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La insignia
29 de março de 2002


Brasil

Lixo eletrônico: um problema que não se deleta


Maria Eduarda Mattar
Rets. Brasil, março de 2002.


Vivemos na Era da Informação, dizem muitos, e nos tempos de hoje nossa rotina está baseada sobre os aparatos eletro-eletrônicos, principalmente o computador - que vem para facilitar a vida e integrar pessoas em redes. Mas, como não existem unanimidades, o computador pode ter um outro papel nessa história toda: o de vilão. Com a popularização desse tipo de produto e as cada vez mais refinadas e modernas gerações de desktops, notebooks, hand helds etc, os aparatos da leva anterior acabam considerados obsoletos e ganhando o destino do lixo. Essa, porém, nem sempre é a melhor opção para despejo desse tipo de equipamento, além de demandar diversas precauções nas casas, escritórios, legislações e serviços públicos, que, por enquanto, não são tomadas. O motivo mais provável é o fato das pessoas ainda não terem se conscientizado do perigo em potencial que representa o despejo despreocupado de computadores e outros aparelhos eletrônicos, tanto para sua saúde quanto para a natureza.

Internacionalmente, a Convenção da Basiléia, de 1989, é o documento que mais chega perto de regulamentar o lixo eletrônico, ao estabelecer um regime internacional de controle e cooperação - cujo objetivo é incentivar a minimização da geração de resíduos perigosos (com mudanças nos próprios processos produtivos) e reduzir o movimento transfronteiriço desses resíduos. A Convenção é o único tratado internacional que pretende monitorar inclusive o impacto ambiental das operações de depósito, recuperação e reciclagem que se seguem ao movimento transfronteiriço de resíduos perigosos. O documento estabalece, por exemplo, o consentimento prévio, por escrito, por parte dos países importadores para os resíduos especificados para importação; adoção de medidas adequadas de minimização da geração de resíduo; e administração ambientalmente correta de resíduos e seu depósito.

No Brasil, estava prevista para votação ainda neste mês de março a Política Nacional de Resíduos, que, depois de aprovada, será a legislação de referência para tratamento, reaproveitamento e destinação dos resíduos sólidos no país. A seção IX do capítulo III fala sobre os resíduos de produtos tecnológicos. Abrange uma vasta gama de produtos de uma só vez e não dá aos computadores o tratamento especial que merecem. No entanto, defende, no artigo 89, que se devolva os produtos àqueles responsáveis pela sua criação - as próprias indústrias: "Além das demais disposições aplicáveis, os fabricantes ou importadores são responsáveis pelo gerenciamento dos produtos tecnológicos que necessitam de disposição final específica, sob pena de causar danos ao meio ambiente e à saúde pública [...]". Isso já acontece com pilhas e baterias que ganharam em 1999 a resolução 257 do Conama - Conselho Nacional de Meio Ambiente - que versa sobre a destinação destes produtos, de acordo com o perigo e níveis tóxicos que apresentam. As pilhas e baterias comuns pode ser jogadas no lixo comum das casas. As mais tóxicas devem ser retornadas aos fabricantes, que por sua vez são responsáveis por montar postos de coleta, transporte paras as fábricas e processamento dos produtos.

Voltando aos computadores, além do fato de máquinas fora de uso ocuparem muito espaço, muitas de suas peças possuem metais pesados como mercúrio, níquel, cádmio, arsênico e chumbo, que possuem efeitos tóxicos para a saúde do ser humano. Mal acomodadas, estas peças podem contaminar solo, rios e lagos podendo chegar indiretamente ao próprio homem. A provável melhor opção é a reciclagem, em diversas frentes e métodos. A reciclagem de computadores, porém, não é tarefa fácil. Daqui a alguns anos, pode ser que a tecnologia nos contemple com a possibilidade, mas, por enquanto, chips, circuitos integrados, cabos, monitores, CPUs não podem simplesmente ser deletados. Se um componente, ao ser retirado, é danificado, perde seu valor econômico. Não é tarefa simples, tampouco, a reciclagem do plástico dentro das máquinas. Existem ainda os custos de transporte destes produtos até os locais onde devem ser tratados.

Uma experiência piloto realizada nos EUA, no ano de 1997, pôde conferir, na prática, quais são as possibilidades, dificuldades e os custos para se levar à frente projetos de reciclagem de computadores. Os equipamentos, recolhidos em três lojas participantes do projeto, foram levados para processamento. As máquinas eram ordenadas para revenda ou manutenção, (visando à sua recuperação). Os equipamentos não vendidos eram desmanchados, com os materiais ordenados em diferentes categorias. As sobras de materiais eram então vendidos e/ou dados para empresas de reciclagem para processamento posterior. No período de um mês, foi recolhido um total de 30,8 toneladas de resíduos. Os custos do projeto incluíram transporte, processamento (desmanche, ordenação e separo do material) e reciclagem.

O projeto chama atenção para a necessidade de locais e pessoas especializadas para reciclar estes materiais. Como na Era da Informação tudo é rápido, o crescimento no número de equipamentos que se tornam obsoletos e prontos para receberem um tratamento ecologicamente correto segue a mesma velocidade. Em vista disso, estima-se que, em médio prazo, surja um novo mercado de indústrias especializadas na reciclagem de computadores. No entanto, hoje em dia, ainda existem poucos destes centros no mundo, reforçando a idéia de se devolver para as indústrias e deixar que elas manejem estes componentes, posto que já têm o know-how. Algumas empresas já se anteciparam e criaram programas para tomar de volta estes aparelhos para reciclagem. É normal que o custo seja dividido entre o fabricante e o consumidor e, às vezes, com os governos. A IBM, por exemplo, possui um programa interno intitulado Design for Enviroment, que tem desenvolvido máquinas com componentes reciclados de máquinas ultrapassadas e projeta peças que não agridem a natureza, como soldas sem chumbo.

Contudo, a praxe tem sido o envio de sucata eletrônica dos países desenvolvidos para países em desenvolvimento sob a fachada de "doação de equipamentos". O destino mais comum para esses aparelhos são os países da Ásia, que têm interesse em receber a sucata - pois retiram os metais preciosos nela presente, como a prata e o ouro. Porém, a falta de cuidado com o processamento das partes dos micros - processo que muitas vezes é feito por grupos familiares nos países para onde vai o lixo eletrônico - é o caminho mais rápido para a poluição da natureza e geração de outros males.

O relatório "Exporting Harm - the High-Tech Trashing of Asia", elaborado pela Basel Action Network - BAN, rede global de ativistas que "lutam pela justiça ambiental", e pela Coalizão de Tóxicos do Vale do Silício, com apoio do Greenpeace China, Toxic Link India e Sociedade para a Conservação e Proteção do Meio Ambiente, do Paquistão, veio a público no final de fevereiro e lançou mais luz sobre o assunto. O documento denuncia em mais de 50 páginas o envio prejudicial do lixo para China, Índia e Paquistão. Segundo o estudo, 50% a 80% lixo eletrônico - ou E-lixo - coletado nos EUA para reciclagem são exportados, devido a mão-de-obra barata, falta de legislação e padrões ambientais rígidos na Ásia e pelo fato dessa prática ainda ser legal na terra de Tio Sam. Motivo: o país, o mais industrializado do mundo e principal consumidor de artigos de informática, não assinou a Convenção da Basiléia, pois, segundo a legislação americana, os componentes eletrônicos são materiais recicláveis e, não, resíduos.

Entre as práticas poluidoras de tratamento do lixo eletrônico nestes países, o relatório cita a queima ao ar livre do plástico das máquinas, exposição das soldas tóxicas, despejo de ácidos em rios, além do descarte generalizado do lixo. Há fatos mais graves, como os encontrados em Guiyu, uma região dentro da província chinesa de Guangdong. Tradicionalmente uma área de cultura de arroz, há cerca de seis anos a indústria de reciclagem de lixo eletrônico começou a se instalar na região, causando, de cara, a contaminação da água potável do local, através da poluição do solo. Outra consequência foi o desaparecimento de peixes do rio de Guiyu.

Essas são só algumas faces do que acontece com o lixo eletrônico no mundo. Considerando que a vida útil de um computador varia de 3 a 5 anos e que até 2004, deverão ser descartados 315 milhões de micros em todo o planeta, não se pode ignorar que em pouco tempo as pessoas estarão tropeçando, literalmente, no problema. Assim, faz-se necessário a discussão mais ampla e comprometida sobre o assunto, criação de legislações específicas e observação cerrada por parte de ONGs e cidadãos, para que a Era da Informação não seja também a da e-Poluição.



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