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4 de junho de 2004 |
Luís Nassif
No encontro ocorrido na semana passada, no Rio de Janeiro, com as lideranças do movimento estudantil, estavam José Serra, representando 1963, José Dirceu, representando 1966, Aldo Rebelo, representando 1978, e Lindberg Farias, representando os anos 90.
Deveriam ter deixado uma cadeira vaga para o militante desaparecido, a juventude dourada do movimento pós-68 destroçada pela repressão e pelos sonhos juvenis de reeditar no Brasil a saga de Che Guevara. Na coluna passada, falei um pouco sobre como, do interior, acompanhávamos o movimento estudantil pré-1968. Mencionei José Carlos da Matta Machado, morto pela repressão -cujo nome confundi com o de seu pai, o jurista mineiro Edgard da Matta Machado. Nos anos 70, no duro período de resistência à ditadura, a dor do professor Edgard era um símbolo tão forte quanto a de Zuzu Angel, que perdeu o filho nas mesmas circunstâncias. Aí me lembrei do segundo tempo do jogo, quando veio o AI-5, acabou a oposição político-partidária e, embalados pela utopia de Che Guevara, os jovens estudantes entraram para a luta clandestina e se tornaram o único foco de resistência à ditadura. O país era pequeno, a elite, menor ainda. Os jovens que embarcaram na aventura eram os filhos da classe média intelectualizada do Rio, de São Paulo, de Belo Horizonte e de Brasília. Lá em Poços acompanhamos penalizados essa loucura, por meio das agruras do Leozinho, filho da tia Hilda, irmã do meu tio Léo. Até os 16, 17 anos, Leozinho e seu irmão Dante freqüentavam Poços na condição de meninos do Rio, garotos de praia bonitos, bronzeados, nos deixando com uma dor-de-cotovelo danada com o fascínio que exerciam sobre as meninas. Eram gentis, desses de puxar a cadeira para as moças sentarem, tinham aquele sotaque discreto do carioca educado que, principalmente naqueles tempos, virou mania nacional. Leozinho era de 1950, mesmo ano em que nasci. Órfão de pai militar, foi criado por uma mãe de personalidade forte, arrasadora, que incutiu nele a idéia de que os nascidos em 1950 iriam mudar o mundo. A influência materna e o messianismo que Che incutiu no movimento estudantil da época fizeram Leozinho entrar para a guerrilha. Antes, ensaiou ações de um jovem impetuoso, como quando tentou convencer o nosso grupo a pichar as ruas de Poços com o slogan "JK 65". Achamos muito "festivo" -para usar um termo da época-, mas as pichações apareceram na cidade. À medida que se envolvia com a guerrilha, Leozinho ia deixando de passar as férias escolares em Poços. Apareceu uma vez por lá com um ferimento de bala na perna e ficou convalescendo na casa do tio Léo. Para os parentes cariocas do tio Léo -e, para nós, também-, as temporadas em Poços eram inesquecíveis. A cidade acolhia um público turista muito jovem. E a casa do tio Léo era o centro de "brincadeiras" (bailinhos caseiros) e rodadas musicais. Mas a barra pesou demais para o lado de Leozinho, que acabou se exilando em Paris, com nosso primo Cláudio Mesquita -filho de um irmão do tio Léo com uma prima do meu pai. Foi em Paris que o mundo começou a desabar lenta e inexoravelmente para ele. A cada dia que passava, o sonho da revolução ia se desfazendo, e a autocrítica, se impondo sobre o movimento guerrilheiro. E Leozinho, que tinha o fogo sagrado das mudanças, a missão pesadíssima que recebeu da mãe, de mudar o mundo, perdeu o rumo. Claudinho voltou do exílio no início dos 80. Artista plástico sensível, morreu nos anos 90 de ataque cardíaco, depois da última seresta que fizemos em Poços, com tio Léo ainda vivo. Leozinho ficou e buscou outras maneiras de transformar o mundo. Em um certo dia dos anos 80, foi encontrado morto em seu apartamento de Paris, depois de decidir voluntariamente se imolar em favor da paz no mundo. Sem conseguir oferecer ao país seu fogo vital, ofereceu ao mundo sua impotência. Não foi morte violenta nem brusca. Morreu de fome, solitariamente no apartamento. E deixou uma carta para a mãe na qual relatava as saudades que tinha das temporadas ingênuas e felizes em Poços de Caldas. |
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