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17 de março de 2002 |
A macrofísica do poder Luís Carlos Lopes
Desde a década de 1980, de acordo com as mídias brasileiras, a prática de corrupção envolvendo políticos profissionais e burocratas de alto escalão não deixou mais de assolar nossa mãe gentil; este imenso país do cone sul, que chamamos de Brasil, transformando o "l" final em "u". Suas diversas modalidades, ativa, passiva, compulsiva, associativa etc, lembram variações sexuais que deixariam a cultura do amor carnal da velha Índia em estado de choque e fariam o marquês de Sade pedir perdão por seus pecados.
Outros registros mais remotos, na verdade não tão antigos, atestam que houve época onde não era possível noticiar o fato de meter a mão nos cofres do Estado de modo direto ou indireto, negociando, por exemplo, favores em troca de pagamentos vultosos. Em outros casos, simplesmente, abrindo o cofre e transferindo para si, o que era, pelo menos simbolicamente, de toda a comunidade ou de seu governo para gastar com todos, sempre lembrando que pronomes indefinidos podem significar na vida prática qualquer coisa que se desejar. Há quem chegue aos tempos coloniais, quando funcionários metropolitanos, em alguns casos, eram castigados por se apropriarem - descobertos por quem não devia saber - de tributos ou cobrarem 'por fora' por favores do Estado metropolitano a que serviam. Por isto, ficamos sabendo, sem falar nos santos de pau-oco, do contrabando e de inúmeras formas de burlar o fisco colonial extorsionário. É preciso ressaltar que a luta contra os quintos - os 20% de impostos coloniais - era uma luta de 'branco', isto é, uma questão legítima das elites senhoriais e escravistas. Dos governos monárquicos pós-independência, que duraram sete décadas do século XIX, também se comenta a existência desta velha prática de trocar favores, acumular por fora e fazer a América da forma mais fácil possível. Não existem ou não foram encontrados registros perfeitos e definitivos, mas parece que de modo legal ou ilegal - dependendo da letra da lei e do ponto de vista de seus intérpretes - que isto é tão velho quanto pode ser em um país novo como o nosso. Os casos continuaram, segundo a historiografia das várias fases republicanas, nas décadas seguintes. Se alguns são conhecidos, é provável que outros jamais desvendados expliquem o inexplicável como, por exemplo, o surgimento de algumas notáveis famílias ricas do país, que sempre tiveram alguns dos seus membros ou patriarcas em funções públicas. Como no passado, as práticas de corrupção foram ajustadas aos contextos diferenciados que o país viveu. Não acreditamos no senso comum ou tradições que dizem que a corrupção é inerente ao homem, assim como a tentação é o caminho da salvação. Pensamos que a alta corrupção é na verdade uma das formas de acumulação de capital, que a sociedade, mesmo quando a considera ilegal, de algum modo a viabiliza. Trata-se de um problema político que precisa ser explicado à luz da compreensão do jogo de poder hegemônico da época em que é praticada. Não se trata de uma questão microfísica ou de moral pessoal, tal como é tratada muitas vezes pela mídia e o tecido social. A dinâmica entre o bem e o mal não se aplica na compreensão do fenômeno. Os corruptos, passivos ou ativos, são seres sociais, isto é, estão ajustados às estruturas pré-existentes. Jamais agem sozinhos. Sua moral e seu comportamento social são os mesmos acreditados e compartilhados com as classes e dentro delas, os grupos sócio-culturais e instituições de que fazem parte em determinado contexto. Aprenderam com outros, por vezes de pai para filho, e usam de um modus operandi absolutamente banal. Tão banal que normalmente são pegos por não terem qualquer cuidado maior. Eles são filhos de sua época, da macrofísica do poder onde estão inseridos, que os retroalimentam como peças fundamentais de suas engrenagens. Se suas opções são conscientes ou não, é pouco relevante. São quase sempre pessoas integradas, que defendem os mesmos valores dos que detêm o poder, usando ou não, da corrupção. Acreditam em alguns discursos bem conhecidos: os dos valores da família tradicional, relidos e adaptados aos seus interesses comezinhos; os da inviolabilidade da propriedade, mesmo se advinda pelo roubo; os da necessidade de um estado forte e 'democrático', desde que seus aparatos sirvam para oprimir os outros. São extremamente nacionalistas, desde que possam comprar imóveis de luxo em Miami e em outros locais aprazíveis para ricos escandalosos, e depositarem em contas de paraísos fiscais. Adoram consumir e mostrar para alguns, especialmente para os pobres, como são ricos e poderosos. Sabem que muitos fazem o mesmo e que dificilmente são ou serão apanhados em flagrante delito. Contam com a proteção das estruturas sócio-culturais, políticas e institucionais que os geraram. Têm um conjunto de justificativas para eles mesmos e para seus pares, que por vezes aparecem surpreendentemente: "Roubo, mas faço!"; "Era para campanha, bolas!"; "Por que eu, se os dos outros partidos também fazem?"; "Guardei as sobras, o que de mal há nisso?" "Não há nenhuma prova definitiva do que vocês estão falando!!!" O maior constrangimento que eles podem passar é o de verem seus nomes, imagens e relações de bens publicados nos jornais ou comentados na TV, fotos estampadas, enfrentarem morosos e burocráticos processos judiciais e terem algum prejuízo financeiro. Mais raramente, ficam presos por algum tempo, até que as coisas esfriem. Quase sempre, escapam das malhas - aliás, bem largas - da lei... É lógico que toda regra tem exceções. Alguns se empolgam demais e querem fazer a América em alguns dias de glória e poder, indo com muita sede ao pote. Quando as mídias capturam, formatam e noticiam exaustivamente fatos desta natureza; a polícia e a justiça entram no roteiro; eles descobrem que são menos poderosos do que supunham, porque são entregues aos leões, devido ao fato de que o show deve continuar. O exacerbamento do julgamento moral-midiático talvez tenha como principal função ou resulte em que se mantenham as estruturas profundas intactas, para que o sistema prossiga, sem maiores problemas. Sob o ponto de vista deles, é melhor deixar queimar alguém na fogueira simbólica das mídias, do que destruir esquemas de poder e de dinheiro que circulam nas interfaces e sinuosidades entre o legal e o ilegal. Nestes casos, os acusados aceitam ou são forçados a aceitar o novo papel de 'inimigos públicos número 1', sem maiores problemas. Reclamam um pouco, mas jamais contam tudo o que sabem e o dinheiro - a parte mais importante da história - desaparece deixando poucos vestígios. Quando alguma quantia é localizada, quase sempre é uma ínfima parte do que se levou ou do que se 'lavou', retornando à legalidade absoluta e engordando a fortuna de alguém. Não raro, eles, quando pegos com a boca na botija, ameaçam outros similares que estejam na posição de desafetos com a arma da língua ferina. Mas no final do melodrama, nada falam de mais grave ou fundamental. Não podem! O que sabem é moeda de troca para que as coisas de algum modo acabem bem. Portanto, ao contrário do que normalmente se pensa, o problema é sistêmico, faz parte de nossos costumes e, por isso, só com a alteração profunda do status quo pode ser minorado. Somente uma nova macrofísica do poder será capaz de apontar soluções, reorganizando o jogo político e social e administrando os bens públicos no interesse da maioria. Mas é difícil crer que isto possa ocorrer, enquanto a lógica do país se pautar em uma ordem social piramidal, que implica desigualdades extremas. |
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