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La insignia
25 de fevereiro del 2002


O Gotejar da Luz: Uma emboscada cinematográfica


Mário Maestri


Que fazer, ao se chegar, numa segunda-feira, à noite, atrasados, e encontrar esgotadas as entradas para os grandes lançamentos das vinte salas do Shopping Arrábida, em Vila Nova de Gaia? Voltar para casa, desenxabidos, ou arriscar-se, irresponsavelmente, a assistir uma produção portuguesa de baixo custo?

Em ato de coragem cinéfila singular, decidimo-nos a enfrentar "O gotejar da luz", de Fernando Vendrell. Acresceu a irresponsabilidade o aviso sisudo de Luís M. Oliveira e Vasco Câmara, dois dos quatro críticos do Público, importante quotidiano português, que conferiram a película, acordando-lhe unânimes a inapelável recomendação "dispensável"!

Já arrependidos da decisão, em sala deserta como o Calaari, tivemos como entrada o pobre e linear escorrer sobre o telão dos nomes nus dos protagonistas, em clara antecipação dos parcos recursos de que dispôs o diretor para encenar o drama luso-moçambicano, em época em que cinema é sobretudo dinheiro!

Na mesma linha, desde o início, a ingênua tentativa dos protagonistas - Teresa Madruga, Carla Bolito, Carlos Gomes, Alexandra Antunes - de imitarem a vida como ella é, constituía já depoimento sobre o abismo que separava o filme, de 1999, das super-produções que lhe concorriam nas salas ao lado, entupidas até o ladrão por público sobretudo jovem.

As encenações do adolescente; do pai e administrador colonial; da bondosa e crítica mãe; do oficial distrital; do primo racista; do sábio africano; do jovem assimilado, etc. afastavam-se em tudo da teatralização profissional dos grandes arquétipos da cinematografia atual, definindo proposta fílmica próxima dos anos 70 e abismalmente distante dos atuais tempos de efeitos especiais.

"Gotejar da Luz" é um anacronismo, e não apenas devido à grande alegoria que constrói do despertar de consciência anticolonial moçambicana, impiedosa na punição daqueles que se demoram na falsa margem de um rio que transbordava com a força incontida de águas há muito represadas.

O caráter romanesco da trama; o sociologismo e antropologismo sobre o mundo nativo e sua exploração; a importância dos diálogos e do bilinguismo; o bucolismo das paisagens, tudo se refere a uma tradição estranha à atual cinematografia, sintetizada no acelerado "Cercados", de Ridley Scott, clip milionário sobre o heroísmo supra-humano de guerreiros brancos em cenário negro, sem personagens, enredo, diálogos ou nuanças.

Aos encerrar-se a sessão, os quatro outros companheiros de aventura que desembocaram conosco no hall comum invadido pela massa de espectadores vomitada pelas salas vizinhas certamente também fizeram profundo ato de contrição, jurando jamais penetrarem ao azar em sala de cinema, sobretudo para ver filme de país de cinematografia pobre em recursos.

Ato impensado que pode levar o cidadão imprudente a viver inebriante aventura estética estranha à reiteração tranquilizadora das visões triviais da vida garantida pelas narrativas da cinematografia de massa, obrigando-o a defrontar-se, nem que seja durante o encantamento mimético de uma sessão cinematográfica, com o caráter rico, complexo e paradoxal da vida.

Como descolar da retina o confronto entre o patético exame virtual de etiqueta à mesa do candidato à assimilado com a socialização do adolescente branco em refeição comunitária realizada com as mãos! Como não ser engolido pela fineza dos diálogos, pelas contradições do bilinguismo, pela moçambicanização do menino conquistado pela riqueza lingüística da terra em que crescia?

Por esses e outros perigos, é que conclamamos: cinéfilos de todo o mundo, consultem os especialistas, antes de lançarem-se por trilhas desconhecidas! Falando neles, há duas semanas, os quatro citados comentaristas do diário PÚBLICO recomendaram unânimes a excelência extrema da produção norte-americana "Ocean's Eleven - Façam as vossas apostas". E nós, tristes patetas, seguimos a recomendação!


(*) Mário Maestri é historiador e professor do Programa de Pós-Graduação em História da UPF, RS, Brasil E-mail: maestri@via-rs.net



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