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La insignia
14 de julho de 2003


Redes, conhecimento e software livre


Marco Almeida (*)
Rits. Brasil, julho de 2003.


"Ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade. Não existe nenhum reservatório de conhecimento transcendente, e o saber não é nada além do que o que as pessoas sabem."
-Jean Baudrillard-


O recente avanço tecnológico, principalmente da informática, associado ao surgimento de novas mídias de telecomunicações, vem provocando uma série de mudanças estruturais nas mais diversas áreas, cujos reflexos estão cada vez mais presentes na vida cotidiana de milhões de pessoas em todo o mundo. Com a chegada da Internet, em meados dos anos 90, assistimos a um aumento jamais imaginado no volume de informações que circulam em escala mundial, outrora restritas a uma pequena elite de intelectuais. Alguns autores afirmam tratar-se de uma "revolução informacional", comparada à revolução industrial nos séculos XVIII e XIX.

De acordo com esta visão, a Internet seria um veículo revolucionário (assim como o foi a locomotiva a vapor), um novo paradigma da comunicação, que possibilitaria a integração das mais diferentes culturas e dos mais longínquos povos, desde que existisse acesso a um computador e a uma linha telefônica. Retomaremos a discussão do acesso à Internet mais adiante.

A Internet, de redes e serviços telemáticos, passa a ser concebida pelos seus utilizadores como espaço de pesquisa de informação, de encontro e de partilha, ou seja, a Internet gera uma espacialidade inteiramente abstrata que é reforçada pelas metáforas de navegação e de site (lugar). Gera-se uma proximidade que nada tem a ver com a proximidade geográfica, mas sim com a proximidade representacional que promove a idéia de comunidade. Será interessante refletir sobre esta característica da Internet enquanto único serviço de telecomunicações que promoveu, a uma escala considerável, o estatuto de comunidade para os seus utilizadores. Não se pensa habitualmente nos utilizadores de outros serviços telemáticos (telefone, TV, rádio, fax, etc.) como formando uma comunidade.

A base e os objetivos dessa inteligência coletiva se constituem no reconhecimento e no enriquecimento mútuos das pessoas e de suas competências. Para isto é preciso haver o reconhecimento dessas competências em sua diversidade, bem como sua identificação e sua mobilização efetivas. Tudo isto deveria acontecer para além dos saberes oficiais, uma vez que estes são somente uma minoria dentre os saberes em uso, tanto no âmbito profissional quanto no cotidiano em geral. Ao valorizarmos o outro, através de seus saberes, propiciamos o seu auto-reconhecimento a partir de uma perspectiva nova, possibilitando sua implicação positiva nos projetos coletivos.

Este meio diversificado, heterogêneo e sem um centro controlador (pelo menos até os dias atuais) é o que chamamos de ciberespaço, ou simplesmente Internet. Com o ciberespaço, surge uma perspectiva totalmente nova, que já vem promovendo a construção de um novo espaço de relação, o espaço do saber. Neste espaço, as relações e as comunicações já não são necessariamente do tipo broadcasting (comunicação centralizada de um para muitos) mas descentrada, onde muitos se comunicam com muitos ao mesmo tempo. Ele permite a constituição de formas de organização econômica e social referenciadas na inteligência coletiva e na valorização do humano em sua variedade e diversidade: as redes.

Uma coisa são as tecnologias de informação e comunicação, a disponibilidade de gadgets, de equipamentos e sistemas físicos de conexão - não é somente distribuir computadores por aí (como parece pensar Bill Gates) que irá resolver o problema. Outra coisa é deixar passarem em branco as questões mais substantivas, que não são resolvidas apenas pela tecnologia, pois dependem do uso e das políticas que cercam a tecnologia e lhe dão conteúdo.

Curiosamente, tem havido uma total desinformação sobre o que significa "conteúdo". No mercado brasileiro, mas também no resto do mundo, luta-se cada vez mais por conteúdo para a Internet. Em geral, esse "conteúdo" é visto de modo tão material e funcional quanto um computador ou um software, ou seja, como estoques de informação com os quais se podem atrair usuários e gerar receita. Vamos com calma, né, gente?

Com relação aos impactos da Internet na sociedade, notam-se claramente duas vertentes teóricas: de um lado, os que a vêem com otimismo e acreditam que a Internet possibilitará a integração entre os povos; de outro, os pessimistas, que acreditam que a Internet reforçará a dominação e o controle exercido pelos grupos econômicos hegemônicos.

O que eles dizem?

Os principais argumentos do grupo otimista, são:

- Os meios de divulgação da informação não estão mais restritos aos grupos econômicos que tradicionalmente centralizavam os veículos de comunicação;

- Teoricamente, a WWW é o espaço onde o ser humano tem direito a voz, à informação e à discussão de sua realidade, de maneira irrestrita e sem intermediários. O indivíduo independeria de grupos que o representassem, dizendo livremente a sua palavra. A Internet representaria então um espaço neutro onde os problemas comuns poderiam ser discutidos abertamente;

- Há a possibilidade de intercâmbio cultural, favorecendo o enriquecimento da experiência coletiva. Já o grupo pessimista argumenta o seguinte:

- É indiscutível que, com o surgimento da Internet, ocorre uma circulação de informação em quantidades cada vez maiores. Entretanto, apesar do potencial para explicitar a diversidade cultural, até o momento essa massa de informações parece ser apenas o reflexo da dominação cultural exercida pelos grandes grupos econômicos, repetindo mais uma vez a dicotomia "centro x periferia".

- Enquanto a rede se expande cada vez mais nos países ditos de "primeiro mundo", os países periféricos, ou "em desenvolvimento", como o Brasil, apresentam uma participação ainda tímida na comunidade internauta, se comparada aos países mais desenvolvidos.

- Como esperar um ambiente plural quando apenas uma parcela da população mundial está participando desse processo - notadamente aquela que historicamente está à frente dos processos de produção e difusão da informação?

A realidade da Internet está distante de muitos povos, e o que poderia representar uma grande oportunidade de democratização da informação e, conseqüentemente, de inclusão social, na verdade, tem se configurado como mais uma barreira que impõe a alienação para uma maioria já marginalizada e tem aumentado ainda mais a distância que separa ricos de pobres, incluídos de excluídos.

Ainda tímidos, mas com força crescente, ganham espaço os debates sobre as dimensões sociais, políticas e culturais das novas tecnologias da informação. As atenções, concentradas na infra-estrutura e nos modelos de negócios, começam a se deslocar para as novas formas de exclusão digital (em inglês, a expressão é digital divide). Este tema vem ganhando atenção especial até mesmo nos grandes fóruns políticos mundiais, como na ONU, que - numa iniciativa internacional, reunindo governos, empresas privadas e a sociedade civil -, propôs a criação de uma Força de Tarefa e de um fundo de investimentos em tecnologias de informação e comunicação, cujo investimento inicial será de 500 milhões de dólares, como forma de "amenizar as disparidades e universalizar o acesso à rede, superando o abismo tecnológico que separa ricos e pobres no mundo inteiro".

Vamos deixar uma coisa clara?

O maior risco com a disseminação de redes de informação e comunicação é o de se observar apenas a reprodução dos padrões de embotamento político e de passividade intelectual que predominaram na era do rádio e na da televisão. Exclusão digital não é ficar sem computador ou telefone celular. Significa também continuarmos incapazes de pensar, de criar e de organizar novas formas, mais justas e dinâmicas, de produção e distribuição de riqueza simbólica e material. Até porque devemos ressaltar algumas das grandes virtudes da Internet:

a - Ninguém é dono Ninguém pode ser dono da Internet, nem mesmo as empresas por cujos "fios" ela passa, porque ela é um acordo, não uma coisa. A Internet não só está no domínio público: ela é um domínio público.

b - Todos podem usá-la

A Internet foi projetada para incluir todos os habitantes do planeta. Certo! Você vai dizer que apenas uma fração da população está conectada a ela.

Independentemente de todo o aparato tecnológico necessário para estar ligado à grande rede, não existe um "administrador de sistemas" que se digne a deixá-lo participar. A Internet, deliberadamente, deixa permissões do lado de fora do sistema.

c - Qualquer um pode melhorá-la

Qualquer um pode fazer da Internet um espaço de expressão. Para piorá-la, precisa-se de alguém extremamente estúpido e com uma vontade de ferro. Agora, você deve estar imaginando: "Legal! Falamos de redes, de conhecimento, mas o que isso tudo tem haver com software livre ou... um pingüim? Pingüim?" O pingüim é um símbolo! Um ícone que significa cooperação, solidariedade, preocupação com o próximo e com a sociedade. É o exemplo mais claro e nítido da inclusão digital em redes colaborativas para a construção compartilhada do conhecimento. As pessoas que acreditam no potencial humano estão e estarão aptas para se desenvolver e contribuir para o progresso da humanidade.

A comunidade que empunha a bandeira do software livre, da liberdade de escolha do que usar e do que é melhor para cada um, tem mostrado, com o esforço de muitos, que o trabalho em equipe, voluntário e, acima de tudo, feito com amor e dedicação não conhece limites. O desenvolvimento do software livre é um exemplo de como a cooperação pode produzir efeitos tão benéficos quanto fantásticos.

O Linux, com apenas 12 anos de vida, sem investimentos comerciais tão intensos quanto os sistemas operacionais proprietários, mostra a sua força e é adotado amplamente por um grande número de empresas de portes e ramos distintos, sem falar nos usuários domésticos e órgãos governamentais. Os pacotes de software que acompanham as principais distribuições Linux são um resultado de milhares de desenvolvedores, amantes da liberdade de escolha, do prazer de construir e de poder compartilhar com o resto da humanidade o que foi desenvolvido. O envolvimento dos usuários é tão intenso que bugs são reportados e resolvidos em até 24 horas! Essa sinergia gera uma imensa roda-viva que contagia a acrescenta pessoas de todas as raças, credos e nações, e, conseqüentemente, adiciona recursos a esse grande ideal.

É na transmissão do conhecimento que esta cooperação se torna mais evidente. As listas de discussão são movimentadas rapidamente, porque quem responde o faz por que gosta, afinal somos todos voluntários de um grande movimento no qual a teoria do ganha-perde dá lugar à do ganha-ganha. Hoje ajudamos alguém e amanhã outra pessoa nos dá a mão, cedendo uma porção de código ou uma informação, o que normalmente nos poupa muito trabalho.

Hoje o Linux é usado por milhões de pessoas, de forma livre, no mundo inteiro. Mais do que isso: há um incontável número de empresas multinacionais, órgãos públicos, forças armadas, entre outras, que optaram pelo uso de softwares livres. Com a adoção de softwares livres, essas empresas exoneram-se da obrigação de pagamento de licenças e ainda contam com a vantagem de ter parte desses programas abertos distribuída gratuitamente. Além disso, o maquinário não precisa ser trocado o tempo todo, na medida em que as soluções desenvolvidas podem aproveitar computadores considerados obsoletos pela lógica consumista da substituição constante. Claro que nos 386 e 486 a funcionalidade da atual versão do Linux é restrita, mas é plenamente possível transformar uma máquina dessas em um servidor proxy para acesso remoto, um gateway de mail, um terminal de entrada de dados ou diversas outras aplicações.

Nesse sentido, é importante ressaltar a importância de iniciativas no âmbito de políticas públicas que o colocam o software livre como prioridade. Este é o tipo de decisão "para lá" de acertada. Percebemos que, ao implementarmos políticas que estimulam o uso do software livre, estará sendo prestado um grande serviço para o futuro do Brasil. O país terá o que existe de mais avançado na tecnologia da informação e com acesso ao âmago do sistema para quaisquer mudanças necessárias. Desta maneira, estamos no mesmo nível tecnológico das maiores nações da Terra.

E que melhor opção um país teria para promover o avanço tecnológico interno sem ser através do software livre e de padrões abertos? A melhor maneira de o cidadão se beneficiar de incentivos e investimentos tecnológicos financiados pelo governo não deixa dúvidas. Com soluções abertas e livres, todos tendem a ganhar: ganha o governo, que não depende de um único fornecedor de tecnologia, necessária ao desenvolvimento do país; ganha o cidadão, que pode auditar, reutilizar e desenvolver mudanças no próprio sistema; ganha a indústria nacional, que deixa de depender de empresas estrangeiras - e, conseqüentemente, diminui o envio de divisas para os cofres daqueles países -; ganha também a humanidade, pois as inovações estão disponíveis para todos.

Sabemos que o Linux e os sistemas abertos não são a solução para todos os problemas no campo tecnológico, econômico e social, mas representam um grande avanço quando entendemos que há grupos de pessoas alinhadas à filosofia do software livre dando sua parcela de contribuição para a humanidade, produzindo tecnologia com recursos dentro do alcance de todos, usando o software como ferramenta de união e de crescimento, tentando fazer com que a tecnologia e o conhecimento cheguem a um número cada vez maior de pessoas.


(*) Analista de Suporte da RITS.



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