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9 de setembro de 2002 |
A praga da informalidade
Altamiro Borges (*)
Além da explosão do desemprego e da corrosão do salário, analisadas nas duas colunas anteriores, outra triste marca do governo FHC foi a brusca expansão do trabalho informal. Nos seus quase oito anos de reinado, este fenômeno cresceu como erva daninha. Atualmente, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), apenas um em cada três brasileiros é assalariado com registro formal. Dos 76,5 milhões de pessoas que compõem a População Economicamente Ativa (PEA), somente 24 milhões possuem algum tipo de proteção social e trabalhista. O restante está desempregado ou sobrevive na informalidade.
Apesar das diversas faces da informalidade, o grosso destes trabalhadores vive totalmente desamparado - sem qualquer direito trabalhista ou previdenciário -, trabalha longas jornadas, ganha míseros rendimentos e nem sequer conta com o respaldo de uma organização sindical. Um estudo feito pela CUT na cidade de São Paulo, intitulado "Mapa do trabalho informal", indicou que a jornada média entre os entrevistados era de 76 horas semanais. Mostrou também que "a grande maioria dos informais exerce atividades precárias, quase todas sujeitas à repressão policial, o que torna os ganhos extremamente instáveis e incertos". HERANÇA DE FHC É verdade que o trabalho informal não é um problema novo nem no Brasil e nem no mundo. Com outras designações, ele já foi motivo de acalorados debates no passado. Karl Marx, por exemplo, já abordou as varias formas de "população relativamente excedente". No livro O Capital, demonstrou que esta parcela oferece "ao capital uma fonte inesgotável de força de trabalho disponível. Seu padrão de vida cai abaixo do nível normal da classe trabalhadora e é exatamente isso que a torna uma ampla base para ramos de exploração específicos do capital. Caracterizam-na o máximo tempo de trabalho e o mínimo de salário". No caso brasileiro, o violento êxodo rural, que entre 1950/1980 envolveu mais de 35 milhões de pessoas - num dos maiores fluxos migratórias da história humana - sempre ofereceu ao empresariado este funcional exército de reserva. Ocorre que até os anos 80 havia uma percepção de que o Brasil seguia, mesmo com atraso, o caminho das economias capitalistas industrializadas, com a ampliação do assalariamento formal. A partir da década de 90, entretanto, houve uma inversão desta tendência histórica. O desassalariamento, este sim, pode então ser considerado uma novidade da "era FHC". Desde a abolição da escravatura, no final do século XIX, até a década de 80, a evolução do emprego formal sempre foi positiva no Brasil - salvo em alguns períodos recessivos. Entre 1940 e 1970, por exemplo, de cada dez postos de trabalho gerados no país, oito eram empregos assalariados - sendo sete com carteira assinada. Com a vigência do receituário neoliberal, iniciada por Collor e intensificada por FHC, o cenário se alterou bruscamente. De cada dez empregos criados nos anos 90, somente dois são assalariados e ainda sem registro em carteira. As razões do crescimento da informalidade são bem conhecidas. A primeira decorre da própria explosão do desemprego no país - que vitimou em média um milhão de trabalhadores ao ano durante o reinado de FHC. A segunda deriva dos míseros salários vigentes no Brasil, que forçam muitos brasileiros a tentarem na informalidade uma nova fonte de subsistência. A terceira relaciona-se com a investida de flexibilização trabalhista, que resultou em inúmeras formas de contrato precário - temporário, parcial e outros. Por último, existe ainda a "ilusão" de se livrar do jugo do patrão, construindo um "negócio próprio". Este último motivo, de frágil impacto na atualidade, é superestimado pelos ideólogos do capital. Desta forma, eles procuram relativizar os efeitos negativos da informalidade. Afirmam que o mercado informal pode representar uma inserção ocupacional mais avançada, com remuneração e condições de trabalho mais favoráveis. Com essa visão, o ex-ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, chegou a dizer que "o emprego informal não é tão desemprego". Mas todas as pesquisas indicam que no Brasil o que cresce é o popular "autônomo", sem qualquer especialização, com péssimos salários e condições de trabalho. E mesmo este mercado informal já dá evidentes sinais de esgotamento. Durante algum tempo, ele serviu de "colchão", amortecendo os dramáticos efeitos do desemprego. Antes, a abertura do pequeno negócio era uma opção para quem não encontrava emprego. Hoje, porém, ele está saturado. O IBGE calcula que aproximadamente um em cada quatro trabalhadores das seis principais capitais do país seja autônomo. No início da década de 90, a proporção era de um em cinco. Segundo estimativa do economista Jorge Mattoso, só entre 1994 e 1997 cerca de 1,7 milhão de pessoas ingressou como autônomo no mercado. "As estatísticas mostram que não há mais espaço para o crescimento da atividade dos autônomos", afirma Sérgio Mendonça, diretor-técnico do Dieese. O resultado deste inchaço é que a renda destes trabalhadores cai a cada ano que passa. Segundo o IBGE, o rendimento médio do empregado no setor informal foi de R$ 240,00 em outubro de 1997. "É um bolsão de pessoas de baixa renda", argumenta a especialista em economia informal Hildete Melo, consultora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Caso não seja alterado rumo do país, este quadro só tende a piorar. Marcio Pochmann lembra que os anos 90 viram nascer um novo fenômeno: o que ele chama de desmonetização das relações de trabalho. Ou seja, o aparecimento e expansão de ocupações sem remuneração. "Diante do crescente desemprego e da desregulação do mercado, trabalhadores excedentes aceitam ocupações sem remuneração, em troca de alimentação, moradia, transporte e educação, entre outras situações vexatórias. Nesses termos compreende-se como a modernidade neoliberal representa, cada vez mais, a volta ao passado", afirma. (*) Altamiro Borges é jornalista, editor da revista Debate Sindical e co-autor, junto com o economista Marcio Pochmann, do livro "Era FHC - A regressão do trabalho" (Editora Anita Garibaldi, agosto de 2002). |
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