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1 de setembro de 2002 |
Serra a qualquer preço
Laerte Braga
O Instituto Data Folha divulgou sua pesquisa já incluindo a
primeira semana da propaganda eleitoral gratuita. Os resultados apontam
queda de 7 pontos percentuais de Ciro Gomes e subida de 6 pontos
percentuais de José Serra. Ciro tem 20% das intenções de voto e José Serra
19%. Lula continua à frente com 37% e vence a todos em simulações de
segundo turno.
Os dados levantados pela pesquisa do Data Folha foram divulgados no "Jornal Oficial", dito "Nacional", no chamado horário nobre da televisão. A edição diária vai das 20 horas às 20h30. Junto com os resultados da pesquisa "Data Folha" o jornal mostrou o levantamento feito pela "RBS" Rede Brasil Sul afiliada da "Globo", sobre a disputa no Rio Grande do Sul, entre o petista Tarso Genro e o "neo socialista" Antônio Brito. Brito tem 36% das intenções de voto e Tarso 30. Brito vence no segundo turno conforme os dados divulgados. Um sem número de especialistas já mostrou à exaustão ser possível exibir dados favoráveis a qualquer candidato, numa pesquisa. As pesquisas, antes de serem um instrumento para aferir vontade ou intenção de voto de um determinado contingente de eleitores, transformaram-se em peças fundamentais de campanhas, sobretudo em países como o Brasil, onde a disputa, mesmo que não pareça, ou não queiram, é entre elites, classes dominantes versus trabalhadores e camponeses. E muito mais ação tipo vale tudo das elites para manter o controle dos negócios num país hoje transformado em colônia dos Estados Unidos. Terminado o bloco de notícias do "Jornal Oficial" em que foram mostrados os resultados dos levantamentos citados, o bloco seguinte apresentou matéria ilustrada com imagens comoventes sobre trabalho infantil e importância da educação para a infância. A repórter, Sônia Bridi, começou assim: "municípios, estados e governo federal..." Municípios e estados são impessoais. União é o governo federal. A promessa para a semana seguinte é sobre as necessidades da saúde. A "Globo", com audiência média de 39%, pelo menos aponta o IBOPE, é a líder do horário e isso, liderança, é incontestável. A "Globo" está, mais uma vez, pautando as eleições e o eleitorado. Um observador mais atento vai perceber, sem qualquer dúvida ou risco de erro, que as aparições de José Serra (dedicam o mesmo tempo a cada um dos candidatos principais, a lei manda que seja assim) são, sempre, em condições de muitas cores, festas, alegria, imagens amplamente favoráveis. As de Ciro são tensas, sugerem as aflições de um candidato em "baixa" e, as de Lula, por enquanto, como que inodoras, assépticas. Garotinho não conta. É um desastre total em tudo e por tudo. Ou quase tudo, está elegendo a mulher para governar o Estado do Rio. A impressão que se tem é que é candidato ao lugar do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, uma das maiores empresas do Brasil atualmente. Imagem continua sendo tudo e vai ser assim até o dia das eleições. Pelo menos na "Globo". A rede integra o conjunto de forças das classes dominantes e não tem nenhum escrúpulo em ser assim. Vende a idéia que é possível a qualquer um chegar ao topo. Desde que um bando de qualquer um não ameace os "negócios". Os meios de comunicação no Brasil cumprem um papel. Refiro-me aos grandes. O distinto público tem desde a comunicação global, voltada para um público que vai das chamadas classes médias média e baixa, até o imenso contingente dos chamados pobres, ou dos abaixo da linha da pobreza. Reparte esse filão com outras redes de tevê. É como você cobrir uma determinada área do oceano com uma rede imensa, da qual não escape nenhum peixe. Predação pura e dirigida. Os jornais, num país onde o custo de um jornal torna-o impensável para a grande massa de pessoas (se um trabalhador comprar um jornal todos os dias irá pagar o equivalente a quase um quarto do salário mínimo, 46 reais aos preços de hoje), oferecem diversão variada. Cadernos de televisão com os filmes do dia, fofocas, quem casou e descasou, sobram os chamados jornalistas independentes, que acabam sendo indispensáveis para conferir o mínimo de credibilidade a cada um deles. A "Folha de São Paulo" e o "Jornal do Brasil" são os que têm o maior número de independentes e é importante que lá estejam, pois permitem que muitos fatos mantidos ocultos por deliberação desses veículos, venham a público, ainda que em colunas. "O Globo" tem apenas o cronista, notável por sinal, Luís Fernando Veríssimo. Uma das principais comentaristas econômicas do grupo, Míriam Leitão, segundo o colunista José Simão, "Folha" tem que ser "privatizada". Tal o despudor com que defende Malan, Armínio Fraga, os agentes de Soros e dos bancos internacionais. Jornal de domingo é uma festa. O mais importante além dos cadernos de tevê, são os especialistas em auto ajuda, psicanálise de botequim, essas coisas. O leque estende-se desde dietas revolucionárias, passando por formas de aumentar o desejo sexual, até chegar ao ítem desempenho. Há um único jornal a custo popular. É esportivo, voltado para o povão. Custa 1/6 de dólar. Vende feito água. As revistas, a principal delas, "Veja" é voltada para um público que adora passar os domingos com furadeira furando tudo e redecorando o lar. Home sweet home". São cucas amadores, homens do mercado de capital, pessoas bem sucedidas (se mulheres, no padrão atual, bunda grande; se homens, também no padrão atual, objeto de desejo das grandes bundas e vice versa). O cerco é total. E essa totalidade sobrevive, em grande parte, de recursos públicos, seja de estatais, das chamadas campanhas governistas, ou de matérias pagas apresentadas sem a caracterização. Aquelas por baixo dos panos. É possível a um governador, ou a presidente, mesmo a um prefeito, inaugurar uma ponte num fim de mundo, onde sequer rio, riacho ou ribeirão exista e sair com destaque como obra de alguém que tem visão de futuro, é empreendedor, etc, etc. Neste momento estão todos engajados na eleição de José Serra, mais precisamente, em levá-lo ao segundo turno. As condições objetivas já foram alcançadas. Todo um circo montado para criar a situação de empate técnico, dentre em pouco a virada de Serra, abrindo espaço para o ataque a Lula e... A urna eletrônica. Essa faz o resto do serviço. Não existe democracia no Brasil. Só um simulacro. Um arremedo. FHC, na reeleição, em 1998, conseguiu ser presidente com "maioria absoluta" dos votos no primeiro turno, com menos de 1/3 do eleitorado. Milagres da matemática das elites. A justiça eleitoral, presidida por um compadre de José Serra fez algo inusitado: ao invés de conceder direito de resposta a Ciro cassou um minuto do programa de Serra. O inverso, deu direito de resposta a Serra. Qualquer poste, como diria Nelson Rodrigues, sabe que é mero apêndice do Executivo, que por sua vez é um instrumento das classes dominantes, dos novos donos. O circo está montado. Com a eficiência de sempre. A dívida pública é da ordem de 61% do PIB. O desemprego cresce. A exclusão social é uma realidade que você percebe quando abre a porta de sua casa. Não são poucas as vezes que encontra a mão estendida de quem pede um "trocado" para comer. A violência, que resulta do quadro de desigualdade social, atinge níveis insuportáveis. Inaceitáveis. Mas não afeta a eles. Os de cima. Vez por outra, acidente, mero acidente. Quem morre nas mãos de bandidos é o povo. O que causa angústia, forjada, estimulada, é saber se o dólar caiu ou subiu. Olhos grudados na telinha de quem, com toda a certeza, nunca viu uma nota de dólar. E provavelmente nem vai ver. Esse é o Brasil que FHC desmontou deliberada e pacientemente, como laranja do capital internacional. É o Brasil que Serra quer manter. Para eles. Por enquanto a briga é entre eles. Mas só por enquanto. Os caras não têm escrúpulo. São amorais. É o Serra a qualquer preço. Não são eles quem pagam a conta. |
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