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5 de setembro de 2002 |
A violência vem de Serra e do que ele representa
Laerte Braga
A banalização da violência, tantas vezes citada, analisada, é
também, óbvio, a banalização da vida em todos os sentidos. O jornalista
Paulo Francis costumava dizer que os jovens crescem matando monstros nos
jogos eletrônicos e isso facilita o controle para o momento em que os
monstros viram gente de carne e osso.
É difícil imaginar drama de consciência num piloto que tenha bombardeado uma cerimônia de casamento no Afeganistão, matado noivos, parentes e amigos, quando apenas cumpriu ordens de seu comando que, por sua vez, supôs tratar-se de uma ação "terrorista". A própria desculpa está embutida no processo de treinamento, soa como aquela frase de Madeleine Albright sobre as duzentas mil crianças iraquianas mortas como "preço a ser pago pela democracia". É o valor do "patriotismo" acendrado, que desperta num jogo de basquete ao som do hino nacional e que é levado a histeria quando um terrorista, esse sem aspas, no padrão George Bush, define o que é mal, o que é bem e assegura imunidade para seus soldados limparem o mundo do que "não presta". As eleições no Brasil tomaram um rumo que há 15 dias atrás parecia impossível: chances para o candidato do "governo", José Serra. Serra, por sua vez, consegue crescer tanto no processo de embuste montado pelos meios de comunicação, sobretudo a televisão, como na incapacidade de um eleitorado que, dia a dia, deixa-se fascinar por aquilo que é apenas uma estratégia de marketing. É o candidato de FHC sem necessitar defendê-lo. É o candidato que recusa-se a discutir o que acontece no País falando em futuro e embriaga considerável parte dos brasileiros com a conversa de oito milhões de empregos. Sem nenhum respeito por nada que não seja vantagem, atropela o processo eleitoral com um comportamento aético (isso é normal nesse meio) e ao arrepio das leis, como gostam de dizer os advogados. Escora-se no aparelho estatal, como um todo (Executivo, Legislativo e Judiciário) corrompido e comprometido com a continuidade do neo liberalismo e vira, aos olhos de embevecidos eleitores, o que muda, o que transforma, sendo parte, apêndice, integrante do sistema de poder. Quando Sérgio Motta, ministro das Comunicações do primeiro mandato de FHC e sócio do capataz brasileiro de Bush, disse que havia um projeto para "vinte anos de poder", ao contrário do que muitos imaginaram, não estava sendo boquirroto e nem jogando palavras inconsequentes ao vento. E tanto é assim que logo em seguida foi o operador da reeleição do amigo e sócio. Responsável pela compra de deputados e senadores, pela liberação de verbas, canais de rádio, tevê, todo o aparato que ensejou o segundo mandato, o atual. Serra é o passo seguinte e com uma característica interessante: Lula não chega a ser problema. Ciro é um espinho atravessado na garganta, precisa ser varrido a qualquer custo. É um deles que desgarrou-se. Foi ludibriado e enganado no início do primeiro mandato, quando ainda era o ministro da Fazenda do governo de Itamar Franco. Sabem, os donos, que sendo igual, Ciro Gomes reúne em torno de si todos os ludibriados, enganados e postos para fora do esquema, como ACM, o PFL e nada pior que isso. Estão ansiosos para dar o troco. O ímpeto de Serra, o destempero, a aparência de um alucinado, a forma como investe contra um ex companheiro, beira as raias da histeria e só justifica-se pela necessidade de ganhar a qualquer preço, como pelo temor que no troco aconteçam fatos como os que levaram, por exemplo, Menem para a cadeia. Motivos para isso, em qualquer figura dos dois mandatos de FHC, o próprio inclusive, existem de sobra. A situação dos povos latino-americanos lembra a de um lutador atordoado, sem saber como reagir, ou principalmente que é preciso reagir e, encostado nas cordas. Acredita que, num determinado momento, o gongo vá soar e aí uma chance de um minuto para cicatrizar ferimentos e respirar e o round seguinte vá ser diferente. O que difere FHC de Toledo, como antes de Fujimori, ou de Duhalde, ou de Fox, ou de qualquer chefe de governo na América Latina, é apenas o estilo. O jeito. Toledo não tem pretensões, pelo menos visíveis, de ser Secretário Geral da ONU. FHC tem. Mas são todos eles agentes de uma força maior e o processo de "ganhar a qualquer preço" decorre daí. A questão Ciro Gomes é importante para Serra e FHC, mas não o é para os donos. Para eles, aliás, é indiferente que seja um ou outro. Quando o coordenador nacional do MST, João Pedro Stédille fala da apatia do movimento popular, o momento de apatia, para logo em seguida destacar a importância da eleição de Lula exatamente pela perspectiva que representa de recuperação das ações populares e formação e organização da resistência ao processo de controle do País pelos norte-americanos, sai desse círculo amigos e inimigos cordiais ou não, para lembrar a responsabilidade e a importância dessa resistência, fala de sobrevivência do Brasil como nação soberana. E aí, nessa ótica, pouco importam as alianças de Lula. Há uma diferença substancial entre ele, Serra e Ciro: Lula é Brasil e os dois não. Representam interesses dos colonizadores. É por isso que a luta vai ser dramática no segundo turno. Muito mais se for Serra. Para eles vale tudo. O feio é perder. O que eles banalizaram não foi a violência só, mas o Brasil e principalmente os brasileiros. |
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