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16 de setembro de 2002 |
Você compraria um carro usado dele?
Laerte Braga
John Kennedy, em 1960, venceu as eleições presidenciais
norte-americanas derrotando o então vice presidente, Richard Nixon, em
dois momentos, segundo os especialistas daquele país. O primeiro deles
quando percebendo que o candidato republicano conseguia uma segura
margem de liderança no colégio eleitoral, partiu para ofensiva com uma
pergunta simples e que foi colocada em cada casa de cada cidadão dos
Estados Unidos: "você compraria um carro usado dele?". O retrato de
Nixon e a pergunta.
Nixon, àquela época, já era um político controverso e havia amargado reveses numa viagem pela América Latina, quando tentara obter apoio para isolar Cuba ou, ainda, enquadrar o governo de Fidel Castro. Para se ter uma idéia, na Venezuela foi apedrejado. O segundo momento foi quando do debate entre os dois candidatos, poucos dias antes das eleições. A maquiagem (mania de parecer mais jovem, sem rugas, essas bobagens) de Nixon derreteu no calor do estúdio e resultou no contrário: o candidato suado aparentou cansaço, desânimo, contrastando com a juventude de Kennedy. E mesmo assim a vitória do democrata foi apertada tanto no voto popular, pouco mais de cem mil votos, como no colégio eleitoral. A sorte de Kennedy é que as eleições nem foram definidas na Flórida e nem havia justiça eleitoral com Jobim e urnas eletrônicas. A pergunta feita aos eleitores americanos sobre Nixon cabe, tranqüilamente, para o brasileiro José Serra, o candidato oficial ao governo do Brasil. No caso de Serra nunca é demais e nem é repetitivo lembrar, que governo é força de expressão. No máximo capataz do capital internacional e dos Estados unidos para o País. Como FHC. Nixon, em 1960, fez toda a sua campanha procurando desqualificar Kennedy, segundo ele um playboy, produto das elites e, portanto, incapaz de compreender a importância dos Estados Unidos no mundo e os reais desejos dos cidadãos daquele país. Anos mais tarde, quando finalmente conseguiu chegar à presidência, Nixon acabou forçado a renunciar diante da contundência das provas sobre métodos que alguns chamam de heterodoxos para chegar e manter-se no poder. Em 1960 já havia se valido desse expediente, que é puro banditismo ortodoxo mesmo. Serra, aqui, não fez outra coisa até agora. Lançou a isca de oito milhões de empregos e todos os efeitos especiais possíveis para tentar vender a idéia, a ilusão, enganar e ludibriar os brasileiros e partiu para cima dos adversários. Ninguém presta, ninguém é capaz, ninguém é preparado, só ele. E até antes disso. No episódio que resultou no afastamento de Roseana Sarney. O esquema de poder corrupto e podre usou a Polícia Federal, ou Polícia Tucana, é a mesma coisa, para um arranjo envolvendo a ex governadora do Maranhão que, naquele momento, era a principal ameaça ao candidato governista. No melhor estilo de Al Capone, de montagem de provas, essas coisas todas bem características de bandidos, de tucanos, do próprio Serra: o importante é chegar não importa se a mãe fica pelo meio de caminho. Vale tudo. Liquidada a candidata Roseana, surge o obstáculo Ciro Gomes. O provinciano candidato de uma dissidência tucana, aliado ao PFL (partido dos banqueiros), a Leonel Brizola (um triste fim de uma história de bravura) e no partido do senador hermafrodita, Roberto Freire (governo à noite e oposição ao dia), subiu de maneira veloz e impressionante nas pesquisas, virou o anti Lula e deixou Serra na condição de disputar o terceiro lugar contra Garotinho, uma espécie de aiatolá tropical. O enviado de Deus. Em meio a tudo isso FHC e sua turma têm que correr e tampar rombos do desastre de seus oito anos. O Brasil, em dois ou três dias vê-se na perspectiva de desmilinguir-se, literalmente. Isso, na cabeça dos bandidos só pode acontecer depois das eleições. Aí dane-se o povo, dane-se o País, o deles já estará salvo. Como os preços dos combustíveis. Aumentos? Só depois para não atrapalhar José Serra. Começa a operação de resgate de Serra e sua trôpega candidatura. O que era para ser um dado do fracasso da era FHC, vira um trunfo no poder mágico das comunicações, da imagem. O Brasil atola-se mais com o FMI, arranca um empréstimo de 30 bilhões, quantia e tempo recordes. FHC posa de estadista e "salva" o Brasil. Salva dele mesmo, de Malan e Armínio e seus pistoleiros. Salva para Serra. Monta o aparato digno de um Spielberg ao convidar os candidatos para uma conversa no Planalto, como se tivesse alguma coisa para dizer, quando na verdade está amarrando a camisa de força. É que parte do empréstimo, 24 bilhões só no ano que vem, com o novo governo. Agora, só seis bilhões, um aumento no compromisso de superávit primário e ganhamos fôlego para atravessar um mar tempestuoso, pelo menos até outubro. Serra capitaliza alguma coisa, sabendo que ainda permanece na corda bamba, mas tenta equilibrar-se. Uma semana depois entram em cena a "Rede Globo" e os institutos de pesquisa. Na primeira semana após o início da propaganda eleitoral gratuita e da caça a um provinciano que meteu-se a estadista, Ciro Gomes. Ganhou de véspera, portanto estrepou-se. Ficou acuado no canto do ringue diante da saraivada de golpes de Serra e, principalmente, tonto, com os golpes baixos que o juiz eleitoral, compadre de Serra ignorou. Ou por outra: descontou pontos de Ciro. O candidato tucano está sendo apontado por todos os lados como "projeto de Mussolini", tal a fúria com que atira-se contra tudo o que se lhe interpõe no caminho para o Planalto. O cara, literalmente, ensandeceu, endoidou, perdeu qualquer escrúpulo (se é que já teve algum), apossou-se de uma metralhadora giratória e agora começa a atirar contra Lula, de olho no segundo turno. Está escorado na podridão do Planalto, dos meios de comunicação a serviço do "governo", de uma justiça eleitoral que virou partido, escancaradamente e, por via das dúvidas, das urnas eletrônicas. Por azar, algumas apreendidas antes das eleições já continham votos para Serra. A fúria de Serra beira as raias da demência. Setores aliados a FHC começam, eles próprios, a temer que estejamos diante de um Fujimori não vacinado, de um Collor disfarçado (os projetos de FHC são os de Collor e os de Serra também, são "colonizados" como diz João Pedro Stédille). Um articulista do jornal "Estado de São Paulo", Mauro Chaves, destila todo o preconceito boçal das elites sobre um eventual despreparo de Lula, quando fala em escolaridade, cursos disso, daquilo, pós isso, pós aquilo, traz o assunto de novo para o centro das discussões, ou tenta trazer, quando percebe-se que Lula tem resistido a todos os ataques. Eu me recordo de imediato, de dois gênios do jornalismo brasileiro, Paulo Francis e Millôr Fernandes, que não tinha o primeiro e não tem o segundo, cursos superiores. Recordo-me de Ziraldo, há alguns anos atrás, numa entrevista/debate numa emissora de televisão, quando um dos presentes, incapaz de raciocinar e andar ao mesmo tempo, mas cheio de diplomas, todos pendurados nas paredes, miniaturizados e guardados em carteiras no bolso para serem mostrados a todas as pessoas como atestado de inteligência, cultura e sabedoria, eu me recordo, quando o boçal perguntou ao jornalista e humorista, notável escritor, qual o seu curso e Ziraldo foi definitivo: "faculdade da vida". Presumir que curso superior e o escambau seja fundamental para alguém ser presidente da República é negar o fundamento democrático. E de democracia burguesa. Deles mesmos. Essa democracia fajuta que temos aí. FHC é o exemplo pronto e acabado da podridão, principalmente e ação perversa e cruel das elites brasileiras. Vendeu o País inteiro. Não tem sensibilidade senão diante do espelho e da faixa de capataz de Bush no Brasil. É só o que Serra quer ser. O que o Brasil deseja é diferente. O próprio Cristo, para quem costuma valer-se de exemplos religiosos, foi ao templo mostrar aos doutores que eram uns primevos. Em 1994, quando da primeira eleição de FHC, uma figura de proa do PMDB, conversando comigo, reclamava do apoio do partido a Orestes Quércia. Respondi-lhe assim: "Por pior que Quércia seja e bota pior nisso, vai ser sempre, sempre, menos ruim que FHC, logo, melhor". Continua valendo até hoje. Até entre bandidos há os que guardam suas almas. Tucano não. Não tem nem idéia do que seja isso. O que é preciso entender e os brasileiros parecem estar percebendo isso, é que os "preparados" transformaram o Brasil numa colônia norte-americana. Temos uma elite das mais atrasadas e corruptas, semelhante a qualquer uma dessas que costumam mostrar como exemplo de primitivismo. Não há diferença alguma entre os coronéis padrão ACM, no Nordeste, em Minas, no interior do Brasil de um modo geral e qualquer Trujillo da vida. Não foram capazes nem de construir uma Nação. Apenas locupletaram-se, explorando e ludibriando os trabalhadores, os camponeses, a classe média. Serra representa os interesses dessa gente. O que assistimos é a velha luta de classes. Por mais que José Dirceu não queira deixar transparecer. Acrescida do dilema da sobrevivência. Estamos entre o se correr o bicho pega e se ficar o bicho come. Lula é a alternativa única, com todas as críticas e limitações. Tem diferenças fundamentais com Serra. Lula é gente. Tem alma. Tem sensibilidade. Serra é um furioso e desqualificado representante das elites. Podre. Corrupto. Eleições não são um fim, são apenas um instrumento de avanço do movimento popular numa democracia burguesa. Neste momento o conceito de trabalhador é bem mais amplo. Abarca a própria classe média. Ou restamos Nação íntegra diante da barbárie neo liberal, ou sucumbimos ao terrorismo de Bush e à corrupção deslavada de seus capatazes. O que o Brasil e os brasileiros precisamos é reencontrar o caminho de um projeto Brasil. Com Serra seremos manada de explorados. Com Lula começamos a subir ao palco de nossa História e ganhamos condição de dela sermos os protagonistas, coletivamente. E nas nossas diferenças. Sem estrelas furiosas e furibundas, perversas e vagabundas, adjetivos que sintetizam tanto FHC, como Serra, como Aécio, como Brito, como Malan, como Armínio, como Roriz, como Maluf, como Alckimin, qualquer um deles. Neste momento ou compramos um carro usado de bandidos, ou optamos por caminharmos o caminho, a pé, de que jeito seja, traçado segundo nossos desejos. Essa é a principal perspectiva que Lula oferece. Essa história de "preparo" é chilique de elites que costumam levar suas cadelinhas ao cabeleireiro em helicópteros para fugir do trânsito estressante. A coisa é aí. O carro usado do cara não anda para a frente. Só para trás. O Brasil rumo aos séculos XX, XIX, XVIII. O máximo que vamos conseguir são linhas de diligências da Wells Fargo, saloons com presença de cowboys a la Bufalo Bil e hambúrgueres e chicletes como padrão de "progresso". Tudo mostrado pela Xuxa, pela Elba Ramalho, pelo Chitãozinho e o Chororó, enquanto enchem as burras e cobram as contas da gente. O carro usado dele é fria. |
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