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La insignia
20 de agosto de 2005


O valor das crises


Luís Carlos Lopes
La Insignia. Brasil, agosto de 2005.


Os momentos de crise são como janelas abertas em um dia de sol. A luminosidade avança em todas as direções mostrando o que, no cotidiano anterior, só se podia ver pelas sombras projetadas. São ricos, por permitirem que seja visto, por quem o quiser, aquilo que já se dizia ou pressentia, ainda sem provas, e sem chamar à atenção dos passantes. A crise provoca a dor, destila a emoção, mas é pródiga na mudança dos rumos, na direção de uma maior clarividência dos espíritos.

No Brasil de hoje, vive-se uma crise política, mais uma, dentre as inúmeras da modernidade. Pelo menos, esta ainda não piorou o quadro econômico e social, aumentando o sofrimento dos mais pobres. Sua especificidade é inegável. Pensava-se que o governo Lula enfrentaria turbulências. Há dois anos, ninguém imaginava a natureza possível das atuais problemas. A crise se instalou de modo definitivo, pelo menos, para o atual governo. Ninguém sabe se haverá um desfecho morno ou eloqüente, ou se ela arrastar-se-á sem saída ou solução como um barco à deriva, sem mastro, leme ou direção.

Há quem prefira personalizar a crise, imaginá-la como um problema dos seus atores, muitas vezes, próximos da performance dos canastrões de telenovelas. Há quem acredite em responsabilidades pessoais e em problemas de caráter guiando os fatos e definindo os desdobramentos. Chovem ataques às pessoas e preparam-se os cadafalsos da modernidade para que os 'culpados' sejam punidos com rigor e como exemplo da moralidade pública. Nada indica que o show deva parar de imediato. Jamais houve tantas comissões parlamentares de inquérito funcionando ao mesmo tempo.

Obviamente, que existem 'culpas' de indivíduos. Mas, o exagero dos argumentos moralistas usados contra estes tipos de criminosos nas mídias tende a esconder as engrenagens que os criam, para destruí-los em ato contínuo e, logo que preciso, voltar a recriá-los. Falam-se dos monstros, no claro intuito de esconder seus criadores. As criaturas são tratadas como autênticos demônios, enquanto os 'deuses' que as criaram permanecem encobertos em véus protetores.

Enquanto este circo vai sendo montado, a miséria continua a golpear forte a milhões de brasileiros sem terra, sem teto ou trabalho. Atinge até os que conseguem um pouco disto tudo, sem poder, mesmo assim, viver com dignidade. Neste imenso país continental, como em muitos outros da América Latina, ter um teto, um pedacinho de terra ou um trabalho não garante que se tenha comida suficiente e outras coisas necessárias à vida. De paradoxo em paradoxo, a vida vai sendo levada nas condições que são impostas à grande maioria.

O Brasil continua sendo um país rico, com um dos povos mais pobres da face da Terra. Não se divide o pão para valer, por mais que se alardeie nossa fidelidade aos dogmas da cristandade. O que prevalece é a regra dura do tipo de capitalismo que é desenvolvido nos rincões da América Latina. Nas cidades maiores, quem não tem dinheiro, não tem como comprar algumas gramas ou centímetros de felicidade. Quem vive mais longe dos grandes centros, ainda pode pescar, caçar e colher alcançando o básico para a sobrevivência, mas se mantendo condições bastante precárias.

O que a atual crise política mostra é a verdadeira natureza do estado brasileiro: fundamentalmente um aparelho dos interesses dos mais ricos e dos que querem atingir o status dos endinheirados. Existem mil e um modos de garantir que seu funcionamento conserve e expanda privilégios legais e ilegais, sempre imorais. Não importa muito quem sejam os funcionários, os governantes e todos os que os cercam. Esse aparelho permanece sempre pronto para receber a todos e, se necessário, corrompê-los, com exceção dos que, de dentro da máquina, resistem e tentam inverter as regras do jogo.

A materialidade do estado é definida também pelas pessoas que ocupam postos governamentais e, cotidianamente, lutam, por vezes com algum sucesso, para que a máquina sirva aos interesses dos pobres. A complexidade da ação estatal permite que, em situação subalterna, vários interesses populares sejam mantidos e até mesmo desenvolvidos, a partir da pressão de baixo para cima e das concessões do poder.

O estado brasileiro é a versão modernizada de um monstro franksteniano de origens escravistas e coloniais. Certamente invencível, quando se seguem suas regras pré-estabelecidas. Quem as aceita acriticamente, entra em uma armadilha e começa a comer o 'alpiste' do poder. Este alimento transforma aves exuberantes em abutres teleguiados. A transformação não é rápida, não vem do dia para noite. Mas, quando menos se espera, o pássaro cantante transforma-se em corvo eletromecânico, fabulando ao contrário as regras da vida.

Há um consenso popular que o poder corrompe, que os políticos são 'ladrões' e que os funcionários públicos em funções de poder são corruptos. Veja-se o diálogo em um ônibus da cidade do Rio de Janeiro, entre um cobrador e um passageiro:

-Quando eles chegam lá [os políticos] só fazem pra eles! (diz o cobrador)
-A solução é que eles nada ganhassem pelo que fazem. Assim, só 'entrariam' os que não tivessem [outros] interesses! (responde o passageiro).

Estas falas não são estranhas ao que se ouve, hoje, nas mídias e na conversação interpessoal. O que se disse acima reflete simplificações, acertos e exageros, incorporando o senso comum da maioria e seu próprio modo de ver as coisas. Neste, se aceita o sistema de representação existente, desde que ele venha a servir aos interesses majoritários. A consciência democrática não é privilégio e aspiração exclusiva dos letrados das classes médias. Consiste, igualmente, em uma aspiração dos pobres e quase analfabetos, infelizmente, frustrada pela fratura exposta dos fragmentos do real material com os quais as mídias trabalham de modo turvado.

O que a atual crise pode induzir, dependendo de quem a conduzirá, é ao aumento da democratização da sociedade e do estado no Brasil. Isto se vencerem os condutores interessados em distribuir os alimentos e a cultura para os excluídos de sempre.

Infelizmente, pelo menos no cenário midiático, os hábeis condutores das direitas históricas brasileiras têm prevalecido, profundamente interessados em usar desta crise para anular as conquistas populares pós-ditadura. Esta gente tem décadas de experiência em manipular pessoas, instituições e idéias. Não raro, conseguem fazer alianças impossíveis em outros contextos. São suficientemente cínicos para se postarem como sendo portadores da verdade e da ética.

Da caixa de Pandora saiu o bem e o mal. A esperança ficou bem guardada e protegida. Espera-se que ao final do processo, ela brilhe, espalhando sua luz e sua força para os brasileiros humilhados e ofendidos.



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