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24 de junho de 2004 |
Esther Hamburger (*)
Cerca de 15 anos depois de "Vale Tudo", o sucesso de Gilberto Braga que marcou a Nova República, novelas andam sintomaticamente menos provocativas. "Celebridade" termina depois de amanhã como uma versão moralizante da antecessora, para usar os termos do próprio autor.
A novela vem longamente terminando ao longo dos últimos capítulos. Reduzida a planos e contraplanos bem fechados, que praticamente excluem cenários, locações e cortes básicos que seguem as falas, "Celebridade" mimetiza um certo conservadorismo em voga. "Vale Tudo" se apresentava, ao som de Cazuza, como uma crônica do país. Embalada nas cores nacionais, situada em paisagens significativas, as tramóias, os negócios e romances evoluíram em uma dinâmica que salientava a ambigüidade dos tempos que se abriam. Entre realista e cínica, "Vale Tudo" expandiu o escopo da novela. "Celebridade" é mais restrita e "contundente". Funciona como contraponto à ilusão de que liberou geral. Afinal, a fama não é para qualquer um. Marlyse Meyer, em seu portentoso volume "Folhetim", sugere que a raiz da novela está no gênero literário francês do século 19, que dá nome ao livro. A forma seriada de escrever capítulos de histórias baseadas em notícias apimentadas sobre intrigas da vida cotidiana preenchia os pés das páginas dos jornais de então. Romancistas populares retrabalhavam notícias, recebiam cartas de leitores e sentiam o falatório. O escritor navegava nessa trama. Cabia a ele definir rotas em meio a referências aos acontecimentos contingentes da época. Duzentos anos depois, telenovelas seguem essa vocação, que também já foi do cinema. Elas "pegam" quando sintonizam climas que estão no ar. Envolvem as pessoas em uma rede de tramas e comentários. Escritas e feitas ao mesmo tempo em que vão ao ar, se alimentam da sensibilidade do escritor para captar e dar forma a sensações alheias. Assim, entre clipes de cantores consagrados, homenagens ao cinema e estranho merchandising da Petrobras, "Celebridade" não causa frisson. Sinal de um oficialismo morno, que pode dar bons índices de audiência, mas não polariza. (*) Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP. |
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