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14 de setembro de 2002 |
Esquina sombria, luz no fundo
Tarso Genro (*)
O elemento mais vigoroso do contexto político atual é a dependência absoluta - para a estabilidade política - da vinda de capitais de curto prazo, para que a máquina estatal continue em funcionamento. A que lugar nos leva tal dependência e a que reações sociais nos conduz tal caminho - sua exata determinação no campo específico da disputa política - é a indagação fundamental que poderá determinar a vitória ou a derrota da oposição de esquerda representada pela candidatura Lula.
Dois são os ensaios que a oposição a FHC tenta oferecer, hoje. A primeira hipótese é a tentativa "messiânica", voluntarista, que até mesmo por não ser lastreada num partido hegemônico, só pode ser de cunho autoritário. Esta resposta só poderá ser eficaz à medida que "contratar" com o passado, inclusive com a própria oligarquia mais conservadora, que esteve com FHC. É um caminho que precisa de fôlego político e meios excepcionais para uma campanha extremamente dura. A segunda tentação é a de, configurada a política de alianças e o programa de centro-esquerda, presumir que é possível a substituição exclusivamente "por baixo" do atual bloco de poder: ou seja, tentar uma opção que descarte vários setores empresariais e apele apenas para as classes populares. Descartar vastos setores empresariais que estavam ou até mesmo ainda estão com FHC, mas que certamente terão um papel produtivo fundamental num outro modelo econômico, debilita a nossa relação com os "de baixo", que sabem de onde vem os seus empregos e o papel que a iniciativa privada tem no crescimento da economia. O modelo possível, na situação histórica atual, é um modelo que avance na modernização democrática com distribuição de renda, na inserção soberana do país na economia mundial, com o prioritário fortalecimento do mercado interno. É um modelo também de melhoria dos serviços essenciais prestados pelo Estado e de crescimento econômico. Trata-se da possibilidade de um novo contrato social e político na sua "dimensão" mínima: uma saída claramente negociada, que busca o isolamento do rentismo especulativo e das velhas oligarquias patrimonialistas, do Norte e do Nordeste, em benefício do povo. As oligarquias, aliás, já desembarcaram na candidatura Ciro Gomes, originariamente antioligárquica, mas sempre se movendo com agilidade espantosa entre a centro-esquerda e a centro-direita. É uma esquina sombria aquela a qual estamos nos aproximando. De uma parte, porque o sistema de alianças tradicional, desta fase da vida política do país, foi superado. Empurrado pela crise econômica e pela falta de acordos entre as classes economicamente mais fortes do país, o velho sistema de alianças ruiu. Sua falência pode não deixar boa memória, mas seguramente gerou uma confusão extraordinária, à esquerda e à direita, e só a eleição determinará até que ponto o novo quadro de coalizões foi positivo para a consolidação da democracia no país. Sempre sustentei que a polarização Lula x Serra seria a mais moderna e qualificada para o avanço democrático no país. Serra, inclusive, movendo-se em direção ao centro e absorvendo algumas críticas ao "fim de festa" neoliberal em escala planetária. Lula, optando por uma clara composição de centro-esquerda com um programa de transição para um outro modelo, sem "rupturas" que pudessem apavorar as classes médias formadoras de opinião. Esta polarização esvaiu-se. Agora tudo mudou e é preciso dar nitidez a outra polarização, que não mais se insinua, mas explicita-se claramente: o messianismo voluntarista que arrumará tudo rapidamente (Ciro) e o programa de transição para um outro modelo (Lula). O primeiro tem um forte apelo nos setores desorganizados da sociedade, como tinha a proposta de Collor; o segundo pode chamar a sociedade organizada para governar com uma nova maioria política no país para encaminhar um ciclo de reformas democráticas capazes de recompor o Estado público e o desenvolvimento. Ciro não é Collor, e a comparação não é ético-moral. Ele reproduz, porém, a mesma alternativa política de um governo sem âncoras partidárias e sem organicidade na sociedade civil. Ele é - agora - o caminho da instabilidade: a luz no fundo da rua está à espera para ser acesa. (*) Tarso Genro (PT), ex-prefeito de Porto Alegre, é candidato ao governo do Rio Grande do Sul. |
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