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19 de março de 2002 |
Ao som da Pracatum
Marcelo Medeiros
Há trezentos anos, uma africana chamada Dona Josefa veio a Salvador em busca de seus familiares. Como não conseguiu achá-los, decidiu gastar o dinheiro que trouxe comprando a liberdade de escravos e formando uma comunidade, mais tarde chamada de Candeal. Um dos maiores vínculos existentes entre os habitantes do local era a música, e isso persiste até hoje - dando frutos. Um deles é a Associação Cultural Pracatum, que desenvolve, desde 1994, bons trabalhos no campo da Arte, naquela comunidade. Tanto que o Ministério da Cultura acaba de renovar a aprovação do projeto da Escola Profissionalizante de Músicos Pracatum na Lei Rouanet de Incentivo à Cultura.
A associação foi fundada por outro morador do bairro, o músico Carlinhos Brown. Brown buscou líderes comunitários - o bairro conta com três associações de moradores, apesar de só ter 5.500 habitantes - para organizar projetos em que a comunidade estivesse presente e ativa. Todos apoiaram a idéia e elaboraram uma concepção de trabalho baseada em educação profissionalizante gratuita voltada para a música, que deu origem à Escola de Música. Dentro da associação existe ainda um núcleo chamado Tá Rebocado (expressão baiana que quer dizer "tudo certo", mas a intenção é, ao mesmo tempo, fazer referência às construções de reboco do local), voltado para o desenvolvimento cultural. São cinco linhas de ação: desenvolvimento urbano, trabalho e renda, educação (alfabetização e teatro), saúde e meio ambiente e articulação comunitária. Apesar do bom trabalho do Tá Rebocado, a música é o grande destaque. No prédio em que funciona, há estúdios de gravação e salas com tratamento acústico para que os 210 alunos possam ter as melhores condições possíveis de aprendizado. Segundo os organizadores, os melhores professores de música da Bahia dão aula na escola. Os quatro anos de ensino são feitos em dois módulos, com aulas diárias de cinco horas: os dois primeiros anos são de formação teórica básica e os seguintes de técnicas. Na passagem de um módulo para outro, os alunos escolhem em qual instrumento desejam se especializar. É bom lembrar que, ao contrário do estereótipo, os baianos não aprendem apenas percussão, mas também cordas e sopros. "Esse currículo, voltado para a comunidade, nos torna a única escola técnica de música popular brasileira", ressalta Caius Brandão, diretor geral da associação. "Além disso, o aluno, aqui, é co-autor do processo de ensino. Ele coloca sua realidade social e econômica no ensino, pois o currículo é flexível", complementa. Tão flexível que a diversidade de estilos é espantosa. O coral tem em seu repertório músicas que vão de Luiz Gonzaga a Raul Seixas, passando por outros estilos. Há também grupos de jazz e percussão sendo montados sem purismo nenhum, misturando várias influências.
Entrar na escola é fácil: basta estar cursando pelo menos a 8ª série do Ensino Fundamental e apresentar comprovantes de renda, boletim e residência. Recentemente foram abertas inscrições para moradores de fora do Candeal, mas apenas para jovens de baixa renda, pois a demanda dos moradores do bairro já havia sido atendida. Já existe um projeto de liberar as matrículas para as classes A e B, mas com cobrança de mensalidades. "É uma fonte alternativa de renda, pois os recursos são escassos. É sempre o governo que nos patrocina, mas essa não é uma fonte sustentável, pois não podemos pôr todos os ovos numa cesta só", explica Brandão. O dinheiro para bancar o custo de R$ 360 mensais por aluno vem de patrocínio. No ano passado, a Petrobrás bancou sozinha o projeto, mas este ano ainda não deu resposta sobre a renovação, por isso a Pracatum está à procura de patrocinadores. Daí a importância da reinclusão na Lei de Incentivo Fiscal - assim fica mais fácil conseguir parceiros. A visibilidade é grande, pois os alunos fazem apresentações no Brasil e no exterior. Há inclusive sinergia entre a associação e outros projetos de Carlinhos Brown. Durante o verão, aos domingos, alguns alunos se apresentaram no CandyAll -espaço de shows para 4.500 pessoas usualmente utilizado pela Timbalada, de Brown. "A recepção do público foi fantástica, nem parecia que eram estudantes se apresentando", diz o empolgado diretor. Muitos alunos, mesmo ainda não formados, já fazem parte de bandas de músicos como Gilberto Gil ou participam de atividades em Salvador, como o "arrastão" promovido em todo começo de carnaval. Uma das idéias para o futuro da escola é abrir um curso de informática voltado para a música, com aulas de estúdio e uso de computadores em composição. Pelo jeito, Dona Josefa, a fundadora do Candeal, deve estar dançando e cantando no céu de alegria e emoção, ao som de seus descendentes.
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