência está agora mais forte do que antes das eleições estadunidenses. Houve também salto qualitativo, como prova o abatimento, há dois dias, de helicóptero pesado estadunidense. Os generais estadunidenses já reconheceram que há praticamente trinta cidades resistindo. Há boa possibilidade de que, após a farsa das eleições, a resistência passe a lutar pelo controle de cidades inteiras.

-Como vê as eleições? O que as forças de ocupação procuram com ela?

-Por paradoxal que pareça, a própria farsa das eleições é concessão do imperialismo à resistência. Ao ocuparem o Iraque, os anglo-estadunidenses declararam que governariam por dez anos, antes de entregar o governo aos títeres. Nessa época, a resistência apenas começava a mostrar seu punho de ferro. Logo, os anglo-estadunidenses foram obrigados a formar o governo fantoche e, a seguir, quando a resistência armada incendiou o país, tiveram que promover eleições. Os ocupantes não conseguem uma vitória militar e tentam forjar uma vitória política. As concessões formais deveram-se também à vontade de legitimar a ocupação, já que a própria carta das Nações Unidas exige que as forças de ocupação se comportem segundo as leis internacionais.

-Mas quais são as forças que apóiam a ocupação imperialista?

-Os dois partidos xiitas que apóiam as eleições chegaram ao Iraque na esteira dos blindados e são partes do plano dos estadunidenses, que darão o poder para eles, desde que sustentem seus objetivos. Esses partidos não representam a população xiita. O norte do Iraque encontra-se, há anos, fora do poder do governo iraquiano. A maioria da população curda considera que os estadunidenses podem protegê-la. A revolução de 1958 nacionalizou as riquezas do país, golpeando duramente a burguesia comercial sunita e xiita. Ela certamente apóia a política de privatização empreendida pelos anglo-estadunidenses. O boicote ditado pelos USA através da ONU, após a agressão de 1991, fez quase desaparecer a classe média iraquiana. Alguns setores da mesma certamente procurarão se locupletar com a nova ordem.

-Quais eram as condições de vida da população antes da guerra e do boicote de 91?

-Do ponto de vista econômico e social, as condições eram muitos boas. Porém, o mesmo não ocorria do ponto de vista político. A Revolução de 1958 garantiu o direito à saúde, com gratuidade do tratamento e dos remédios. A educação era grátis, do primário à universidade. Todo mundo tinha direito ao trabalho e a um terreno urbano ou rural, para construir uma casa, em boa parte financiada pelo Estado. Tudo era pago com a renda do petróleo nacionalizado. Depois da guerra estadunidense e do boicote da ONU, a situação piorou muito, já que o governo não tinha dinheiro para nada. Nos fatos, o boicote preparou a invasão yankee.

-E atualmente, qual é a situação da população?

-Agora, depois da ocupação, quase setenta por cento da população está sem trabalho. Falta luz, falta água, falta trabalho, Falta, até mesmo, gasolina! E, agora, com as privatizações, temos que pagar por tudo. O ministro estadunidense que assumiu inicialmente a pasta da Agricultura, declarou aos populares que reivindicavam, a cada dia, na porta do ministério, que eles tinham que abandonar o espírito socialista, no qual o Estado dá tudo! Os manifestantes eram trabalhadores do ministério que exigiam os salários atrasados! Hoje todo o Estado está privatizado. Não há mais medicina gratuita, não há mais remédios gratuitos, não há mais educação gratuita.

-Qual a avaliação sobre o movimento mundial contra a ocupação militar imperialista do Iraque?

-O movimento é fraco, comparado à gravidade da agressão. Em geral, não se vê a seriedade do que está acontecendo. No Iraque se está lutando pela liberdade de todos os países e de todos os povos do mundo.

***

A grande revolução iraquiana de 1958

Nos anos 1940, a revolução voltou a agitar o Oriente colonizado. Em 1943, intelectuais sírios fundavam o partido Baath - Renascimento -, nacionalista, laico e pan-árabe, que cresceu rapidamente na Síria, ao contrário do Iraque, onde era fortíssimo o partido comunista. Em 14 de julho de 1958, oficiais nacionalistas depuseram a monarquia pró-britânica. A família real foi executada e a população tomou as ruas das cidades. Na época, o Baath iraquiano tinha uns mil militantes. A obra revolucionária seria profunda: nacionalização do petróleo, nas mãos inglesas; limitação da propriedade da terra irrigada e não-irrigada; imposto sobre os altos rendimentos; congelamento e diminuição dos aluguéis; controle dos preços dos gêneros de primeira necessidade; regulamentação da jornada de trabalho; educação pública e gratuita das crianças pobres de ambos os sexos; reconhecimento de direitos da mulher. Em 1961, a Revolução foi vergada por golpe promovido pelo partido Baath, apoiado pelos grandes proprietários e pelos estadunidenses. Nos anos 1960, Saddam Hussein subiu ao poder, para, em fins dos anos 1970, impor sua ditadura e, a seguir, envolver o pais em guerra fratricida contra o Irã, a serviço do imperialismo estadunidense.


(*) Florence Carboni (52, italiana, linguista) e Mário Maestri (56, gaúcho, historiador) são autores de A linguagem escravizada [São Paulo: Expressão Cultural, 2003].



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