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24 de julho de 2002 |
Brasil
Participação popular e criatividade
Fred Zeroquatro
Projeto de TV comunitária que existe há um ano e meio no Recife é um dos 100 programas sociais pré-selecionados - dentre 981 inscritos - para o Prêmio de Gestão Pública oferecido pelas fundações Getúlio Vargas e Ford. A reportagem é do jornalista Fred Zeroquatro.
Recife.- A cena vem se repetindo uma vez por mês, desde o início de 2001, no Conjunto Residencial Josué Pinto, uma comunidade localizada no bairro do Brejo, zona norte do Recife. Por volta das sete e meia da noite, dezenas de crianças começam a pular e gritar. A Kombi branca acaba de estacionar no arremedo de praça - na verdade um terreno baldio que serve de quintal e área de lazer para as cerca de duzentas famílias de baixa renda que vivem ali. Dois rapazes e uma moça descem apressados, descarregando equipamentos de áudio e vídeo, incluindo um telão. Na porta da perua, um alegre logotipo traz a identificação da trupe: "TV Matraca - A TV da Gente". Em menos de vinte minutos, está tudo montado. A tela, com quatro metros de comprimento e três de largura, fica instalada em cima da própria Kombi, que também serve de suporte para as duas caixas de som. Antes de exibir o programa do mês - previamente gravado e editado -, Zulmira, a "matraqueira" da equipe, abre o microfone, e Ivan, que faz as vezes de motorista, carregador e operador técnico, aponta a câmera HI-8 e o ponto de luz para a meninada alvoroçada. Tem início a programação ao vivo. Não há distinção entre "atração" e "público". "Ei, filma eu! Filma eu!", repete a criançada, pulando sem parar e olhando para o telão. Todos os meses, os próprios moradores programam uma atividade cultural - da comunidade ou da vizinhança - para se apresentar em tempo real. A doméstica Ana Paula Nascimento, de 20 anos, é a "matraqueira" local. Voluntariamente, ela inscreve as atividades e divulga o projeto na comunidade. "Os pais aprovam e as crianças adoram, batem na minha porta e cobram", diz. Ana Paula explica que a capoeira que estava programada ficou para o próximo mês, por dificuldades de transporte. "A gente improvisou uma partida de futebol mirim, em homenagem ao penta". Quando o jogo começa, o "cinegrafista" sofre para distinguir atletas de torcedores. O narrador voluntário, que pediu a Zulmira o microfone, também se atrapalha: "Lá vai aquele menino, como é mesmo o nome dele? (...) - Gooolll!!! (...) Mas derrubou a trave, não valeu!". Os pais morrem de rir e vibram vendo os meninos na tela. Acaba a partida, com resultado incerto, e crianças e adultos correm para buscar cadeiras em casa. Afinal, ninguém quer perder a primeira parte do programa, que é sempre a mais engraçada. São animações infantis e educativas, com linguagem bem leve, abordando temas de interesse comunitário ou ecológico. Neste mês, está sendo veiculado um filminho ensinando a lidar de forma inteligente com o lixo. Depois vêm os quadros "O Recife está no ar" (reportagens sobre ações e programas sociais da prefeitura, este mês tratando do Bolsa-Escola municipal), "Giramundo" (matérias temáticas, desta vez enfocando a obra do poeta popular "Patativa do Assaré", falecido recentemente) e, por fim, "Meu Bairro é o Maior" (série de documentários narrando, a cada mês, a história, os personagens e os principais traços culturais de cada bairro). O programa completo dura em torno de 55 minutos. A doméstica Fátima Nascimento dispensou o Jornal Nacional e a novela. Ela trabalha numa casa de família durante o dia e trouxe três dos cinco filhos para participar do futebol. Ela sonha em vê-los jogando profissionalmente um dia, e diz que ficou "doidinha" quando os viu no telão. "É um incentivo pra gente. Novela a gente vê todo dia. Isso aí tem a ver com a minha realidade, eu mesma já participei de caboclinho, quadrilha junina e outros grupos". Luciano de Oliveira, servente de pedreiro e pai de um filho de três anos, concorda. "A reportagem sobre o lixo foi legal. A televisão hoje em dia só mostra safadeza e violência. O menino em casa só vê é mau exemplo". Ao final do programa, o microfone é aberto mais uma vez para uma avaliação geral e as despedidas. As crianças prometem ensaiar um número especial para o mês que vem. A história do projeto A equipe responsável pela produção do projeto tem estrada no terreno da TV alternativa e comunitária. O grupo idealizou o formato kombi + telão no início dos anos 80 e colecionou, entre 84 e 94, os mais importantes prêmios nacionais e internacionais com o projeto "TV Viva - A Sua Imagem" - mantido como um braço da ONG mais antiga de Pernambuco, o Centro de Cultura Luiz Freire, fundado em Olinda em 1972. "A concepção hoje é diferente. Temos uma parte ao vivo, valorizando os grupos culturais locais, em contato com as matraqueiras, e duas equipes completas percorrendo 34 bairros todos os meses", esclarece Eduardo Homem, um dos coordenadores da TV Matraca, salientando o grande sucesso que é o quadro "O meu bairro...", outra novidade surgida a partir da atual parceria com a prefeitura. "A televisão aberta está pior do que nunca, e só mostra o lado negativo e precário da periferia. Nós fazemos um mapeamento sociocultural da cidade a partir de cada bairro. Estamos montando um acervo riquíssimo com os valores anônimos das comunidades", comemora Nilton Pereira, outro coordenador, também fundador da TV Viva. O secretário de Comunicação Social da Prefeitura do Recife, Paulo André Leitão, afirmou à Agência Carta Maior que vai tentar capitalizar o recente credenciamento da TV Matraca para o "Prêmio de Gestão Pública" das fundações Ford e Getúlio Vargas. "A idéia agora é buscar parcerias com empresas privadas para ampliar ao máximo o projeto". O orçamento anual da secretaria está em torno R$ 6,5 milhões. A TV Matraca consome cerca de R$ 35 mil mensais. |
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