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La insignia
19 de outubro de 2002


Globalizados


Mara L. Rayel
La Insignia. Brasil, outubro de 2002.


I

Eles estão nos corredores de concreto armado, nas ruas escuras e sem calçamento, nas ruas com esgoto a céu aberto. Eles estão fumando crack, com uma chupeta entre os lábios. Eles estão vendendo cintos, vendendo bonés, despertadores, acessórios para celulares, eles são pára-brisa-limpadores em troca de um trocado.

Eles vivem num mundo em que eu não vivo. Meu mundo é o mundo daqueles que lêem jornal:

a miséria a morte o estupro o roubo o assassinato
deles, que são os eles, que são os outros.
Eu vivo só de descobrir
o quanto o mundo dos eles tornou-se sórdido,
enquanto como pizza assistindo tv a cabo,
enquanto compro um gatorade no select,
enquanto faço um racha, arranco asfalto com os pneus.
Eu sigo o jogo de futebol, domingos e quartas,
eu assisto aos lançamentos cult do cinema,
eu emociono-me com filmes de temática social,
eu compro livros sobre o alvorecer da nova era,
eu espero. E enquanto espero ligo a televisão para ver os outros vivendo ao vivo.

Por outro lado, camarões interferem em radares de submarinos no oceano Pacífico; golfinhos chamam-se pelo nome e formam grupos de estupradores; macacos se cumprimentam; elefantes africanos delinqüem porque não receberam educação de suas mães assassinadas. Os animais ficaram mais espertos? Ou o ser humano sentou-se mais próximo para avaliá-los? Estão mais evoluídos os bichos ou os cientistas arrogam-se menos? Das duas muitas terceiras podem se construir.

Entrementes, o cérebro humano está cada vez mais mapeado, o ser humano acredita estar próximo de descobrir qual a reação química no cérebro que resulta na consciência. O próximo passo será encontrar Deus ou substituir em nossa mente a reação química que nos faz querer crer na transcendência?

O próximo passo será a cura do humano: que nos faz querer dançar e gozar, que nos faz querer... que nos faz sofrer distúrbios psicológicos (neuroses, estresses, pânico), que nos faz solidários, mesmo que instantâneos, com a dor do outro.

Ok, ok, vamos todos emagrecer, rejuvenescer, nós, os vinte por cento... ou... como é que vai ser?


II

Estranhos eles vêm em grupo, aproximam-se do seu espelho retrovisor lateral. Você consegue enxergar apenas a encruzilhada que abriga a braguilha, virilhas, tronco e coxas, num movimento contínuo em direção ao espelho. Eles vêm, você consegue ver que eles se aproximam. A mão enorme de um deles prende-se em concha ao cós da calça, isso você consegue ver. Consegue ver também, embora o recorte pequeno estreite a visão, que suas roupas são velhas, muito sujas, enquanto continuam a se aproximar. Agora perto, estreito em close, você consegue sentir a sombra ao seu lado esquerdo, rápido, quase calor da presença em gente, indigente, que chega ao lado do seu espelho retrovisor. E não pára, para seu alívio; ao contrário, passa, e você percebe que mesmo mal-vestidos prosseguem em pressa atravessando a rua, numa tentativa de encontrar espaço entre os carros para atravessar a rua, só atravessar a rua, pois a faixa de pedestres foi invadida por dois carros e uma carroça, puxada por uma menina suja de uns treze anos.


III

Espaço entre a calçada e o meio-fio; bueiro. Passeiam os ratos: o nosso lanche. Dor. Pústula. Horror. Somos aqueles que se esgueiram por trás de barricadas.

Em cada tribo mil. Uns dizem fogo, outros dizem vil. Esmigalhados, esbugalhados, não importa em que hora.

Estalar de alvura, explosão. Dessa vez foi mais próximo, como quando se ouvem os trovões logo após se ver o clarão do raio. Só que o que entra pela pele de quem resta são faíscas, cacos, estilhaços de nenhum vitral. Certamente o que nos restava era fugir... mas que pressa para ir a lugar nenhum?



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