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23 de setembro de 2002 |
A bomba atômica de Serra
La Insignia. Brasil, setembro de 2002.
Jornalistas como Dora Kramer, sabidamente moderados e que, na maioria
das vezes, costumam refletir a posição de figuras do "governo", não
tiveram como defender o candidato José Serra quando este acusou Lula de
querer a construção da bomba atômica brasileira.
Dois ou três dias depois vem a declaração de George Bush segundo a qual os Estados Unidos não vão admitir que nenhum país no mundo ameace o poder militar norte-americano. A confissão explícita que pouco importa que Saddam Hussein tenha ou não tenha, não tem, um arsenal de armas químicas e biológicas capazes de por em risco a segurança das "nações livres", o negócio é fazer a guerra e controlar o petróleo iraquiano. O que Lula disse aos militares é que um governo do PT vai rever o acordo militar assinado pelo atual presidente/capataz com os Estados Unidos, que cede a base de Alcântara (o que é pouco, é necessário rompê-lo pura e simplesmente). Reestruturar e reequipar as forças armadas brasileiras para que possam cumprir o papel constitucional de defesa da soberania e da integridade do território brasileiro. Adotar um planejamento estratégico para que seja forjada uma grande nação, capaz de sustentar-se diante de desvarios e alucinações de figuras como Bush. Ao mesmo tempo em que convocou os militares a serem parte integrantes desse projeto político. Isso não significa passar uma borracha em 64, como pretendem alguns, muito menos desconhecer o arbítrio e a violência que cercaram aquele instante doloroso da história brasileira. Significa apenas propor uma diretriz clara e precisa para um projeto Brasil. Não há como viabilizá-lo sem a presença militar. Já o que José Serra disse, em seu desatino atucanado de querer ser presidente a qualquer preço (compensa, viu de perto os oito anos FHC, foi ministro em duas oportunidades), foi a mais contundente manifestação de um candidato submisso e que só representa interesses da potência hegemônica, de terroristas malucos como Bush. O governo de Lula, admitindo que o candidato vença, vai ser exatamente o governo que conseguirmos ou não moldar. Vai depender essencialmente da capacidade de mobilização popular, organização e pressão, corrigindo as distorções resultantes das alianças com partidos complicados como o PL, o PMN enfim, setores das classes dominantes, muitos dos quais asfixiados pelo neo liberalismo. Seja porque restam-se nacionalistas, ou por oportunismo político pura e simples, necessidade de sobrevivência. Numa palestra que fez em Juiz de Fora, Minas Gerais (terra de Itamar Franco) para mais de 500 estudantes universitários, o líder nacional do MST, João Pedro Stédille, disse entre outras coisas, após ter feito concisa e objetiva análise da conjuntura nacional de per si e diante da conjuntura internacional, que a eleição de Lula, malgradas as alianças, era fundamental para a maior presença do movimento popular, nesta quadra de FHC, desmontado pelo neo liberalismo. A bem dizer resta o quê em termos do movimento popular além do MST? Essa mesma análise fez para estudantes e professores da Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais também. O que a esquerda sabe melhor que nunca é que eleições são um meio, nunca um fim em si. Que Lula é a perspectiva de avanços e retomada de posições perdidas ao longo dos anos FHC. Como também, conseqüência do fim da União Soviética e o que isso representou para o pensamento socialista. O que a esquerda sabe desde muito tempo é que sem os militares não há revolução. Afinal o ideal de estado popular pressupõe forças armadas populares. E revolução não quer dizer, necessariamente, luta armada. O próprio MST é o exemplo disso. Há um sentimento que grassa por todo o País que a eleição de Serra, ou qualquer outro que não seja Lula, vai significar, ao contrário do que costumam insinuar, profunda desordem social como conseqüência de qualquer governo que não tenha um projeto alternativo, que seja reformista, ao que aí está. Não vamos virar uma Argentina. Somos uma Argentina, apenas o processo de desintegração difere. Vale para toda a América Latina. Quando Tancredo Neves morreu, no instante que seu corpo era levado do Hospital das Clínicas em São Paulo para o aeroporto (seria levado para Minas, seu Estado natal), as pessoas começaram a largar tudo o que faziam, por onde passava o corpo levado num carro dos bombeiros. Corriam atrás, acenavam lenços brancos, choravam, gritavam, queriam tocar o carro, o caixão, registrou-se naquele instante, a manifestação mais comovente da história do País (talvez o suicídio de Vargas tenha tido o mesmo impacto), porque espontânea e porque reveladora da orfandade do brasileiro. Eram os órfãos de Tancredo, do que Tancredo significava. E não era um homem de esquerda, pelo contrário. Mas ao contrário de FHC. Aécio Neves (seu neto), Serra e outros, teve a dignidade como apanágio de sua vida. Não há órfãos de Lula. Mas a comoção que muitas tem caracterizado as recepções ao candidato petista, quando as pessoas gritam, choram, querem tocá-lo passa por outro momento histórico significativo: o brasileiro sabe que estamos sendo destroçados. Que somos vítimas de bandidos que tomaram de assalto o poder e sabem que Lula é o oposto. É por isso que o governo de Lula vai ser o que formos capazes de moldar. Vai ter que ser a soma de vários setores da sociedade brasileira para que não capitule. Não é uma escolha de um pai. Um messias. É um contrato de responsabilidade entre um partido, o PT, um presidente, Lula e os brasileiros, sobretudo a parcela organizada do movimento popular. E por uma razão muito simples. Ou resistimos ao processo de recolonização do Brasil. Pomos um fim a ele, retomando nossos próprios destinos a partir das nossas vontades e da nossa capacidade de organização, formação e luta, ou escoamos pelo ralo. O Iraque, a Palestina, qualquer brasileiro sabe isso no seu inconsciente, somos todos nós diante do terrorismo norte-americano. Lula não é o messias. O PT não é a salvação nacional. Todos nós teremos que ser parte do processo. Mas Serra, ele próprio é uma bomba atômica jogada contra o Brasil e os brasileiros. |
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