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La insignia
7 de setembro de 2002


Brasil: Era FHC

A corrosão dos salários


Altamiro Borges (*)
La Insignia. Brasil, 7 de setembro.



A coluna anterior abordou a explosão do desemprego na "era FHC". Esta inconteste realidade hoje não é negada nem mesmo pelo mais cínico bajulador do atual governo. Já no que se refere aos rendimentos do trabalho, a propaganda oficial insiste em vender a ilusão de que houve uma melhora do poder aquisitivo dos brasileiros durante o reinado tucano. Esta seria uma "conquista do Plano Real", que teria eliminado o efeito corrosivo da inflação sobre os salários. Um olhar mais atento, entretanto, anula por completo mais este mito neoliberal tão disseminado pela mídia chapa-branca.

Recente pesquisa do IBGE confirma que a renda real dos trabalhadores, já descontada a inflação, está em queda há quatro anos consecutivos. Desde de 1998, acumulou uma perda de 10,8%. Tamanha regressão é facilmente explicada. Afinal, FHC não tem qualquer compromisso com os que vivem do trabalho. O seu governo serve unicamente aos interesses do capital rentista. A própria estabilização monetária teve como objetivo maior dar segurança e previsibilidade ao setor financeiro. Não foi sequer uma criação original do seu mandato. A estabilização foi imposta pelo FMI e Banco Mundial e serviu de modelo em vários países.

Já no que se refere ao rendimento do trabalho, o governo FHC só fez atacá-lo. Antes mesmo da sua posse, ainda como ministro da Fazenda de Itamar Franco, ele apresentou um projeto pondo fim política salarial vigente há 30 anos, que garantia a indexação dos salários. Sem esta legislação de proteção, a renda dos assalariados ficou a mercê da dinâmica do mercado. Num cenário de brutal desemprego, que amedrontou e acuou os trabalhadores, os sindicatos não tiveram força para garantir a manutenção - e, muito menos, a elevação - do poder aquisitivo do trabalhador. Vingou a "livre negociação" entre a forca e o enforcado!

Além disso, FHC investiu pesado para enfraquecer o salário mínimo como um agente regulador da renda no país. No seu reinado, houve recorrente esvaziamento do seu papel, com o rebaixamento do seu valor real, a regionalização de sua fixação e a separação do seu valor do piso da Previdência Social. Outra vítima deste governo foi o funcionalismo público, que ficou quase oito anos com o seu salário congelado. Já os milhões de brasileiros que engrossaram o mercado informal de trabalho, além de ficarem totalmente desprotegidos legalmente, vivenciaram uma brutal perda de poder aquisitivo.

O rendimento do trabalho também foi duramente afetado pelo aumento sem precedentes da tributação e pela queda da renda indireta, antes provida por alguns serviços públicos gratuitos ou subsidiados de transporte, saúde, educação e abastecimento. Mesmo nos setores protegidos pela legislação trabalhista, a remuneração foi se tornando variável de forma crescente, através da negociação da PLR (Participação nos Lucros Resultados), tornada cláusula obrigatória pelo patronato na assinatura dos acordos coletivos. Com isso, diminuiu o peso do salário fixo e cresceu o do variável, dependente dos humores do mercado.

O resultado desta política foi devastador. Como atesta recente estudo do Dieese, "a renda do trabalho não acompanhou, ao longo desse período, os ganhos de produtividade da economia. Nem mesmo manteve o poder de compra dos que vivem de salários. Ao contrário, apesar de alguns momentos de recuperação, o saldo do período é de diminuição do poder aquisitivo de todos os que têm no trabalho sua fonte de renda. O salário mínimo, importante instrumento distributivo e de regulação do mercado de trabalho, atingiu os mais baixos patamares de sua história".

Atualmente, cerca de 28 milhões de brasileiros recebem até um salário mínimo - sendo 12,6 milhões de aposentados e pensionistas e 14,9 milhões de trabalhadores na ativa. No final de 1999, o salário mínimo equivalia a 2/3 do valor de 1989 e o seu poder aquisitivo estava próximo de ¼ do que possuía na época em que foi instituído, em julho de 1940. Como afirma um levantamento do Dieese, desmistificando o discurso tucano, "a recuperação do salário mínimo verificada na segunda metade da década de 1990, principalmente devido à queda das taxas de inflação, foi tênue e incapaz de compensar a forte corrosão sofrida na fase de aceleração inflacionária anterior".

Todos os indicadores confirmam a corrosão dos salários patrocinada pela "era FHC". A última pesquisa do IBGE, de janeiro de 2000, indica que 80,5% dos assalariados recebem até cinco salários mínimos. Nesta onda regressiva, as desigualdades também fraturaram a própria classe dos trabalhadores. Os 50% que ganham menos se apropriam de apenas 13,9% do total da renda proveniente do trabalho; já os 50% que ganham mais ficam com 86,1%. As diferenças regionais também são gritantes. Enquanto na região Sudeste, 10,5% dos trabalhadores recebem até um mínimo, no Nordeste 40,9% vivem com esta miséria.


(*) Altamiro Borges é jornalista, editor da revista Debate Sindical e co-autor, junto com o economista Marcio Pochmann, do livro "Era FHC - A regressão do trabalho" (Editora Anita Garibaldi, agosto de 2002).



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