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La insignia
14 de dezembro de 2003


Divulgação científica no Brasil:
Separando alhos de bugalhos


Felipe A. P. L. Costa (*)
La Insignia. Brasil, dezembro de 2003.


A certa altura do artigo A ciência no dia-a-dia, do jornalista Fabrício Mazocco, que apareceu na edição (No. 254) dessa semana (09-15/12/2003) do conhecido sítio eletrônico brasileiro Observatório da imprensa, lemos o seguinte:

"O sensacionalismo foi a tônica da 'venda' dos informes da ciência. Foi e continua sendo, talvez em menor grau. Mas essa é uma outra discussão. O fato é contamos hoje com especialistas da informação, como é o caso dos jornalistas científicos, porém o espaço destinado a esses assuntos é bem menor do que poderia ser. Poucos são os veículos que dedicam um caderno, uma página, uma seção para a divulgação da ciência. É claro que aqui não estou tratando de veículos especializados, como hoje temos as revistas Ciência Hoje, a Galileu, a Superinteressante. Refiro-me aos veículos de grande circulação, diários, de assuntos variados, seja jornal, rádio ou TV e porque não a Internet."

Há, nesse parágrafo, uma grande confusão; refiro-me em especial à frase na qual o autor coloca a Ciência Hoje (CH) em um mesmo saco junto com as revistas Galileu (ex-Globo Ciência) e Superinteressante.

A CH não só é a mais antiga como também é a mais importante revista de divulgação científica publicada no Brasil. [Os leitores mais jovens talvez não se lembrem, mas a CH No. 1 apareceu em 1982, na Reunião Anual da SBPC, realizada na Unicamp; a histórica edição No. 200 será publicada justamente agora, neste mês de dezembro de 2003.] No início dos anos 1980, tivemos em circulação por aqui uma outra revista de divulgação científica, a Spectrum, mas que (infelizmente) não durou mais do que umas poucas edições. Bem mais recentemente - e antes tarde do que nunca -, apareceu entre nós a Scientific American Brasil (SAB), versão em português para a revista de divulgação científica mais antiga do mundo [1]. A rigor, para usar os termos do jornalista Fabrício Mazocco, a SAB (que não foi mencionada em seu artigo) é o único "veículo especializado" que hoje poderia ser comparado com a CH, embora haja entre as duas revistas uma diferença fundamental: a CH é escrita por cientistas brasileiros, que espontaneamente submetem seus artigos para avaliação e eventual publicação; por sua vez, a SAB é a tradução de uma publicação estrangeira, apenas entremeada por um ou outro artigo escrito por cientistas brasileiros - ao que parece - convidados.

Em qualquer circunstância, comparar a CH com a Galileu ou a Superinteressante é um erro grosseiro - do qual, é bom que se diga, o jornalista Fabrício Mazocco não foi o pioneiro.

Primeiro, porque a maioria das páginas da CH abriga artigos escritos por cientistas (algumas notas e pequenas matérias são escritas por jornalistas da própria revista), enquanto as outras duas publicam exclusivamente matérias escritas por jornalistas e previamente pautadas pelos seus editores.

Segundo, porque os artigos publicados pela CH passam por certos processos adotados em revistas científicas (técnicas) de todo o mundo, notadamente o de avaliação prévia por pares. Nesse processo (que, em condições normais de temperatura e pressão, deveria funcionar como uma espécie de seleção natural do material submetido), os artigos recebidos são avaliados por outros cientistas que trabalham na mesma área ou em áreas próximas. O resultado desse processo é que o artigo examinado pode ser aceito ou não pela revista; sendo aceito, ainda poderá ou não vir a sofrer alterações substanciais no seu formato - no caso da CH, é aqui que entram em ação os revisores (jornalistas, inclusive) da própria revista.

Terceiro, em conseqüência das duas primeiras diferenças, lendo um artigo da CH é possível perceber (ainda que em linhas gerais) como efetivamente os cientistas fazem ciência. E esse é o maior dos méritos de qualquer artigo ou livro que se pretenda de divulgação científica: mostrar como se faz uma pesquisa científica. Quer dizer, para quem de fato se preocupa com a chamada "educação científica", de pouco ou nada adianta impressionar o leitor com uma série de resultados mirabolantes ou fantásticos; o mais importante é mostrar a ele o longo (e em geral demorado) trajeto que foi percorrido até que os resultados e as conclusões que estão sendo publicados fossem obtidos.

Quarto, não há como esconder o tom predominantemente sensacionalista que caracteriza as revistas Galileu e Superinteressante; desde a preferência por assuntos em moda ou (falsamente) polêmicos [2] até a confecção e publicação de capas apelativas. Em particular, no caso da Superinteressante [que há uns dois ou três anos passou por mudanças na equipe editorial, com o objetivo de meramente duplicar a sua tiragem, que já era então de portentosos 400 mil exemplares/mês], tudo parece ser feito sob medida com o intuito de chamar a atenção do incauto leitor, a qualquer custo e mesmo que para isso seja necessário reduzir (ainda mais) o conteúdo (pretensamente) científico de suas páginas, oferecer cada vez mais quinquilharias eletrônicas e, claro, publicar com freqüência capas exibindo nus femininos [3].

Em resumo, comparar a CH com essas revistas equivale a misturar alhos com bugalhos. Para não dizer outra coisa...


Notas

(*) Biólogo, autor do livro ECOLOGIA, EVOLUÇÃO & O VALOR DAS PEQUENAS COISAS (2003).
1. A versão em castelhano é publicada, sob o nome «Investigación y ciencia», há muitos anos.
2. Ver artigo Com quantos efes se escreve evolução?.
3. Para uma revista como essa publicar um nu feminino, há uma infinidade de assuntos que servem como ganchos: desde as enjoativas e superficiais matérias de sempre, tratando de assuntos sexuais humanos, até a chegada do verão, passando por problemas de pele, distúrbios hormonais, de sono etc.



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