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La insignia
24 de junho de 2004


Todo mundo nú!


Carla Guimarães (*)
La Insignia. Espanha, junho de 2004.


Uma patera é uma imensa balsa que, principalmente no verão, deixa as costas marroquinas em direção à Espanha. Como as primeiras caravelas lotadas de conquistadores que deixaram Espanha e Portugal na direção do chamado novo mundo. Tanto as caravelas como as pateras são barcos carregados de ilusão, coragem, convencimento e medo, levando a esperança de encontrar uma nova vida, uma saída financeira, um sonho. Ao chegar ao novo mundo, os primeiros espanhóis se assustaram com a população nativa, não só tinham uma cor de pele diferente, um olhar diferente, uma vida diferente, mas, principalmente e à primeira vista, estavam todos nús!

A finais de junho de 2004, em uma praia de Cádiz, no sul da Espanha, aconteceu exatamente o contrário.

A patera saiu de Marrocos e, como sempre, estava superlotada. Eram marroquinos e subsaharianos de diferentes países da África que emprenderiam um caminho tortuoso entre as ondas que separam dois continentes muito diferentes. Fugindo da fome, do desemprego, das guerras, das ditaduras e da violência, buscando uma vida melhor e uma possibilidade que seja de encontrar um trabalho, e nem precisa ser digno nem pagar bem, basta que seja um trabalho que garanta pelo menos comer três refeições ao dia. Ao lado de Marrocos está a Espanha, desde a praia se pode ver o outro lado, está aí, pertinho, ao alcanse dos olhos. Ha pessoas que migram desde toda Àfrica para chegar a Marrocos e poder ter essa visão desde praia. Ha pessoas dispostas a entregar todo dinheiro que têm a um "patrão de patera" contanto que ele encontre um lugarzinho apertado num barco mais que superlotado que saia neste mesmo dia em direção ao "novo mundo".

Muitas mulheres grávidas esperam até os nove meses e, quando estão a ponto de dar a luz, entregam todo o seu dinheiro e entram sem pestanejar na primeira patera que apareça para poder parir na Espanha e ter a segurança de que seu filho não nascerá africano como ela, e sim, europeu! Na Europa ha segurança social, ha seguro desemprego, ha trabalho para quem quer trabalhar, ha escola pública e sistema de saúde, na Europa tudo pode ser melhor.

Desde Marrocos, Espanha pode estar ao alcanse dos olhos, mas não é nada fácil chegar. Não só pelas patrulhas da guarda costeira que interceptam por dia mais de 5 pateras, mas também pela dificuldade do trajeto. A viagem não é nada fácil e a maioria que chega, se chega, desembarca com insolação, desidratação, queimaduras graves, fome, sede e hipotermia. Isso se o barco não naufraga e a tripulação morre pelo meio do caminho porque, como imaginarão, os patrões das pateras não levam coletes salva-vidas para sua tripulação, nem possuem nenhum plano de salvamento.

A patera que saiu de Marrocos chegou pela manhã à Espanha. A tripulação estava esgotada, desesperada, aturdida. Haviam dois bebês recém-nascidos, todos tinham fome e sede. Ao tocar terra sairam correndo do barco para beijar a terra firme, como faz o Papa cada vez que pisa um país novo. Neste momento a tripulação se deparou com uma visão única. A patera havia chegado à Cádiz, justamente a uma praia de nudismo. E foi quando os africanos se assustaram com a população nativa, que não só tinham uma cor de pele diferente, um olhar diferente, uma vida diferente, mas, principalmente e à primeira vista, estavam todos nús!

Era como encontrar indígenas em plena Europa. Os que sairam da patera estavam com os olhos arregalados, não sabiam o que fazer. Os que estavam na praia também estavam espantados. Houve cinco ou dez minutos de shock até que, pouco a pouco, os dois coletivos se aproximaram e tentaram se comunicar. De repente, os banhistas decidiram tapar suas partes vergonhosas e, compreendendo a inquietante situação, começaram a ajudar aos imigrantes recém-chegados oferecendo água, comida, aquecendo os bebês com as toalhas e oferecendo um pouco da proteção de suas sombrinhas de praia. Até que chegassem as autoridades competentes e levassem a todos para o hospital mais próximo.

No dia seguinte, seguramente, a maioria deles já estaria repatriada à África e também seguramente, a maioria chegaria à Marrocos buscando uma nova patera para voltar à Europa. Para tentar outra vez.

Esquecendo os discursos sobre a liberalização, o livre mercado, a livre imigração das empresas do primeiro mundo para o terceiro, bem como a impossibilidade do caminho inverso. Esquecendo o apêrto que dá na garganta ao escutar toda a hipocrisia repetida pelos mandatários do primeiro mundo sobre a globalização e a abertura de fronteiras. Esquecendo toda essa mentira, e sem discutí-la, porque realmente isso é algo que já estamos cansados de saber. Este artigo é apenas a história do dia em que os africanos chegaram de barco à Europa e se depararam com uma cena muito estranha: os nativos estavam nús, despreparados e assustados com uma suposta invasão das suas terras.


(*) Carla Guimarães é uma dramaturga brasileira que vive em Madri, onde realiza um doutorado em Teoria, História e Prática do Teatro.



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