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La insignia
2 de setembro de 2002


Brasil

Começa o plebiscito sobre a Alca


Laerte Braga
La Insignia. Brasil, setembro de 2002.



A expectativa das entidades organizadoras é de que 6 milhões de brasileiros votem no plebiscito sobre a ALCA. Se querem ou não que o país faça parte da Área de Livre Comércio das Américas, nos termos ditados pelos Estados Unidos. A mobilização é nacional e ao contrário do que afirmam setores da imprensa “oficial”, o plebiscito cumpre a tarefa pedagógica de promover o debate.

Há uma diferença fundamental entre os que organizam o plebiscito e os que organizam, por exemplo, as eleições no Brasil. O plebiscito é limpo, não sofre com a parcialidade da Justiça Eleitoral, até porque, nele, Nelson Jobim não consegue meter o bedelho e inventar decisões para favorecer seu candidato.

À época do plebiscito sobre a dívida externa, em setembro de 2000, Pedro Malan, um dos principais funcionários norte-americanos no governo provincial do Brasil, ocupa o Ministério da Fazenda, veio a público externar seu descontentamento com a consulta e o temor de que os resultados da mobilização pudessem afetar a credibilidade do País.

O resultado qualquer brasileiro conhece de cor e salteado: a dívida pública representa 61% do PIB. Dobrou nos anos FHC.

César Benjamin costuma dizer, como sempre com muita propriedade, respondendo aos que argumentam que a ALCA e a resposta das Américas à Comunidade Européia que, “lá aconteceu e acontece um processo que vem sendo maturado há anos e aqui apenas uma imposição dos Estados Unidos em defesa de seus interesses”.

A adesão à ALCA significa que o Brasil e todo os países da América Latina mexicanizam-se, transformam-se em entreposto dos norte-americanos. Não existe meio termo e sequer, como pretendem alguns cínicos, viramos estados da Federação Americana. Nada disso.

Há todo um processo de dominação embutido no projeto da ALCA. É algo que vem sendo construído pelos sucessivos governos norte-americanos e não haveria exagero em dizer que, desde os tempos de John Foster Dulles, secretário de Estado de Eisenhower.

Os diferentes estágios da política externa dos Estados Unidos para a América Latina obedeceram à conjuntura internacional de cada momento. Eisenhower era ainda a política do “big stick”. Das intervenções mal disfarçadas. A revolução cubana foi um tropeço que viria reforçar a política intervencionista. Os tempos de John Kennedy e a Aliança para o Progresso, a mal disfarçada intervenção do bom mocismo e da caridade da grande potência, o grande irmão, logo substituídos pelos efeitos da guerra do Vietnã.

O governo Johnson perdeu-se em meio a intervenção militar no sudeste da Ásia e, por aqui, na ação chancelada pela OEA Organização dos Estados Americanos na República Dominicana.

Começava a era da Doutrina de Segurança Nacional formulada pela Comissão Tri-lateral, também chamada de AAA América, Ásia e África sob a inspiração do Departamento de Estado e a égide do republicano Nelson Rockfeller, mais tarde vice presidente da República.

Foram os tempos das ditadura militares em toda a América Latina. Foi aí que Nixon justificou as barbáries do governo do general Médice: “para onde inclinar-se o Brasil, inclina o resto da América Latina”.

Chegamos a Carter e o puritanismo protestante eivado de moralismo e pruridos democráticos. Termina logo com a eleição de Ronald Reagan que, como os dois Bush, nada era, o atual ainda o é, está no meio do caminho, senão marionete dos setores mais atrasados dos Estados Unidos. O neo liberalismo e todas as suas conseqüências sob a batuta do FMI e do Banco Mundial.

Os homens do chamado governo de FHC costumam referir-se a JK, tentando traçar um paralelo entre o período atual e o do ex presidente. Carlos Heitor Cony, em artigo magistral na “Folha de São Paulo”, edição de domingo, 1º de setembro, diz que isso é um disparate. FHC e JK são opostos. Partiu de Juscelino a primeira proposta concreta de união dos povos latino-americanos num só mercado. Inspiração do doublê de empresário e poeta Augusto Frederico Schmidt, com pinceladas de Celso Furtado.

JK lançou a chamada OPA Operação Pan-americana e propunha a ALALC Aliança Latino-americana de Livre Comércio . Entendia que era a maneira eficaz de colocarmo-nos eqüidistantes dos dois blocos, o norte-americano e o soviético e alcançarmos níveis de desenvolvimento político, econômico e social, compatíveis com os sonhos de potência mundial. Esbarrou na resistência dos Estados Unidos, na cumplicidade de ditaduras na América Latina com os americanos e logo os golpes militares e o enquadramento de todos os países dessa banda do mundo em função dos interesses do Norte.

O sonho de uma “América para os americanos”, de James Monroe, vinha sendo construído paulatinamente, tijolo a tijolo e a ALCA será a sua concretização. Mais uma vez como diz César Benjamin: “vamos fazer o percurso contrário ao do resto do mundo. Mantivemo-nos independentes e soberanos no século XX e retornamos ao estágio de colônias no século XXI”.

Não existe nenhuma semelhança entre o processo que resultou na Comunidade Européia e no que desemboca na ALCA. Lá cada povo de cada nação foi chamado a manifestar-se em plebiscito oficial sobre a adesão ou não. Aqui o plebiscito corre por conta de entidades do movimento popular, alguns partidos de esquerda, sindicatos e a CNBB Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil.

Os meios de comunicação sequer discutem o assunto, propositalmente, lógico. Os de cima, as classes dominantes decidem, impõem e no arremedo de democracia em que nos transformamos, as nações latino-americanas, montam processos paralelos, como agora, para transformar José Serra presidente do Brasil e assegurar que nada muda na acelerada corrida do Brasil para o abismo e a condição de posto de troca de muda de animais das diligências da Wells Fargo.

O plebiscito da ALCA não esgota o assunto e nem encerra-se em outubro, com as eleições nacionais. Pelo contrário, sinaliza para a necessidade da luta popular fora do clube dos amigos e inimigos tradicionais em torno de compromissos, protocolos, bolsas, cotação de dólar, etc, etc, coisas das classes dominantes.

Presta-se ao movimento popular na percepção que a luta é de sobrevivência. E não importa quem seja eleito presidente, ainda que isso possa mudar matizes da luta. O perigo hoje é maior. É só olhar e entender a baba que escorre da boca do louco que colocaram na presidência dos Estados Unidos. É raiva pura. E, por extensão, dos bandidos que querem nos impingir por aqui. Esses são espertalhões, funcionários subalternos.



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