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10 de setembro de 2002 |
Maria Eduarda Mattar
No dia 7 de setembro de 1922, irradiavam do Rio de Janeiro as primeiras ondas radiofônicas do Brasil, pela voz do então presidente Epitácio Pessoa, que surpreendeu a população da capital com um pronunciamento veiculado em altos falantes, realizado para marcar o centenário da independência do país.
No dia 7 de setembro de 2002, a Praça Dois, na Vila da Penha, subúrbio do Rio de Janeiro, vai presenciar um ato organizado pela ONG Bicuda Ecológica (mais informações no box ao lado) para protestar contra a invasão, no dia 29 de agosto, por parte da Polícia Federal à Rádio Bicuda, emissora comunitária com sete anos de vida, mantida e operada pela instituição. São dois extremos históricos de uma mídia que nasceu para festejar a nação e na qual muitos hoje lutam para celebrar a cidadania. A educação na corneta Segundo a pesquisadora Sônia Virgínia Moreira, as primeiras experiências de rádio voltadas para o fortalecimento das comunidades e a promoção de transformações sociais foram do Movimento Educacional de Base (MEB), que brotou na década de 1960 e concentrou suas atividades principalmente nas regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Em seu livro "O Rádio no Brasil", a pesquisadora afirma: "[O MEB] imprimiu uma característica adicional ao ensino radiofônico: além da alfabetização, as escolas também cuidavam da conscientização, da mudança de atitudes e da instrumentação das comunidades receptoras dos programas elaborados pelo Movimento." Tião Santos, coordenador da Rede Brasil de Comunicação Cidadã (RBC) e da Federação das Rádios Comunitárias (Farc) comenta sobre a utilização do rádio pelas pessoas: "Essa feliz ocupação do rádio pelas comunidades vem desde a década de 60, nas rádios cornetas do Movimento Educacional de Base, que espalhava alto-falantes pelas ruas." Embora surgido dentro da Igreja Católica - foi instituído por Decreto Federal com base em projeto de Dom Eugênio Salles - e estreitamente identificado com religião, o MEB e suas experiências de rádio-corneta fizeram florescer nas pessoas a idéia de que poderiam ser agentes e não apenas receptoras da informação radiofônica. "Ler, escrever e interpretar textos com situações e vocabulários próprios das áreas rurais, saber utilizar a legislação e as potencialidades econômicas da comunidade e desenvolver o conhecimento sobre as técnicas de trabalho em grupo eram alguns - entre os muitos - pontos básicos divulgados pela programação do MEB", relata Sônia Virgínia em seu livro. Na década seguinte, foi a vez de as pessoas - poucas - que resolviam fazer rádio com as próprias mãos utilizarem o meio para clamar por democracia, em um contexto político de ditadura militar. Já os anos 1980 marcaram a consolidação de um modelo de uso das ondas do rádio ensaiado na década de 1970 e que no futuro levaria à discussão mais consistente sobre a democratização da comunicação no país e faria surgir o que hoje se entende por rádios comunitárias: era o fenômeno das rádios livres. As rádios livres As rádios livres são aquelas montadas por pessoas ou grupos com interesses próprios, não necessariamente em benefício da comunidade que atinge ou veiculação de conteúdos que fortaleçam a cidadania. A cidade de Sorocaba, interior de São Paulo, foi o palco de uma pequena revolução que catapultou as rádios livres. "Num fenômeno que ficou conhecido como o Verão de 82, surgiram em Sorocaba num curto espaço de tempo, mais de uma centena de estações de rádios livres", conta a pesquisadora Marisa Meliani, que construiu sua dissertação de mestrado em cima do fenômeno das rádios livres. Segundo ela, a principal característica das emissoras livres é o caráter de intervenção na comunicação social. "Um de seus principais méritos é provocar a discussão sobre a democratização da comunicação social no país", afirma Meliani. "As rádios livres estão mais ligadas à luta pela democracia na comunicação do que aos movimentos sociais", garante a pesquisadora, que durante a década de 80 ajudou a articular o movimento nacional de rádios livres. Por desenvolverem atividades à margem das concessões oficiais de radiodifusão, as rádios livres acabaram sendo confundidas e chamadas, por força da generalização, de "rádios piratas". (Estas também existiram e ainda existem, porém com uma visão diferente das livres: são emissoras autônomas, como as "livres", mas que vêem no rádio um veículo de comunicação lucrativo.) "No Brasil, o termo pirata costuma ser confundido com o da rádio livre, sendo aceito até mesmo por alguns participantes do movimento. Com o avanço do movimento, esse comportamento muda e o slogan passa a ser 'piratas são eles, nós não estamos atrás do ouro', lançado pela Xilik [rádio livre de São Paulo] em 1985", explica Marisa Meliani em sua dissertação "Rádios livres - O outro lado da Voz do Brasil". A imprensa também usava o termo "pirata", ajudando a consolidar a idéia de que as rádios livres eram algo fora da legalidade. "A partir de 1989, começou-se a pensar em como a comunidade poderia usar esse valioso instrumento para passar de uma coisa individual para um uso coletivo, comunitário, para coletivizar a comunicação", esclarece Tião Santos, da RBC. Era o início da transformação de um modelo de rádio: antes, apesar de surgido a partir de cidadãos, o modelo estava sujeito somente às pessoas à frente das iniciativas e, não, a um compromisso maior com as comunidades em que estavam inseridas. As mudanças apontavam para um fazer radiofônico que, também surgido a partir de cidadãos, tivesse a característica de atender e considerar as particularidades e demandas dos ouvintes. Some-se a isso o fato das rádios livres estarem começando a debater e querer legalização de suas atividades, procurando o "assentamento" de suas vozes. Eram as rádios comunitárias que começavam a se moldar. A nomenclatura, inclusive, mudou para perder a associação com "pirata" e para marcar aquilo que se desejava que as rádios locais fossem: da comunidade. As rádios comunitárias e o uso da Internet Praticamente dez anos depois de quando começaram a ser discutidas, as rádios comunitárias têm hoje uma definição clara (convencionada em encontro na Associação Brasileira de Imprensa - ABI, em 1995), uma horda de amantes e uma legião de opositores. Para uma emissora ser considerada comunitária, três são os critérios utilizados: existir sem fins de lucro, veicular programação plural e ter gestão coletiva. "Além deste tripé, temos utilizado mais um: incluir os excluídos", esclarece Tião Santos. As rádios comunitárias são, hoje em dia, a expressão do rádio feito diretamente pela e para a população. Atualmente, são 15 mil rádios comunitárias no Brasil, sendo que cerca de 300 delas estão legalizadas de acordo com a Lei de Radiodifusão Comunitária, de 1998. O número ínfimo (menos de 1%) se deve à morosidade da Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel em conceder o alvará de funcionamento para a grande maioria das rádios que já entrou com o pedido de regularização. Não agilizando o processo de legalização destas rádios, a Anatel dá margem a práticas de repressão e fechamento dessas emissoras, como a ocorrida contra a Rádio Bicuda, no Rio de Janeiro, em 29 de agosto, e ocorre corriqueiramente com muitas outras em todo o país. (Para saber mais sobre o episódio, leia a entrevista "Bicuda Calada", publicada na Rets no dia 30 de agosto - há um link ao lado) A inserção de uma emissora comunitária em uma dada região pode ter conseqüências revolucionárias: a identificação das pessoas com o que é veiculado; a percepção de que podem produzir a informação; de que podem reivindicar, serem ouvidas e mobilizarem mais gente; a articulação dos indivíduos para promoverem mudanças na comunidade; a utilização de linguagem e elementos das culturas locais para a comunicação; a disseminação de informações sobre direitos, deveres e noções de cidadania. A legitimidade que as rádios comunitárias ganham está aí, quando a comunidade abraça sua existência. Segundo Taís Ladeira, da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), os movimentos sociais se auto-organizam a partir de necessidades concretas. "As rádios comunitárias vêm para reivindicar o direito à palavra, à comunicação. Elas têm poder através do esclarecimento", diz ela. Mesmo assim e com a legislação de 1998, muitas emissoras comunitárias são invadidas e desfeitas. Por que isso acontece? Para Vanderlei Giarola, presidente da ONG Bicuda Ecológica (à qual a Rádio Bicuda está vinculada) as rádios comunitárias mexem com o monopólio das empresas de comunicação no Brasil, tradicionalmente propriedade de algumas famílias. Fazer uma rádio que gere identificação imediata nas pessoas e que, assim, capture audiência é ameaçar rádios comerciais já consolidadas. "Os vícios deformantes nos modelos de comunicação no país moldam a distribuição das rádios comunitárias", ressalta Marisa Meliani referindo-se à seletividade em se conceder os alvarás de legalização para algumas rádios comunitárias (em detrimento de outras). Para Taís Ladeira "em nenhum país do mundo existe tanta concentração de meios de comunicação nas mãos de tão poucos". Além disso, esclarecimento e fortalecimento social são uma equação não muito bem vinda por quem quer manter o status quo, principalmente em período eleitoral. "Esse movimento é tão forte que ainda hoje existe a repressão às rádios, assim como no início. Para eles é uma ameaça. Ninguém justifica que a Polícia Federal feche uma rádio que faz um trabalho ecológico e de promoção da saúde. O Estado tem medo de que as rádios comunitárias façam a verdadeira revolução cultural que esse país merece", lembra Tião Santos. As ondas via bytes O próximo passo da evolução do uso do rádio pelos cidadãos pode estar na Internet. Aos poucos, mesmo com a exclusão digital que existe no país, nascem emissoras que usam as tecnologias proporcionadas pela rede de computadores para veicular programas radiofônicos. Dois casos de sucesso são o da Rádio Viva Favela, ligada ao Viva Rio, e o da Rádio Fala Mulher, iniciativa do Cemina. A vantagem da Internet é que não há quase restrição com relação a alcance (a Web atinge o mundo todo) e as possibilidades de articulação em rede (proibidas pela Lei de Radiodifusão Comunitária) são reais. A Viva Favela pretende ser um grande espaço de articulação de rádios comunitárias na Internet e já recebeu 97 pedidos de emissoras de todo o Brasil para inclusão. "A idéia é trocar informações, músicas, conteúdo, tudo que se puder. Felizmente a Internet ainda é um espaço livre para expressão", afirma Tião Santos que além de coordenar a RBC e a FARC também está à frente da Viva Favela. A Rádio Fala Mulher na web é uma extensão do programa radiofônico realizado há doze anos pelo Cemina. Funciona como uma revista e pode ser conferido ao vivo, diariamente, onde quer se esteja. "A Internet e o rádio são mídias com características diferentes. Eles se complementam. Enquanto o rádio tem alcance e interatividade locais, a Internet permite uma abrangência maior. Do ponto de vista do trabalho, a Internet te dá recursos e instrumentos a mais, como a possibilidade de se baixar arquivos etc.", afirma Taís Corral, coordenadora da Rádio Fala Mulher na web. O Cemina realizou recentemente o Concurso Cyberela, com a intenção de premiar rádios comunitárias que trabalham na promoção dos direitos das mulheres com computadores equipados com ferramentas de edição digital e conexão à Internet. |
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