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23 de janeiro de 2004 |
Luís Nassif
Ah, os namoros de adolescência, as paixões mal resolvidas que ficam suspensas no ar, como ectoplasmas que a gente carrega vida afora. São fantasias que nunca se realizam, porque interrompidas no meio do sonho, antes de sofrer o desgaste das relações diárias.
Por isso saí muito ansioso de uma palestra para prefeitos, em Campos do Jordão, depois que um senhor se aproximou, apresentou-se como ex-prefeito de São Sebastião da Grama, me contou que havia sido colega da mamãe, de pensão e de Escola Normal em Casa Branca. E despediu-se com uma frase intrigante: "Como aquele rapaz sofreu quando sua mãe terminou o namoro com ele". O rapaz era Pedro Ortolani, que minha mãe namorara antes de conhecer meu pai. Era sexta-feira. No domingo houve almoço de família e perguntei a minhas tias sobre o namoro. Foi uma paixão incontida. Minha mãe terminou com Pedro, conheceu meu pai, marcaram noivado. Pedro não se conformou, procurou-a, implorou para que não se casasse, em vão. Na segunda-feira não sosseguei enquanto não localizei o nome de Pedro na lista e telefonei. Ele mesmo atendeu. Apresentei-me como filho da Terezinha, e Pedro se atrapalhou todo. Pediu desculpas, explicou que era o cinqüentenário da formatura de ambos. Desculpa de quê, indaguei? Do convite que ele havia enviado para minha mãe, para o encontro dos formandos. Contei-lhe que mamãe tinha falecido há exatos dez anos. Do outro lado da linha, Pedro embatucou, emocionou-se, disse que só soubera da morte de meu pai. Ficou com um nó na garganta, e eu com outro. Deu-me vontade de visitá-lo assim que fosse a Poços. Tempos depois fui à cidade e, no bar do Pálace, encontrei-me com João Sâmia, velho amigo da família e vendedor de produtos odontológicos. Na conversa, pediu para não deixar de visitar Pedro, dentista e seu cliente, pois ele só falava nisso. Telefonei para Pedro, domingo de manhã, passei por Casa Branca e segui o roteiro indicado para encontrar sua casa. Perdi-me pelo caminho e fui dar na Escola Normal de Casa Branca, onde minha mãe estudara. Parei justo em frente a uma pequena casa e na placa vi que era o consultório de Pedro. Achei curiosa a coincidência. Segui caminho e cheguei em sua casa. Lá, me recebeu com dona Dirce, sua esposa, mulher inteligente, sensível, filha de um antigo diretor de redação do Correio Paulistano. Foi uma conversa sofrida, como se ele estivesse aguardando há décadas por ela. Contou da ligação com minha mãe, de como ela lhe dera força para fugir da imposição do pai, que o queria sucessor na empresa telefônica da cidade, de como o estimulou a seguir outra carreira, deu-lhe aulas de português, de como se tornou adorada pela família. Disse-me, "sua mãe era tudo para mim". Ao lado, dona Dirce o olhava com ternura. Perguntou onde moráramos em São Paulo. Disse-lhe que na Vila Mariana, depois, no Paraíso. Lamentou-se nunca ter nos visitado, ele que sempre passava por lá. Expliquei-lhe que ele havia voltado para Casa Branca em 1967, e meus pais se mudaram para São Paulo apenas em 1974. Pedro nem parecia se dar conta desses desencontros do tempo. Dona Dirce perguntou se eu tinha um retrato de mamãe para mostrar. Tinha levado um álbum de família. Pedro devorou as fotos, ansioso, tentando disfarçar a emoção. No final da conversa, indaguei onde era a pensão que minha mãe havia morado. Ele fez silêncio, enquanto controlava a emoção e contou que, na volta de São Paulo, a havia comprado e transformado em seu consultório. Saí de lado lamentando não ter encontrado o álbum de recordações que mamãe tinha guardado com recados de todas as colegas. A primeira página ficara em branco e, na borda inferior, escrito a lápis, o nome do Pedro. Na porta, dona Dirce se despediu, me beijou, como se beija a um filho, e agradeceu o que tinha feito por seu marido. Alguns meses depois, me telefonou informando da sua morte. Pedro estava apenas esperando aquele acerto de contas, para morrer em paz. |
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