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7 de março de 2002 |
Jogo de interesses aumenta crise na indústria fonográfica do país
Zeroquatro Montenegro (*)
Desde os tempos de Pixinguinha e seus Oito Batutas, no início do século passado, o inesgotável universo da música brasileira vem encantando o mundo e sendo cada vez mais celebrado como um dos mais ricos, diversificados e exuberantes do planeta. Por isso, para muita gente podem causar espanto e surpresa algumas notas que têm vazado discretamente, nas últimas semanas, em muitos veículos da grande imprensa.
Em depoimento ao repórter Pedro Alexandre Santos, da Folha de S. Paulo, publicado no caderno Ilustrada do primeiro dia de março, o presidente da gravadora "Trama", João Marcello Bôscoli, se esforçava para justificar a recente filiação da empresa à poderosa e mal-vista - e tida como predatória - ABPD (Associação Brasileira dos Produtores de Discos). A entidade atua quase como um cartel e representa, prioritariamente, os interesses das gigantes transnacionais do setor no imenso território brasileiro. "Sinceramente, a situação é de fundo de poço, a indústria hoje está realmente próxima da falência", disse Bôscoli. Novidade? Nenhuma, pelo menos não deveria ser. Pelo contrário, está aí um típico caso de colapso (o termo mais apropriado talvez fosse desastre) anunciado, ou no mínimo previsível. Ora, até os postes da minha rua ficaram chocados com o escândalo da Enrom, que jogou uma incandescente luz sobre esse câncer perigosíssimo, para qualquer negócio, que é a falta de transparência na administração. E, convenhamos, é difícil imaginar algum negócio no mundo que possa ter sido conduzido, na última década, de forma menos transparente do que a indústria fonográfica brasileira - contando naturalmente, para isso, com a inestimável colaboração da "imprensa cultural". (Aqui vale um parêntese, que mereceria uma análise à parte: um páreo duro em tão inglória competição seria, sem sombra de dúvida, o setor das emissoras de rádio, mas fica para uma próxima ocasião). O cinismo dos cinco ou seis pilantras que ficaram milionários encaminhando a nossa música para a catástrofe, como sempre, chega a ser quase constrangedor. Eles se limitam a acusar o governo de se omitir, por não reprimir com mais rigor a pirataria de CDs. A imprensa, mais uma vez, se limita a dar ouvidos. E o governo, que de inocente não tem nada, se faz de sonso e finge-se de morto, por uma razão simples: este é o tipo de assunto que indiretamente pode trazer à tona temas altamente espinhentos e inconvenientes, tais como o desemprego assustador (o mercado clandestino garante o sustento, ainda que precário, de milhões de brasileiros), a renda miserável do trabalhador, a economia informal, a desregulamentação da economia, a "livre iniciativa", enfim, no final da corrente pode-se chegar à própria lógica de todo um modelo - o tão decantado, com nomes variados, reino do vale-tudo. Afinal de contas, por mais surdos que sejam, os postes da minha rua também já ouviram falar que os maiores piratas do Brasil são aqueles bancos estrangeiros que, segundo o próprio Secretário da Receita - em depoimento no Senado - afirmou, não pagam um centavo de imposto de renda. E fica por isso mesmo. O que a imprensa esquece de perguntar As questões de fundo que os tais picaretas que vinham comandando o mercado da música brasileira não respondem - até porque a imprensa "esquece" de perguntar - são, entre outras: 1) Por que, enquanto no resto do mundo o efeito da tecnologia de reprodução digital (que viabilizou a pirataria) no mercado de discos se resumiu em um leve abalo, no Brasil correspondeu a algo parecido com um terremoto fulminante e devastador? 2) Por que, estranha coincidência, mais de 90% das cópias pirateadas e vendidas nas ruas do Brasil são justamente de discos gravados originalmente por um limitado clube de "estrelas" instantâneas, descobertas e inventadas nos últimos anos por essa mesma gangue - e que fizeram a sua fortuna? 3) E, principalmente, qual o mistério que envolve a astronômica diferença entre o preço para o consumidor da cópia pirata (2 a 3 reais) e o preço da oficial (15 a 18 reais), quando todos - inclusive os jornalistas - sabem que, pelo contrato padrão, a fatia do custo do CD referente ao pagamento de autores e intérpretes gira em torno de míseros dez por cento do valor de venda? Até um paralelepípedo percebe que a conta não bate, sem que tenha havido algum tipo de superfaturamento. A lista de perguntinhas oportunas é muito mais extensa, e as respostas, acreditem ou não, não exigem muita imaginação. Basta recorrermos a meia dúzia de episódios aparentemente singelos, mas muito ilustrativos, como veremos nas próximas oportunidades. O que ainda não está muito claro, para ninguém, é o que se pode fazer para que a falência iminente dessa indústria não comprometa, ainda mais, o avanço da nossa música, um dos traços mais marcantes de nossa cultura. *. Zeroquatro Montenegro é jornalista, vice-presidente do Conselho Municipal de Cultura de Recife, compositor e vocalista da banda Mundo Livre S/A. |
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