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La insignia
26 de abril de 2005


Racismo e colonialismo modernos


Augusto C. Buonicore (*)
Diário Vermelho. Brasil, abril de 2005.


O preconceito contra outros povos e outras culturas é tão antigo quanto a própria humanidade. Os gregos, por exemplo, consideravam bárbaros (ou seja, inferiores) todos aqueles que não pertenciam a sua cultura e nem falavam sua língua. Mais tarde, os romanos, então senhores do mundo, consideravam bárbaros aqueles que se encontravam para além das fronteiras do seu Império — fossem eles brancos ou não-brancos. Durante o período feudal o preconceito recaiu sobre os não-cristãos: judeus e muçulmanos, particularmente. A cor da pele acabou ganhando maior projeção na distinção entre os povos. Afinal os povos de África, Ásia e América eram, fundamentalmente, povos não-cristãos. Por outro lado, os povos nórdicos — tidos como arianos — foram saindo da lista dos povos considerados bárbaros e inferiores e assumindo seu lugar ao lado daqueles que se consideravam civilizados. Mais tarde eles próprios passaram a se considerar uma fração superior da própria “raça” branca.

Neste artigo não trataremos do racismo em geral e sim do que chamaremos de “racismo moderno”. Marx e Engels, no seu famoso Manifesto do Partido Comunista de 1848, falavam da “indústria moderna”, do “Estado moderno” etc etc. Todos estes nascidos com o desenvolvimento do capitalismo na primeira metade do século XIX. O “racismo moderno” foi, justamente, aquele que se desenvolveu ao lado da expansão mundial do sistema capitalista.

No final do século XIX, a Revolução Francesa pôs abaixo as velhas estruturas econômicas, políticas e sociais feudal-clerical-absolutistas. Com elas pareciam irremediavelmente derrotados os preconceitos imperantes durante todo período feudal — entre eles o da existência de uma desigualdade inata entre os homens, determinada por Deus. Os ideais da grande revolução eram liberdade, igualdade e fraternidade. “O homens nasciam livres e iguais” e assim deveriam permanecer, afirmavam os filósofos e políticos revolucionários. Parecia que o tempo do obscurantismo e do preconceito havia desaparecido, pelo menos onde a revolução havia feito o seu trabalho profilático.

Segundo Lukács, no seu clássico O Assalto à Razão, “a teoria racista — sob sua forma incipiente e primitiva — foi cientificamente liquidada nos tempos da revolução francesa” e mesmo “durante a primeira metade do século XIX o racismo não chegou a alcançar uma influência ideológica digna de menção”.

A radicalidade da revolução acabou assustando a própria burguesia, que resolveu dar um basta aos abusos igualitaristas. O processo revolucionário conheceu um lento refluxo e a contra-revolução foi se impondo. O primeiro ato da tragédia aconteceu em 1794, com a derrota dos jacobinos, chefiados por Robespierre. O segundo em 1799, com o golpe de Estado de Napoleão Bonaparte. No entanto, ainda sob Napoleão alguns ideais da revolução sobreviviam na França e este país continuava sendo a vanguarda política da Europa, quando comparado à Rússia czarista, a Áustria, Espanha, Portugal e aos pequenos Estados que compunham o que hoje conhecemos como Itália e Alemanha.

Em 1814, com a derrota militar de Napoleão para uma coligação arqui-reacionária e a constituição da Santa Aliança, abriu-se uma nova fase conservadora na Europa e os ideais da revolução de 1789 começaram a perder força. Nem mesmo a retomada da ofensiva revolucionária em 1830 e 1848 conseguiu restituir a aqueles ideais o mesmo esplendor. A própria burguesia européia havia abandonado seu projeto revolucionário e tendia agora a fazer acordos com as antigas classes dominantes: os latifundiários feudais.

Mas, por que essa mudança? É que agora a burguesia tinha diante de si, ameaçador, o proletariado revolucionário. O ano de 1848 foi emblemático nesse sentido. Após a revolução de fevereiro — uma revolução de todas as classes e de todas as cores — eclodiu em Paris uma revolução nitidamente operária, que acabou sendo derrotada num banho de sangue poucas vezes visto. Um dos resultados dos conflitos cada vez mais agudos entre as classes e frações de classes foi o golpe de Louis Bonaparte em 1852 e depois a restauração monárquica — desta vez a serviço da expansão do capitalismo e do colonialismo francês.

Em 1871, novamente, a capital francesa foi sacudida pelos operários revolucionários que instituíram, pela primeira vez na história, um poder de caráter popular e socialista que ficou conhecido como Comuna de Paris. Esta experiência durou pouco e foi esmagada pela burguesia coligada. Por isso, entre 1848 e 1871, as burguesias dos países capitalistas centrais abandonaram qualquer veleidade revolucionária e progressista.

Acompanhando, e impulsionando, esse processo de endireitização das elites européias estava a retomada do projeto colonial, sob novas bases. O capitalismo precisando de novas fontes de matérias primas e de mercados para seus produtos, voltou-se para os continentes africano e asiático. A própria América Latina não ficou de fora de seus planos expansionistas. Entre 1861 e 1866 as potências européias, especialmente a França, promoveram uma guerra contra o México e impuseram-lhe um Imperador europeu, Maximiliano I.

Foi nesse momento que começaram a ganhar força novamente as idéias racistas. Mas, a ideologia racista da segunda metade do século XIX não poderia ter por base os mesmos elementos da ideologia racista da Idade Média. Era preciso que se revestisse de uma roupagem nova, científica, adequada à época de expansão da indústria e da técnica. Segundo Skidmore, “um tal corpo de pensamento racista sistemático não existia na Europa de 1800. Por volta de 1860, todavia, as teorias racistas tinham obtido o beneplácito da ciência e plena aceitação por parte dos líderes políticos e culturais dos Estados Unidos e da Europa”.

O Conde de Gobineau: o pai do racismo moderno

O primeiro grande teórico racista do século XIX foi o Conde Joseph Arthur de Gobineau (1816-1882). Na sua juventude estudou línguas orientais e escreveu vários folhetins que tiveram alguma repercussão popular. Quando Aléxis de Tocqueville foi indicado ministro de Negócios Estrangeiros pelo presidente Louis Bonaparte, chamou o jovem Gobineau para ser seu secretário particular. Após o golpe de Estado de Bonaparte (1852), ele se projetou na diplomacia, se colocando a serviço dos interesses coloniais franceses.

Em 1855 ele publicou a primeira parte de sua principal obra, Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas, que somente foi concluída em 1858. Nela, expõe sua tese sobre a existência de uma superioridade inata das raças brancas e louras (arianas) sobre todas as outras. Para sua infelicidade, entre 1869 e 1870, foi nomeado representante diplomático no Brasil. Esta foi a experiência mais traumática da sua vida, pois nada mais desagradável para um político e cientista racista que ser obrigado a viver num país onde predominavam amplamente raças consideradas inferiores. Chegou mesmo a afirmar que o único membro da raça superior que encontrou no Brasil foi Dom Pedro II, que se tornou seu amigo.

As teses de Gobineau tiveram pouca repercussão entre os seus conterrâneos, com exceção de um pequeno círculo reacionário ao redor do poder. Numa carta ao seu antigo protetor lamentou que suas idéias tinham maior aceitação nos Estados Unidos que na própria França. Tocqueville respondeu que o seu livro influenciava apenas as elites do sul dos Estados Unidos onde predominava o trabalho escravo.

Gobineau não se deu por vencido e afirmou: “Tão certo como circula sangue mesclado nas veias da maioria dos cidadãos de um Estado, estes se sentem movidos pela força do número a proclamar como uma verdade vigente para todos e que somente é verdade para eles, a saber: que todos os homens são iguais”. O seu preconceito não era apenas contra as raças não-brancas e sim contra o próprio povo francês.

A teoria racista, justificadora da dominação feudal, se transformaria numa ideologia justificadora da dominação dos países capitalistas centrais sobre os países da África, Ásia e América Latina e também da dominação de uma elite proprietária sobre o conjunto da população trabalhadora.

O “gobinismo”, como uma ideologia ainda permeada por preconceitos feudais (pré-burgueses), não podia ser incorporado na sua integralidade ao arcabouço ideológico da moderna burguesia européia e norte-americana. Um dos seus aspectos mais problemáticos era o pessimismo próprio da pequena nobreza decadente, que se refletia na tese de que “a raça branca original havia desaparecido da face da terra” e que ela estaria agora representada por “bastardos”. Segundo Lukács, a obra de Gobineau “lançou no mundo pela primeira vez um panfleto pseudocientífico realmente eficaz contra a democracia e contra a igualdade, baseada na teoria racista. O livro de Gobineau constituiu, ademais, a primeira tentativa ambiciosa de reconstruir toda a história universal por meio da teoria racista, reduzindo a simples problemas raciais todas as crises da história, todos os conflitos e as diferenças sociais”.

Ratzel: A geografia a serviço do colonialismo

Friedrich Ratzel (1844-1904) foi considerado, por muitos, o pai da geografia moderna. Estudou nas melhores universidades alemãs e participou, como oficial, da guerra franco-prussiana — um marco do processo de unificação alemã. Se Gobineau foi um representante um pouco incômodo da burguesia francesa sob Napoleão III, Ratzel era o intelectual orgânico da burguesia pró-imperialista alemã, sob Bismarck. Este último foi o principal comandante do processo de unificação e construtor de Estado nacional onipotente. A Alemanha havia chegado atrasada ao banquete das nações capitalistas e coloniais, mas em pouco tempo suplantou econômica e militarmente a França — considerada então a segunda potência européia. O militarismo foi um dos componentes desse novo Estado emergente.

Ratzel dividiu os povos em dois grandes grupos: “naturais” e “civilizados”. Os primeiros eram dominados pela natureza e o segundo a dominavam. Ele foi um dos primeiros a desenvolver um conceito que seria tão caro aos nazistas alemães no século XX, o de “espaço vital”. A história humana seria a história da luta perpétua dos povos e grupos sociais pelo seu espaço vital — guerras defensivas ou de conquista de territórios de outros povos. Por isso, as fronteiras nacionais eram sempre relativas e os povos que não conseguissem defendê-las deveriam se submeter e concordar com a redução do seu próprio “espaço vital”. Esta seria uma espécie de “lei de seleção natural” que regeria a história e as relações entre povos e Estados.

A guerra, assim, seria um estado natural das sociedades em expansão. A naturalização da violência e das guerras de conquistas seria bastante funcionais para o imperialismo alemão e demais imperialismos. A expansão das nações civilizadas sobre os “povos naturais” teria algo de positivo, pois imporia à força elementos de progresso a regiões atrasadas — não civilizadas. Aos povos naturais conquistados — preguiçosos por natureza — deveria ser imposto um trabalho compulsório — entenda-se servidão. Os continentes africano e asiático seriam áreas de expansão natural para os povos civilizados da Europa Ocidental.

As teorias de Ratzel eram um passo a frente em relação às teorias de Gobineau, pois não punham o centro de sua explicação da história nas raças humanas — nenhuma delas seria biologicamente superior à outra. A superioridade das nações européias estaria vinculada a sua própria história e, especialmente, a sua localização geográfica privilegiada. O resultado, no entanto, era o mesmo: justificava-se a dominação dos países coloniais e a de seus povos, que se compõem de uma maioria não-branca. O determinismo racial deu lugar ao determinismo geográfico.

Nesse período, entre 1884 e 1885, ocorreu a Conferência Internacional de Berlin, da qual participaram cientistas e diplomatas das potências capitalistas européias — como Alemanha, Inglaterra, França, Bélgica — e dos Estados Unidos. A presidência do conclave coube ao próprio chanceler alemão, Oto Von Bismarck. Atrás da mesa diretora dos trabalhos se estendia um enorme mapa do continente africano, que eles pretendiam repartir entre eles. O atual mapa geográfico da África, que não respeita a divisão tradicional que havia entre os povos e etnias africanos, é um dos resultados daquela reunião.

Cesare Lombroso: o crime está na cara

A última tentativa expressiva de dar status científico ao racismo moderno foi a teoria do criminologista italiano Cesare Lombroso (1835-1909). Nasceu em Verona e exerceu o cargo professor de psiquiatria e medicina forense. Seu grande prestígio internacional foi conquistado graças a sua tentativa de demonstrar a relação existente entre as características físicas dos indivíduos e sua capacidade mental e propensões morais. Algumas décadas antes haviam sido criados novos ramos da “ciência racista”: como a antropometria e a frenologia. A primeira afirmava que era possível prever a potencialidade de uma raça através da medição do diâmetro da cabeça dos indivíduos, a segunda estudava a conformação dos crânios. No início do século XX ainda eram comuns exposições de cérebros humanos nos museus do chamado mundo civilizado. Lombroso, na mesma linha, fundou um novo ramo daquela “ciência”: a antropologia criminal e escreveu O homem delinqüente (1876) e O crime, causas e remédios (1899), entre outros títulos.

Quando diretor do manicômio de Pádua, entre 1871 a 1876, chegou à conclusão de que se poderia descobrir quem tinha propensão para o crime observando o formato do crânio, da mandíbula, assimetrias na face e outras deformações, segundo seus padrões estéticos. A “teoria” de Lombroso era anticientífica e se assentava apenas em preconceitos sociais. Segundo Lilia Schwarcs, ele “costumava visitar escolas e observando crianças pequenas descobria, por meio de estigmas, os futuros delinqüentes”. Os sinais físicos desses criminosos em potencial eram: mandíbulas grandes, ossos da face salientes, pele escura, orelhas chapadas, braços compridos, rugas precoces, testa pequena e estreita. Outras marcas, não-físicas, seriam a epilepsia, o homosexualismo e a prática de tatuagem.

Apesar de inconsistentes, suas idéias tiveram ampla repercussão no mundo, especialmente entre policiais, juízes e juristas. O líder comunista italiano, Antônio Gramsci, fez uma crítica aos métodos da antropologia criminal lombrosiana. Afirmou ele: "este era o costume cultural do tempo: em vez de estudar as origens de um acontecimento coletivo, e as razões de sua difusão, de seu ser coletivo, isolavam o protagonista e se limitavam a fazer-lhe a biografia patológica, muito freqüentemente partindo de motivos não comprovados ou interpretáveis de outro modo. Para uma elite social, os elementos dos grupos subalternos têm sempre algo bárbaro ou patológico”.

A homens como Alfred Rosemberg caberia a macabra missão de fazer a fusão entre o racismo de Gobineau, o determinismo geográfico de Ratzel e as teses de Lombroso para construir o que seria a mais racista e cruel ideologia do século XX: o nazismo.

Notas

(*) Esta é a primeira parte do ensaio que serviu como subsídio para minha intervenção no Seminário “O povo brasileiro na luta pela igualdade”, promovido pelo Instituto Maurício Grabóis (IMG) nos dias 16 e 17 de abril de 2005.

Bibliografia

Lukcás, Georg. El asalto a la razon: La trayetoria del irracionalismo desde Schelling hasta Hitler, Ediciones Grijalbo, Barcelona-México, 1972.
Moraes, Antonio Carlos. Introdução a Ratzel, Grandes Cientistas Sociais, Atica, SP, 1999.
Santos, Joel Rufino dos. O que é racismo, Brasiliense-Abril Cultural, SP, 1984.
Schwarcs, Lilia Moritz. “As teorias raciais, uma construção histórica de finais do século XIX: O contexto brasileiro”. In: Schwarcs, LM e Queirós, Renato da Silva, Raça e diversidade, Edusp, SP.
Vainfas, Ronaldo. Dicionário do Brasil Imperial – verbete Conde de Gobineau – Objetiva, 2002.


Augusto César Buonicore, Historiador, doutorando em Ciências Sociais pela Unicamp, membro da Comissão editoral da revista Princípios e do conselho editorial da revista Crítica Marxista, do Comitê Central do PCdoB e do Conselho de Redação da revista Debate Sindical.



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