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La insignia
16 de setembro de 2002


Brasil

Lula, a opção brasileira


Alberto Amadei
Adital. Brasil, setembro de 2002.



Não faz muito tempo. Apenas 13 anos. Em 89, com apoio maciço dos principais meios de comunicação, as elites traíram a democracia. Não perderam tempo e fizeram a reforma que os ricos queriam. O Brasil, da Era Collor-PC, fez a sua opção preferencial pelos ricos, com a retórica da defesa dos descamisados e a caça dos privilégios.

Uma gangue de saqueadores do dinheiro público e da chantagem acampou no Palácio do Planalto. O apetite do bloco no poder e o amadorismo da rapinagem incomodaram a rede tradicional do stablishment. Daí para o impeachment foi um passo só.

Observe-se que Collor foi ejetado da cabine de comando do país pelas próprias elites. O povo, caras-pintadas inclusive, entraram na mobilização a convite. Como massa útil de manobra. O movimento pela ética na política durou apenas até o bota-fora do primeiro operador do modelo neoliberal. Abriu caminho para uma porção deles. O cortejo de neolibertinos seguiria impávido com Gortari, Fujimori, Menem e De la Rua, até que o colapso os abatesse juntamente com opção neoliberal que fizeram.

O primeiro títere do neolibertinismo no Brasil não caiu por excesso de corrupção, mas por falta de capacidade de articulação, de uma sólida base de sustentação no Parlamento. O que se viu depois, na era FHC, em matéria de torrefação do patrimônio público, compra de votos para a reeleição e um festival de privilégios ao capital financeiro e especulativo, claramente ultrapassou todas as medidas.

Diante da privataria da Era FHC - expressão utilizada pelo jornalista Aloysio Biondi para retratar a entrega do patrimônio público em troca de moedas podres - a entourage collorida não passava de um grupelho de trombadinhas e punguistas.

Uma prova material dos rastros de gestão temerária do patrimônio e recursos públicos pode ser detectada no projeto de lei do Deputado Bonifácio Andrada, que passou como um cometa pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O referido projeto garante julgamento em foro privilegiado, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, para todos os ex-ocupantes de cargos públicos: presidente, ministros, secretários de estado e governadores. Sabe-se que na legislação brasileira, tal prerrogativa só é atribuída a quem ocupa cargo público, não para ex-ocupantes. Curiosamente, um ex-ministro da Justiça, do próprio governo FHC, demissionário, declarou pouco antes de deixar o cargo, que todo aquele que invoca foro privilegiado é réu confesso.

Há um temor generalizado nas elites brasileiras, por exemplo, com a possibilidade de auditoria dos contratos da dívida pública, dos processos de privatização, dos programas de ajuda aos bancos e das grandes empreiteiras com contratos envolvendo bilhões de reais. Isso porque, foi no Brasil que o processo de privatização e endividamento se deu de forma mais rápida e implicou a maior transferência de riqueza para mãos privadas de recursos e patrimônio público.

O candidato do governo, que se apresenta como o responsável pela continuidade sem continuísmo, até agora se mantém no segundo lugar das pesquisas eleitorais com um apoio orquestrado e organizado dos grandes meios de comunicação. Os grandes capitalistas do mercado financeiro e das grandes empresas, da mídia grande, sem dúvida jogam tudo o seu peso, e recursos financeiros e de poder, no apoio da manutenção do status quo.

Uma sensação estranha percorre os setores melhor informados. O Poder Judiciário Eleitoral não tem conseguido transmitir sua imparcialidade. O presidente do Superior Tribunal Eleitoral é amigo pessoal de José Serra, o candidato do governo. Ambos são do mesmo partido, o PSDB e chegaram até a dividir o mesmo apartamento funcional em Brasília. O presidente do TSE é compadre de José Serra.

Independentemente do acerto das decisões do Tribunal, que coincidentemente desfavorecem o principal adversário da Frente Trabalhista, Ciro Gomes, paira um clima de que existe alguma coisa de podre no processo eleitoral.

Uma contradição fundamental marca o processo eleitoral brasileiro. A vontade das urnas vai contrariar a expectativa dos mercados. Os candidatos em oposição somam mais de 65% dos votos. O candidato do governo apenas 20%.

Daí um grande movimento especulativo no mercado de câmbio, que tem exigido do Banco Central pagar taxas de juros anuais de 30% mais variação cambial, para rolar com dificuldade uma dívida pública que equivale, somados os passivos externo e interno, a mais de 100% do PIB, com vencimento médio dos títulos em 36,4 meses.

O candidato Lula vem conduzindo sua campanha em tom otimista, de conciliação entre capital e trabalho. Acena com um novo pacto social fundado na ampla negociação de preços e salários com vistas a um desenvolvimento sustentável de longo prazo. A sua estratégia, de injetar esperanças de que há alternativa ao trágico legado da era FHC, dá certo e comove os desempregados e jovens.

Todavia, como dizia o poeta de Itabira, Carlos Drummond de Andrade, que se estivera vivo comemoraria 100 anos em 2002, há uma pedra no meio do caminho. O acordo com o FMI, que permitiu a FHC salvar o seu mandato de um final semelhante a De la Rua, foi firmado de tal forma que reduz drasticamente as reservas cambiais brasileiras a apenas US5 bilhões de dólares. Uma posição de extrema fragilidade diante de apostadores que vão fazer inúmeras exigências e abusar da chantagem para lograr concessões.

Lula, gostem ou não, é o novo cavaleiro da esperança. O portador do sonho de que um outro mundo é possível. É a primeira vez, em 500 anos de governança elitista, que uma criatura do Brasil de Baixo chega tão longe.

Só os ingênuos, que não conhecem a natureza cruel, ignorante e corrupta das elites brasileiras, podem pensar que Lula não vai sofrer um fustigamento permanente para ser varrido do poder, o quanto antes. O sofrimento de Hugo Chaves antecipa as pressões de que Lula será alvo.

Talvez, por isso, o Partido dos Trabalhadores tenha modificado muito, tanto o discurso, que passou dos compromissos populares e nacionais, para muita moderação e até algum conservadorismo, com vistas a evitar que uma tempestade se abata sobre o futuro presidente, logo no dia da posse.

O Brasil encontra-se diante de um momento decisivo. Na sua história e na da América Latina. Se ceder, sobretudo à vontade imperial de aceleração da ALCA, não vai poder coordenar um bloco regional geopoliticamente equidistante do EURO e do NAFTA. Se não for capaz de neutralizar as pressões desestabilizadoras, que já se manifestam mesmo antes da posse, com base em um amplo apoio popular oriundo dos movimentos sociais organizados, então será assediado sem dó para não terminar seu mandato.

Não há a menor dúvida que Lula centraliza e concentra as expectativas da realização de um sonho. De que as desigualdades no Brasil podem ser desestruturadas. De que a renda pode ser desconcentrada. De que o crescimento econômico pode se dar de forma includente. De que para os nossos filhos e netos ainda não é tarde demais.

Agora é Lula, diz o refrão cantado em toddos os cantos do país. Se Deus for brasileiro, talvez seja a hora de ajudar um pouquinho esse metalúrgico que virou líder sindical depois de emigrar do Nordeste para fugir da seca e da fome, pendurado na carroceria de um caminhão pau-de-arara. Talvez tenha chegado a hora e a vez de uma opção genuinamente brasileira.



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