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La insignia
3 de setembro de 2002


Brasil

A propaganda eleitoral gratuita


Laerte Braga
La Insignia. Brasil, setembro de 2002.



A primeira iniciativa concreta partiu do deputado federal Adauto Lúcio Cardoso, da antiga UDN (partido da burguesia urbana e que existiu até 1965). Adauto Lúcio Cardoso, mais tarde ministro do Supremo Tribunal Federal, foi um dos mais íntegros parlamentares da história do Brasil.

Liberal por formação, ao longo dos mandatos que exerceu, teve atitudes de desassombro diante do poder militar e um extraordinário trabalho legislativo propriamente dito.

O deputado udenista entendia que o poder econômico viciava as eleições. As dificuldades para que os candidatos pudessem estabelecer contato direto com o eleitor eram reais e seu projeto buscava eliminar esse tipo de entrave, segundo ele, "entrave ao processo democrático".

O projeto do deputado Adauto Lúcio Cardoso estabelecia, em linhas gerais, que as emissoras de rádio e televisão do Brasil abririam espaço diários, 60 dias antes de cada eleição, nacional, estadual ou municipal, para que os partidos e candidatos ocupassem seus estúdios e promovessem suas campanhas, o debate de seus programas.

A lei do deputado determinava que a propaganda seria coordenada pelas direções municipais dos partidos e essa uma diferença fundamental na maneira como se faz hoje. Determinava, ainda, que a apresentação dos candidatos fosse feita ao vivo.

Sua maior preocupação era com as eleições legislativas, já que, conforme dizia, as eleições para os cargos dos executivos (prefeito, governador e presidente) tinham características diversas, mobilizam de forma mais direta e apaixonada o eleitor, ao contrário das legislativas, o que restava em pouco espaço para candidatos sem grandes recursos.

Estabelecia o vínculo entre o partido e o candidato e a necessidade de debate, de apresentar programa ao vivo, sem a magia do marketing, acabava ensejando a eleição de candidatos até então sem maiores chances. O projeto transformado em lei entrou em vigor nas eleições de 1962 e estabelecia, também, critérios de proporcionalidade segundo as representações partidárias nos âmbitos nacional, estaduais e municipais. Como assegurava direitos a todos os candidatos de participação igualitária. Os militares só vieram a perceber o caráter democrático da lei Adauto Lúcio Cardoso, em 1974, quando o partido de oposição, o MDB Movimento Democrático Brasileiro elegeu 17 senadores, um expressivo número de deputados e começou a escalada que viria a colocar em risco a maioria parlamentar da ditadura, processo que acabou abortado, em 1978¸ seja com a mudança da lei, seja com a criação da figura do senador indireto, ou biônico, como eram chamados esses privilegiados.

Naquele ano, para se ter uma idéia, o atual senador Roberto Saturnino Braga, do antigo Estado do Rio, elegeu-se derrotando o presidente do Senado, Paulo Torres, um marechal, com apenas 15 dias de campanha, praticamente ocupando só o horário de rádio e tevê todos os dias. E ainda se deu ao luxo de abrir espaço, tal o alcance das emissoras que falava, para candidatos de estados vizinhos, como o então ex prefeito de Juiz de Fora e candidato ao Senado em Minas Gerais, Itamar Franco. No Nordeste, o deputado Marcos Freire, em Pernambuco, acabou votado em toda a Região, por conta dessa potência de determinadas rádios e redes de televisão.

A lei Adauto Lúcio Cardoso foi substituída pela lei Armando Falcão, ministro da Justiça do governo do general Geisel e um dos políticos mais traiçoeiros da história do País. Traiu a Deus e o diabo. Tirou os candidatos ao vivo e colocou retratinho e currículo, em redes estaduais, transformando a propaganda gratuita uma espécie de programa policial, do tipo, procura-se. E lei da mordaça. Ninguém falava nada.

O Congresso Nacional Constituinte teve a oportunidade de resgatar a lei Adauto Lúcio Cardoso, num trabalho de vulto do senador Mário Covas, relator da Comissão de Sistematização, que atualizava e ampliava alguns aspectos daquela lei, sempre no sentido de democratizar a participação, mas esbarrou noutro problema: redes nacionais de televisão, associações de emissoras de rádio querendo restringir o tempo dos partidos e consequentemente dos candidatos e empresas de publicidade, de olho no filão, os tais marqueteiros, interessados em transformar o debate político no festival de efeitos especiais e baixarias que assistimos hoje, na maioria dos casos.

O que era para permitir o acesso de todos os candidatos a veículos de comunicações e transformar as eleições num grande debate, permitindo ao eleitor um conhecimento amplo das propostas, dos candidatos, virou um arremedo de "hollywood" com custos estratosféricos, voltado para a idéia que candidato é sabão em pó e tem que ser vendido como aquele que lava mais branco.

Não importa, por exemplo, a podridão do candidato Serra e as mentiras transformadas em plataforma de governo. O cara consegue, pelo prodígio do marketing, falar em emprego tendo integrado um governo e sendo candidato desse governo (governo como falo sempre é modo de dizer) que é campeão em geração de desemprego.

Existe também a reação dos grandes grupos do setor de comunicações. Têm o hábito de mostrar dados e números em torno do que perdem em recursos, por conta do horário que cedem. Nem por um instante sequer lembram-se que são concessões de serviços públicos.

A propaganda gratuita, a legislação eleitoral e tudo o que dela decorre, principalmente a Justiça Eleitoral, terão que ser repensadas depois das eleições. À propaganda é preciso devolver o seu objetivo: instrumento de debate de idéias, programas e ao vivo.

A legislação eleitoral adequada a um País que se pretende democrático. A Justiça Eleitoral, depois do facciosismo vergonhoso do TSE sob a batuta do compadre de Serra, Nelson Jobim, presidente daquele Tribunal (tribunal também é modo de dizer) e da longa história de fraudes e engajamentos, como no Acre, com a cassação da candidatura do governador Jorge Viana pelo tribunal regional, tem que ser extinta. Não há espaço para uma justiça especializada, nesse campo da vida política nacional.

O senador Roberto Freire costumava dizer, em 1989, quando foi candidato a presidente pelo antigo PCB, que "o município é a realidade de todos nós. União é uma ficção. Construir essa União voltada para os interesses de todos nós, parte dos municípios. Só assim seremos fortes".

É uma realidade e comissões eleitorais municipais, com uma legislação efetiva e que se pretenda duradoura podem melhorar o debate político e evitar que o processo eleitoral seja apenas um amontoado de ofensas, de golpes baixos, de vísceras expostas ao eleitor, ao brasileiro de um modo geral. À guisa de lembrança e registro, o deputado Adauto Lúcio Cardoso, mesmo sendo da UDN, opôs-se à tentativa de impedir a posse de Goulart em 1961. Deu fuga a Francisco Julião, em 1964, nos dias do golpe militar. Resistiu e não aceitou a cassação de vários deputados quando presidente da Câmara.

Chegou a entregar a chave da Casa ao general Meira Matos, um gorila que cercava o prédio do Congresso e, no Supremo Tribunal Federal, requereu aposentadoria por não concordar em aceitar pressões para julgar segundo critérios que um idiota um dia chamou de "lógica da revolução, que sobrepõe-se à lei". A palavra revolução está aí para ser fiel à frase do imbecil, mas pode ser substituída por golpe, que foi de fato aconteceu.



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